sábado, 26 de dezembro de 2009

Morre guitarrista que acompanhava Janis Joplin


Gurley abraçado a Janis

James Gurley, guitarrista da famosa banda Big Brother and the Holding Company, que acompanhou Janis Joplin em seus melhores anos, morreu de ataque cardíaco, em 20 de dezembro, dois dias antes de completar 70 anos, em um hospital de Palm Springs.


Seus contemporâneos consideravam Gurley um dos fundadores da guitarra psicodélica surgida nos anos 60, assim como Jerry Garcia, do Grateful Dead, Jorma Kaukonen do Jafferson Airplane e Barry Melton do Country Joe and the Fish.

Nascido James Martin Gurley, cresceu em Detroit, Michigan, aprendendo guitarra ouvindo Lightning Hopkins, blueseiro de som cru e áspero do Texas. E também inspirado no saxofonista John Coltrane, a quem chamava de louco: “É desse jeito que eu quero tocar, como um louco. E é assim que eu vou desenvolver o meu estilo”, dizia Gurley, pagando tributo ao velho Coltrane.

Espiritualizado, Gurley passou anos estudando o sacerdócio em Detroit, mas a onda acabou quando conheceu a esposa Nancy na Wayne University, em 1957. Nessa época Gurley também tocava em casas noturnas, viajando pelo México e Los Angeles, até basear-se em San Francisco definitivamente.

Fez parte da nascente cena beatnik da cidade, tocando country blues com Nancy e jazz na Meca do estilo de San Francisco Jimbo’s Bop City.

Na biografia Bad Talking Bluesman, o músico Nick Gravenites lembra quando conheceu Gurley, em 1963: “Ele era uma das poucas pessoas da cena beatinik de San Francisco que tocava o verdadeiro blues, mas tinha o comportamento muito estranho. Nós costumávamos tocar no bar de música folk chamando North Gallery, em North Beach e um dia o encontrei com a cabeça raspada e não falava mais. Ouvi que ele havia sofrido um acidente de moto quando foi visitar sua família em Detroit e havia cessado sua comunicação verbal. Sua única forma de comunicação era com expressões faciais”.

Foi enquanto tocava em North Beach que o guitarrista conheceu uma jovem blueseira vinda de Port Arthur, Texas, chamada Janis Joplin. Ficou impressionadíssimo com sua performance. Em 1965 formou com Sam Andrew e Peter Albin o Big Brother e Holding Company, convidando Janis para os vocais.

Além de brilhar no Monterey Pop Festival, Gurley participou do lendário álbum de estréia de Janis Cheap Thrills, onde mostrou toda a crueza e intensidade de seu som em temas como Piece of My Heart e Ball and Chain. O resto é história.

Após a saida de Janis, o grupo convidou outros vocalistas, como a cantora Kati McDonald e Nick Gravenites, gravando alguns álbuns sem ninca ter atingido o sucesso anterior.

Dissolvida em 1972, a banda voltou a se reunir em 1987 com quatro membros originais, mas Gurley abandonou o projeto em 1997, dedicando-se a projetos solos. Recentemente vivia entre Cupertino e Palm Desert, ambos na Califórnia, pintando e imerso em projetos musicais obscuros, como álbuns com o baterista de new age Muruga Booker e álbuns solos.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Igrejas e instituições santistas colecionam obras sacras e de Benedicto Calixto


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cláudio Arouca

Em 1881 o pintor Benedicto Calixto realizou seu primeiro trabalho em Santos. A pedido de Hygino Botelho de Carvalho, pai do poeta Vicente de Carvalho, Calixto pintou quatro medalhões que ficavam na entrada do escritório comercial de Hygino, na rua Santo Antonio, e que retratavam paisagens e marinhas do porto de Santos.


A partir daí, Calixto pintou, geralmente por encomenda, quadros retratando personalidades e paisagens da cidade e seus arredores e muito do acervo do chamado “pintor caiçara” ainda se encontra à disposição de quem quiser apreciá-lo.

Mas não é só isso. Cidade com tradição religiosa e vocação para a história, Santos possui ainda um grande acervo de arte sacra espalhados pelas igrejas e no próprio Museu de Arte Sacra, no Centro Histórico. Segundo o historiador santista, Waldir Rueda, são obras de valor inestimável, tanto artístico quanto econômico.

A Pinacoteca Benedicto Calixto conta com uma coleção de 51 peças do artista, entre elas, os estudos em carvão realizados na Académie Julian, em Paris. Datam de 1883 e 1884. Há ainda a bela série com seis paisagens, em óleo sobre tela, retratando a rotina do cais do porto de Santos em seus primórdios, quando ainda existiam os trapiches.

Outros dois óleos sobre tela chamam a atenção pela beleza e pelas dimensões: 2,24 de altura por 1,28 de comprimento. São as imagens de Braz Cubas e de Bartolomeu de Gusmão. A curiosidade fica por conta do retrato de Benedicto Calixto exposto na entrada da Pincacoteca, pintado pelo seu filho Sizenando Calixto.

A Santa Casa de Misericórdia de Santos possui uma coleção com mais de 50 obras, entre retratos pintados por Benedicto Calixto e pelos artistas Antonio Godoy e Guiomar Fagundes.

Retratados por Calixto em óleo sobre tela estão: João Éboli, Julio Conceição, Cândido Gaffré, Visconde e Viscondessa do Embaré, Joaquim da Motta e Silva, José Caballero e muitas outras personalidades da vida santista, além de beneméritos do hospital.

Segundo Frederico Serra, responsável pelo acervo, as obras vem sendo restauradas desde 2000 e o trabalho está longe de ser concluído. “Apesar de a maioria do acervo ser composta por retratos, elas formam um importante conjunto no contexto histórico e artístico de Santos. Aos poucos estamos conseguindo recuperá-las”, diz Serra.

Também restaurados, há na Santa Casa o belíssimo quadro de Calixto chamado “Misericórdia”, um óleo sobre tela de 1,45 de comprimento por 1,93 de altura, e uma aquarela do pintor português Roque Gameiro retratando Braz Cubas. Para Waldir Rueda esse retrato de Braz Cubas é uma das obras mais importantes sobre o fundador da Vila de Santos. “O busto de Braz Cubas do italiano Lorenzo Massa, que também está na Santa Casa, foi elaborado a partir desse quadro de Gameiro. As duas obras foram encomendadas pelo vereador Alfaya Rodrigues em 1904 e pagas pela irmandade, tendo chegado a Santos em 1905”, explica Rueda.

O retrato foi restaurado após ter sido danificado com um estilete em uma greve dos funcionários do hospital, mas para o historiador a restauração do Braz Cubas poderia ter ficado melhor: “Se o restaurador não tivesse apagado o nome de Gameiro e colocado o seu, Gerson Charleaux, e tivesse usado a aquarela que era o material original e não tinta óleo como a tela está hoje”.

No Centro Histórico, duas grandes e importantes obras de Benedicto Calixto moram nas paredes da Associação Comercial de Santos. São dois óleos sobre tela doados pelo pintor à associação dirigida pelo comendador Nicolau Vergueiro, o mecenas que patrocinou seus estudos em Paris.

A tela maior é “A Vista da Cidade de Santos”, um óleo sobre tela de 1888, com 1,38 de altura e 2,84 de comprimento, e o óleo sobre tela “Panorama do Porto de Santos”, pintado em 1875, com 75 cm de altura por 3 metros de comprimento. Ambos ostentam as molduras originais que, de tão pesadas, são sustentadas na parede por vergalhões de aço.

A associação também conta com seu livro de ouro que registra a passagem de visitantes ilustres, entre eles, Olavo Bilac, Martins Fontes, Rui Barbosa e três visitas de D. Pedro 2º, assinadas assim mesmo e não em algarismo romano. Foram em agosto de 1875; setembro de 1878 e a última, em companhia de Thereza Christina Maria, em novembro de 1886. Há ainda as assinaturas de presidentes da República como o fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek de Oliveira e o primeiro presidente a sofrer um impeachment no Brasil, Fernando Collor de Melo.

A Bolsa do Café abriga três das mais impressionantes pinturas em óleo sobre tela de Calixto, a representação da “Fundação da Vila de Santos”, onde se vê mais uma vez a figura de Braz Cubas. A tela tem nove metros de largura por três de altura. Há ainda duas paisagens de Santos em dois momentos da história: em 1822 e 1922, ambas com três metros de altura por 2,80 de comprimento.



Todos esses trabalhos, mais o vitral no teto do imponente casarão, foram encomendados ao artista para ser entregues na inauguração da Bolsa do Café. Um detalhe na tela em que Santos é retratada em 1922 chama a atenção: a Catedral da cidade já se encontra no local que é hoje, só que a mesma só foi construída em 1939, ou seja, dezessete anos após o quadro ter sido pintado. Trata-se de mais uma curiosidade dessas que podem ser descobertas pelos apreciadores mais atentos. “Talvez Benedicto Calixto tenha tomado conhecimento do projeto de construção e tenha retratado a cidade já com seu principal santuário”, especula Rueda.

Circuito religioso: Falando da Catedral, o roteiro religioso no Centro Histórico pode começar com uma de suas imagens, a da Nossa Senhora do Amparo. Waldir Rueda chama a atenção para essa imagem que ficava na antiga Matriz da Praça da República, demolida em 1908. “Antigamente as pessoas eram enterradas dentro das igrejas, e a capela do amparo, onde ficava a imagem, era dentro da antiga Matriz. Imagine quantas pessoas oraram aos pés dessa imagem. Ela tem um valor inestimável para a cidade”.

Outra imagem que ficava na Matriz e ainda hoje é pouco lembrada é a da Nossa Senhora da Piedade. Hoje está na Igreja do Rosário, onde também fica a Imagem da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Além dessas, a igreja do Rosário abriga a imagem da Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos. Trata-se de outra curiosidade já que essa santa não foi canonizada pela igreja católica.

A Ordem Primeira do Carmo também guarda algumas preciosidades. Além de quatro imensos quadros pintados por Benedicto Calixto retratando “Santo Elias”, “Santo Eliseu”, “Santo Alberto” e o “Beato Nuno Álvares Pereira”, o santuário conta com as imagens de Sant’Ana e de São Joaquim, ambas do período barroco. Há também a réplica da imagem da Nossa Senhora do Monte Serrat, seguindo o estilo etrusco, assim como a original exposta na Catalunha, na Espanha.

No Museu de Arte Sacra está uma das imagens mais antigas de Santos e uma das histórias mais interessantes. Trata-se da imagem de Santa Catarina que ficava na capela de mesmo nome no início da Vila de Santos. Roubada pelo corsário inglês Thomas Cavendish em sua incursão pelo litoral de São Paulo, foi jogada ao mar e só foi achada por escravos 70 anos após ter sido descartada pelo pirata que, muito provável, devia estar procurando por ouro dentro das estátuas.

Roubada e depois devolvida, a imagem de Sant’Ana Mestra, esculpida em barro cozido na primeira metade do século 18, foi retirada do Museu nos anos 1990, mas apareceu algum tempo depois em uma igreja da cidade. Ela esta muito danificada e apresenta rachaduras e a falta algumas partes nas imagens da santa e do menino.

Entre as novecentas peças do Museu de Arte Sacra, encontra-se ainda a primeira edição das memórias para a História da Capitania de São Vicente, escrito por Frei Gaspar, em 1797. “O livro está exposto no quarto que pertenceu ao Frei Gaspar e o piso ainda é o mesmo de quando o museu ainda se chamava Mosteiro de São Bento. Toda a arquitetura do local também está preservada”, explica Raquel Mattos, conservadora do museu. A curiosidade fica por conta da coleção de máscaras ritualísticas de várias partes do mundo, doadas pelo colecionador Alexandre de Melo Faro. São mais de noventa peças.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sai lista de indicados ao Blues Foundation Award 2010



O guitarrista Joe Louis Walker foi o nome que mais recebeu indicações ao 31º prêmio da Blues Foundation. Foram cinco indicações, entre elas: melhor guitarrista, álbum de blues contemporâneo, canção I’m Tide, de seu recente CD Between a Rock and Blues. Rick Estrin Tommy Castro, Louisiana Red e Duke Robillard receberam quatro indicações cada.

A premiação é uma das mais importantes concedidas aos músicos dedicados ao gênero. A Blues Foudation é uma organização dedicada a preservar a história do blues nos Estados Unidos, premiar os melhores artistas e difundir a cultura dessa que é considerada a primeira e única forma de arte norte americana. A fundação conta com uma rede com 185 instituições ligadas ao blues.

Os resultados serão divulgados em meados de fevereiro, mas os prêmios serão entregues no dia seis de maio de 2010, em Memphis, nos Estados Unidos. Na ocasião haverá apresentação dos indicados, o que torna a cerimônia um dos eventos mais concorridos do circuito blueseiro.

Seguem as indicações:

Álbum acústico
David Maxwell & Louisiana Red – You Got to Move
Maria Muldaur & her Garden of Joy – Good Time Music for Hard Times
Saffire-the Uppity Blues Women – Havin' The Last Word
Samuel James – For Rosa, Maeve and Noreen
Coletânea – Things About Comin' My Way - A Tribute to the music of the Mississippi Sheiks

Artista de blues acústico
Annie Raines & Paul Rishell
Doug MacLeod
Guy Davis
Louisiana Red
Samuel James

Ábum do ano
Duke Robillard's Jumpin' Blues Revue – Stomp! the Blues Tonight
Eddie C. Campbell – Tear This World Up
Joe Louis Walker – Between a Rock and the Blues
Louisiana Red & Little Victor's Juke Joint – Back to the Black Bayou
Various Artists – Chicago Blues A Living History

Prêmio B.B. King entertainer
Candye Kane
Magic Slim
Rick Estrin
Super Chikan
Taj Mahal
Tommy Castro

Banda do ano
Duke Robillard's Jumpin' Blues Revue
Nick Moss & the Flip Tops
Rick Estrin and the Nightcats
The Mannish Boys
Tommy Castro Band

Revelação
Greg Nagy – Walk That Fine Thin Line
Joanne Shaw Taylor – White Sugar
Marquise Knox – Man Child
Monkey Junk – Tiger in your Tank
The California Honeydrops – Soul Tub!

Album de blues contemporâneo
Candye Kane – Superhero
Joe Louis Walker – Between a Rock and the Blues
Rick Estrin and the Nightcats – Twisted
Ronnie Earl and the Broadcasters – Living in the Light
Tommy Castro – Hard Believer

Artista de blues contemporâneo (mulher)
Bettye LaVette
Candye Kane
Janiva Magness
Ruthie Foster
Shemekia Copeland

Artista de blues contemporâneo (homem)
Derek Trucks
Joe Louis Walker
John Nemeth
Michael Burks
Tommy Castro

DVD
Delmark Records, It Ain't Over! Delmark Celebrates 55 Years of Blues, Live at Buddy Guy's Legends
Eagle Eye Media, Live at Montreux 1993 (B.B. King)
Jo Films& Roadside Productions, Hot Flash - The Documentary (Saffire-the Uppity Blues Women)
Mojo Rodeo Records, A Night in Woodstock (Paul Rishell & Annie Raines)
Vincent Productions, Down to the Crossroads Vol. 1 (George Thorogood & the Destroyers w/ Eddie Shaw)
torical, Bear Family Records, Taking Care of Business (1956-1973) (Freddie King)
Chess, Authorized Bootleg (Muddy Waters)
Eagle Records, Essential Montreux (Gary Moore)
Hip-O Select, The Complete Chess Masters (1950-1967) (Little Walter)
Landslide Records, Sean's Blues (Sean Costello)

Instrumentistas
Baixo
Bill Stuve
Bob Stroger
Larry Taylor
Mookie Brill
Patrick Rynn

Bateria
Cedric Burnside
Jimi Bott
Kenny Smith
Sam Carr
Tony Braunagel

Guitarra
Derek Trucks
Duke Robillard
Joe Louis Walker
Lurrie Bell
Ronnie Earl

Harmônica
Billy Branch
Jason Ricci
Kim Wilson
Mark Hummel
Rick Estrin

Sopro
Big James Montgomery
Deanna Bogart
Eddie Shaw
Keith Crossan

Outros
Buckwheat Zydeco (accordion)
Gerry Hundt (mandolin)
Johnny Sansone (accordion)
Otis Taylor (banjo)
Rich Del Grosso (mandolin)

Prêmio Pinetop Perkins Piano Player
Bruce Katz
David Maxwell
Eden Brent
Henry Butler
Henry Gray

Álbum de blues rock
Derek Trucks Band –Already Free
Jason Ricci & New Blood – Done with the Devil
Jim Suhler & Monkey Beat – Tijuana Bible
Mike Zito – Pearl River
Tinsley Ellis – Speak No Evil

Canção
Cyril Neville & Mike Zito, "Pearl River" (Pearl River--Mike Zito)
James "Super Chikan" Johnson, "Fred's Dollar Store" (Chikadelic--Super Chikan)
Joe Louis Walker "I'm Tide" (Between a Rock and the Blues--Joe Louis Walker)
John Hahn & Oliver Wood, "Never Going Back to Memphis" (Never Going Back--Shemekia Copeland)
Vyasa Dodson, "At Least I'm Not With You” (At Least I'm Not With You--The Insomniacs)

Álbum de soul
Charles Wilson – Troubled Child
Darrell Nulisch – Just for You
Johnny Rawls – Ace of Spades
Latimore – All About the Rhythm and the Blues
Mighty Sam McClain – Betcha Didn't Know

Artista de soul (mulher)
Barbara Carr
Denise LaSalle
Irma Thomas
Shirley Brown
Sista Monica Parker

Artista de soul (homem)
Curtis Salgado
Darrell Nulisch
Jackie Payne
Johnny Rawls
Latimore

Álbum de blues tradicional
John Primer – All Original
Johnnie Bassett – The Gentleman is Back
Louisiana Red & Little Victor's Juke Joint – Back to the Black Bayou
Super ChikanChikadelic
Various Artists – Chicago Blues A Living History

Artista de blues tradicional (mulher)
Ann Rabson
Debbie Davies
Fiona Boyes
Shirley Johnson
Zora Young

Artista de blues tradicional (homem)
Duke Robillard
John Primer
Johnnie Bassett
Louisiana Red
Super Chikan

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Nova safra das letras de Santos

Kizzy Ysaits

Em “Sondagem”, uma de suas crônicas, Carlos Drummond de Andrade explica ao empertigado carteiro Teodorico que algumas vezes as pessoas escrevem simplesmente para "esvaziar a alma". "Escrevendo, o camarada desabafa, entende? Pouco importa que seja lido ou não, isso é outra coisa".

Da nova safra de escritores nascidos ou radicados na Baixada Santista, alguns concordam com a primeira afirmação: escrevem para dar sentido à vida. Mas não concordam com a segunda, ou seja, querem sim ser lidos e, se possível, viver de seu ofício, a exemplo do poeta mineiro.

Entre tantos nomes dessa literatura, destacam-se os poetas Ademir Demarchi, Marcelo Ariel e Flavio Viegas Amoreira; Daniel Salgado, Helena Gomes e Kizzy Ysaits, na literatura fantástica; Luiz Cancello, com seus contos, e o romancista José Roberto Fidalgo, o mais novo a entrar no time.

Toda essa agitação não chega a ser um movimento articulado, talvez porque os gêneros sejam tão diversos quanto as letras que compõem o alfabeto. E se esses autores serão, algum dia, tão significativos quanto foram Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Rui Ribeiro Couto, Paulo Gonçalves, Patrícia Galvão, Geraldo Ferraz, Manoel da Silveira e Plínio Marcos, só o tempo irá dizer.

Em comum, apenas o ponto de encontro: a Realejo Livros, uma espécie de City Lights santista. (A editora e livraria City Lights, em funcionamento até hoje, lançou grande parte dos autores beat que mudaram os rumos da literatura americana. Era também ponto de encontro de escritores na efervescente São Francisco dos anos 50 e 60). "As portas estão sempre abertas para professores, músicos, escritores e até clientes”, brinca o livreiro José Luiz Tahan, consciente do papel que o espaço exerce nesse momento de boa produção. "Independente do gênero, acredito que o nosso papel é o de fomentar a produção cultural da cidade. Realizamos eventos e lançamentos quase todos os dias", diz.

Marcelo Ariel

De acordo com o poeta Ademir Demarchi, nascido em Maringá e radicado em Santos, existem diversos níveis de qualidade nos trabalhos, mas o mais importante é que os escritores não estão focados somente na região. "Estão no embate com escritores nacionais. A qualidade e o apelo dessa literatura não devem nada a qualquer autor do país".

Além do livro de poesias “Os mortos da sala de jantar”, Demarchi é editor da revista Babel, que reúne os maiores nomes da poesia atual. Segundo ele, a revista surgiu da necessidade da experimentação dos autores e para dar visibilidade à nova safra de poetas. Babel, que está na sexta edição, já contou com a participação de Milton Hatoum, Wally Salomão e João Cabral de Melo Neto, além do santista Flavio Viegas Amoreira e do cubatense Marcelo Ariel, considerado a grande revelação da poesia nacional.

Flavio Viegas, que não distingue gêneros, publicou, nos últimos seis anos, cinco títulos pela editora 7 Letras, tornando-se um dos escritores mais prolíficos da região. É ativista cultural na cidade, mas também na ponte aérea Rio-São Paulo. "Tenho Santos como base, mas com a internet consigo me comunicar com escritores e vertentes do mundo inteiro. Poderia morar no Alaska ou no Japão que não faria diferença".

O poeta Marcelo Ariel é outro que não aceita ser rotulado como artista da região, apesar de usar sua Cubatão natal como inspiração. Diz ser um poeta do mundo e para ele a poesia, antes de tudo, tem um papel social: "Ela procura despertar a consciência do que é vivo e do que é real. Vivemos num mundo esfacelado por esse modelo de vida que nós mesmos criamos e não sabemos como lidar. Os políticos, a universidade e a elite não discutem alternativas, então sobrou pra nós, artistas, ser a consciência do nosso tempo", reflete.

O “Tratado dos Anjos Afogados”, seu primeiro livro, teve a cidade de Cubatão, que ele chama de "terreno baldio do capital industrial" ou "a cidade vítima do Brasil", como pano de fundo. "Tentei fazer uma investigação metafísica da cidade. E isso só pode acontecer quando a cidade dorme. Com distanciamento". O trabalho recebeu espaço nas revistas Cult e Rascunho e nos principais cadernos de cultura dos grandes jornais. "Pra mim, a poesia é o culto à insônia. E esse livro nada mais é do que o fruto no jardim da insônia. Escrevo porque não durmo".

Ademir Demarchi

A safra também conta com autores que apostam em histórias fantásticas como Daniel Salgado, autor da saga épica “Contos de Árian”, que já está no segundo volume; Kizzy Ysatis, autor de “O Clube dos imortais, a nova quimera dos vampiros”; e Helena Gomes, autora da série “A Caverna de cristais”, que está no segundo volume e, aos poucos, está sendo desenfornada.

A primeira história de Daniel Salgado está sendo traduzida para a língua inglesa e o próprio autor está em contato com editoras para publicar o livro fora do Brasil. Além dos dois volumes publicados, Daniel planeja lançar mais seis histórias.

Kizzy foi o primeiro autor a ganhar o prêmio Raquel de Queiroz, da União Brasileira de Escritores (UBE), com a literatura fantástica, um gênero até então marginalizado. Seu próximo lançamento, “Diário da Sibila Rubra - o retorno das bruxas” está previsto para outubro. "Nesse livro procurei unir as mitologias brasileira e européia, reinventando-as e, ao mesmo tempo, difundindo-as. Criei uma ficção casando o que hoje é antigo nas duas culturas, para criar o meu mundo fantástico". Atualmente, o autor está em Santa Catarina fazendo a pesquisa para seu próximo livro.

Com o lançamento esta semana de “O Ano da Lagartixa”, o jornalista Roberto Fidalgo, que define o ato de escrever como “doloroso, porém terapêutico”, se tornou o mais recente membro do clube dos escritores. Optou por entrar pela porta dos fundos, publicando de primeira a sua obra em um blog na internet, angariando um publico fiel de leitores que viviam pressionando pelos próximos capítulos. Só depois resolveu publicar o livro da maneira convencional, ainda assim, independente, pela editora Os Viralata, seguindo a máxima punk "do it yourself".

Com toda uma vida dedicada ao jornalismo e à leitura de autores atormentados como John Fante, Charles Bukowsky, Jack Kerouac e Sam Sheppard, JR Fidalgo optou por contar uma "não-história", deixando que ela encontre seu próprio rumo. Em determinado momento, o protagonista passa a discutir com uma lagartixa sobre seu penoso trabalho de escrever textos idiotas sobre encomenda e o desejo/necessidade de escrever um livro, dilema de todo o jornalista. Daí para o revisionismo existencial foi um passo. "Não é um livro autobiográfico, mas tem muito pouco de ficção. Era pra sair um volume no formato livro de bolso, mas aí a lagartixa apareceu novamente e me fez retornar ao trabalho".

Os contistas estão representados pelo psicólogo Luiz Cancello, com o seu “Dias de Cão”, lançado no final de 2007. São 20 pequenas histórias que abordam aventuras domésticas do autor. "Como tantos escritores, pretendo apresentar uma leitura original de fatos banais, revelando uma face oculta do dia-a-dia. Gosto de olhar a vida através de detalhes do cotidiano e tenho a pretensão de que uma coleção desses pequenos átomos da existência acabem por formar uma visão maior do conjunto das lidas humanas. Ao ler o livro de Cancello, um leitor fez o seguinte comentário: "Descobri uma nova geografia de meu banheiro".

Flávio Viegas Amoreira

Ademir Demarchi - É bacharel em Letras e doutorado em Literatura Brasileira. Começou aos 18 anos publicando peças mimeografadas, mas diz nunca ter fantasiado viver da literatura. "Pra mim, literatura é uma espécie de jardinagem. É uma forma de levar uma vida mais sensível". Publicou recentemente pela Editora Realejo seu único livro de poesias, cujo tema central é as diversas formas de encarar a morte. "A sociedade foi organizada para moer gente: nas guerras, na organização social, nas formas de trabalho".

Helena Gomes - Autora de “Lobo Alpha”, “O arqueiro e a Feiticeira” e “Aliança dos povos”, Helena Gomes divide seu tempo entre o trabalho em uma assessoria de imprensa e as aulas que ministra em uma universidade local. Para 2008, ela preparou os lançamentos “Despertar do dragão”, o infantil “Código criatura” e o juvenil “Assassinato na biblioteca”. Com o escritor Cláudio Brites organizou a antologia de contos “Anno Domini - manuscritos medievais”. Seu primeiro livro, uma co-autoria com a jornalista Viviane Pereira e com o cartofilista Laire José Giraud, foi a não-ficção “Memórias da Hotelaria Santista”, em 1997.

Marcelo Ariel - Nasceu em 1968 e cresceu em Cubatão na época em que a cidade era rotulada de a mais poluída do mundo. Viveu a tragédia da Vila Socó, fato que marcará sua obra e sua vida. Aos oito anos era levado pelo irmão esquizofrênico a uma biblioteca da cidade para aprender a ler. Mais tarde, iria cuidar do mesmo irmão por 17 anos. Segundo Ariel, essa foi sua maior influência para escrever, pois passava noites acordados.

José Roberto Fidalgo - Começou no jornalismo em 1973 no jornal A Tribuna. Já havia escrito outras histórias, mas nunca com a intenção de publicar, pois diz não ter formação e nem pretensão literária. No jornal foi influenciado por Roldão Mendes Rosa e Narciso de Andrade. Antes da edição impressa, “O Ano da Lagartixa” foi publicado na internet, tendo recebido um bom retorno. "Nós, jornalistas, temos a habilidade de lidar com as palavras. Não chega a ser um talento, mas quem está de fora acha que é".

Daniel Salgado - Largou um emprego burocrático para se dedicar à literatura. Diz que está melhor assim. É autor da série “Contos de Árian”, que tem dois volumes publicados pela editora Novo Século: “O caçador de gigantes” e “O lobo de Gaia”, classificados como romances épicos. Os “Contos de Árian” reúnem as histórias que Daniel contava - e ainda conta - para sua filha Ariane, de oito anos. Trata-se da história de um pai guerreiro cuidando da segurança da família, em especial da filha, em um mundo fantástico onde deuses interagem com os seres humanos. Através de minuciosa pesquisa, o autor criou toda uma mitologia em torno da cidade fictícia de Árian.

Kizzy Ysaits - Nasceu em Santos, morou na Espanha e no momento está viajando para coletar dados para seu próximo trabalho. Diz devorar livros, seus maiores amigos desde a infância. Em suas andanças, fez quadrinhos, teatro e se tornou fã do rock gótico dos anos 80 e de filmes de Woody Allen e M. Night Shyamalan. Na literatura, admira Oscar Wilde, Clarice Lispector, Ana Maria Machado, Virginia Woolf, Balzac e Rimbaud. Boêmio e solitário, Ysaits adotou o visual peculiar de seu personagem: capa, cartola e coturno, tudo preto. Por “Clube dos imortais, a nova quimera dos vampiros”, recebeu o prêmio na Academia Brasileira de Letras das mãos do imortal Antonio Olinto.

Flávio Viegas Amoreira - É um dos mais ativos de Santos, mas não se considera um escritor santista: "Moro em Santos, mas vivo na literatura". Desde 2002 publicou “Mar alto”, “A Biblioteca submergida”, “Contogramas”, “Escorbuto: Contos da Costa” e “Edoardo: o ele de nós”. Todos tratam de dois temas essenciais ao autor: o desejo e o mar. "Escrevo por desespero. Para questionar o absurdo. Classifico meu trabalho como literatura do estilhaço. Escrevo de forma videoclíptica, que é como a vida é hoje". Viegas vive de escrever resenhas, traduções e obituários. É formado em História.

Luiz Antonio Guimarães Cancello - É santista de nascimento, psicólogo, escritor e músico. Publicou dois livros sobre psicoterapia: “O fio das palavras - um estudo da psicoterapia existencial”, em 1991; e “Informal, nômade, tradicional - os psicólogos, psicoterapeutas e seus grupos de estudos”, 2007. E também dois livros de contos “Dia-a-dia: fragmentos” e “A carne e o sonho”. "A agilidade da narrativa capta um flagrante da vida, tece as considerações através do narrador e logo fecha a questão. Aquilo que é transmitido dessa maneira vai adquirindo um "jeitão" na seqüência dos contos. Em Dias de Cão, muitas histórias são contadas explorando pequenas manias dos personagens, muitas das quais se revelam na intimidade do banheiro".





quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O Resgate de Pagu


Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Leandro Amaral e reprodução

Escritora, jornalista, ativista política, apaixonada pelas artes e pela vida, Patrícia Galvão foi, sem dúvida, uma das personalidades mais importantes da história santista e —por que não dizer?— brasileira do século passado.

Após um período de esquecimento, sua vida e obra vêm sendo resgatadas pelas mãos de duas mulheres: a jornalista Márcia Costa e a professora Lúcia Maria Teixeira Furlani.

A dissertação de mestrado Jornalismo Cultural: A Produção de Patrícia Galvão no Jornal A Tribuna, da jornalista Márcia Costa, analisa a produção de Pagu entre 1954 e 1962, aprofundando-se na coluna Literatura, do suplemento A Tribuna, publicado sempre aos domingos, entre 1957 e 1961. Já a professora Lúcia, cujo interesse por Pagu em 20 anos de pesquisa rendeu duas obras e a criação do Centro de Estudos Pagu, na Unisanta, está prestes a lançar No Angu de Pagu – Uma Fotobiografia, pelas editoras Santa Cecília/Cosacnaify. A previsão de lançamento é para agosto.

São duas visões distintas com a sensibilidade que somente as mulheres poderiam imprimir ao pesquisar a vida agitada de Pagu. Porém, sem esquecer o rigor histórico que os temas exigem.

Em dois anos de pesquisa, a jornalista Márcia Costa compilou, em mais de 200 páginas, informações preciosas sobre a produção jornalística de Patrícia Galvão, como quando Pagu chegou a criar quatro colunas sobre cultura, entre elas a primeira do Brasil a falar sobre televisão. “A maior produção de Pagu foi mesmo como jornalista. Ela escreveu em jornais por mais de 30 anos e em todo o país sua palavra era respeitada nos meios culturais. Sua casa era freqüentada por Jorge Amado e Érico Veríssimo. Além deles, Sabato Magaldi, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Antunes Filho também faziam parte de seu círculo de amizade”, diz a autora da dissertação.

Outra faceta revelada no trabalho de Márcia Costa é a generosidade de Patrícia Galvão com os novos talentos. Na verdade, como lembra a autora, não era bem generosidade, “Pagu sabia reconhecer o talento dos novos escritores, foi a primeira a elogiar o trabalho de Clarice Lispector, e a bancar com seu prestigio o jovem Plínio Marcos”.

Além dessas informações, a dissertação mostra ainda que na época em que Pagu passou por A Tribuna, o jornal possuía um time de colunistas de peso, o que valoriza ainda mais seus textos como ativista cultural. Escreviam Otto Maria Carpeaux, Carlos Drummond de Andrade e Narciso de Andrade.

Para realizar seu trabalho, Márcia entrevistou 17 pessoas, entre elas o jornalista Geraldo Galvão Ferraz, filho de Pagu com o também jornalista Geraldo Ferraz; Augusto de Campos, Narciso de Andrade, Júlio Bittencourt, Gilberto Mendes, Willy Correia de Oliveira, Flavio Viegas Amoreira, Cid Marcos Vasquez e o brasilianista David K. Jackson, além de consultar o precioso acervo da professora Lúcia Maria Teixeira Furlani.

Depositária da confiança da família de Pagu, Lúcia (na foto, Márcia à esquerda e Lúcia à direita) guarda com carinho e cuidado manuscritos produzidos há décadas pela ativista cultural modernista, além de fotos e documentos usados em No Angu de Pagu.

Em um primoroso trabalho de resgate, todas as imagens estão dispostas em ordem cronológica e são, uma a uma, seguidas por explicações rápidas, mas esclarecedoras. Estão ali, por exemplo, sua primeira foto com Oswald de Andrade, na Bahia; seu passaporte da época em que, perseguida por ser comunista, se viu obrigada ao auto-exílio; e até uma radiografia da face com um projétil alojado, fruto de uma tentativa de suicídio mal-sucedida.

“Nossa principal preocupação foi contextualizar todos os documentos, para melhor entendimento do leitor”, explica a autora que, na obra, reuniu mais de 253 imagens, muitas vindo à luz pela primeira vez. Segundo Lucia, cerca de 80% do que há nesse “angu” nunca foi publicado.

Há também o prefácio do sobrinho de Patrícia, o jornalista Clóvis Galvão, hoje em A Tribuna, e ainda um poema inédito de Rudá de Andrade, filho do primeiro casamento, com Oswald de Andrade. O poema se chama “Homenagem às loucuras de minha mãe”, e prova que o filho deixado aos cuidados do pai, Oswald, não guardou os mesmos ressentimentos que os detratores de Patrícia Galvão.

O trabalho da professora não se limita a guardar os documentos doados pela família de Pagu. No momento, o centro de pesquisas está empenhado em recuperar e digitalizar mais de 2.300 documentos recolhidos pela pesquisadora ao longo dos 20 anos de busca em todo o Brasil.

Ela afirma que ainda há muita coisa a ser dita sobre a obra de Pagu. Outro trabalho em andamento é o que está sendo realizado em conjunto com o norte-americano David K. Jackson, estudioso sobre a obra de Patrícia Galvão. “Dessa vez, será uma obra de peso, cinco volumes com muito material inédito”, avisa.