segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Igrejas e instituições santistas colecionam obras sacras e de Benedicto Calixto


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cláudio Arouca

Em 1881 o pintor Benedicto Calixto realizou seu primeiro trabalho em Santos. A pedido de Hygino Botelho de Carvalho, pai do poeta Vicente de Carvalho, Calixto pintou quatro medalhões que ficavam na entrada do escritório comercial de Hygino, na rua Santo Antonio, e que retratavam paisagens e marinhas do porto de Santos.


A partir daí, Calixto pintou, geralmente por encomenda, quadros retratando personalidades e paisagens da cidade e seus arredores e muito do acervo do chamado “pintor caiçara” ainda se encontra à disposição de quem quiser apreciá-lo.

Mas não é só isso. Cidade com tradição religiosa e vocação para a história, Santos possui ainda um grande acervo de arte sacra espalhados pelas igrejas e no próprio Museu de Arte Sacra, no Centro Histórico. Segundo o historiador santista, Waldir Rueda, são obras de valor inestimável, tanto artístico quanto econômico.

A Pinacoteca Benedicto Calixto conta com uma coleção de 51 peças do artista, entre elas, os estudos em carvão realizados na Académie Julian, em Paris. Datam de 1883 e 1884. Há ainda a bela série com seis paisagens, em óleo sobre tela, retratando a rotina do cais do porto de Santos em seus primórdios, quando ainda existiam os trapiches.

Outros dois óleos sobre tela chamam a atenção pela beleza e pelas dimensões: 2,24 de altura por 1,28 de comprimento. São as imagens de Braz Cubas e de Bartolomeu de Gusmão. A curiosidade fica por conta do retrato de Benedicto Calixto exposto na entrada da Pincacoteca, pintado pelo seu filho Sizenando Calixto.

A Santa Casa de Misericórdia de Santos possui uma coleção com mais de 50 obras, entre retratos pintados por Benedicto Calixto e pelos artistas Antonio Godoy e Guiomar Fagundes.

Retratados por Calixto em óleo sobre tela estão: João Éboli, Julio Conceição, Cândido Gaffré, Visconde e Viscondessa do Embaré, Joaquim da Motta e Silva, José Caballero e muitas outras personalidades da vida santista, além de beneméritos do hospital.

Segundo Frederico Serra, responsável pelo acervo, as obras vem sendo restauradas desde 2000 e o trabalho está longe de ser concluído. “Apesar de a maioria do acervo ser composta por retratos, elas formam um importante conjunto no contexto histórico e artístico de Santos. Aos poucos estamos conseguindo recuperá-las”, diz Serra.

Também restaurados, há na Santa Casa o belíssimo quadro de Calixto chamado “Misericórdia”, um óleo sobre tela de 1,45 de comprimento por 1,93 de altura, e uma aquarela do pintor português Roque Gameiro retratando Braz Cubas. Para Waldir Rueda esse retrato de Braz Cubas é uma das obras mais importantes sobre o fundador da Vila de Santos. “O busto de Braz Cubas do italiano Lorenzo Massa, que também está na Santa Casa, foi elaborado a partir desse quadro de Gameiro. As duas obras foram encomendadas pelo vereador Alfaya Rodrigues em 1904 e pagas pela irmandade, tendo chegado a Santos em 1905”, explica Rueda.

O retrato foi restaurado após ter sido danificado com um estilete em uma greve dos funcionários do hospital, mas para o historiador a restauração do Braz Cubas poderia ter ficado melhor: “Se o restaurador não tivesse apagado o nome de Gameiro e colocado o seu, Gerson Charleaux, e tivesse usado a aquarela que era o material original e não tinta óleo como a tela está hoje”.

No Centro Histórico, duas grandes e importantes obras de Benedicto Calixto moram nas paredes da Associação Comercial de Santos. São dois óleos sobre tela doados pelo pintor à associação dirigida pelo comendador Nicolau Vergueiro, o mecenas que patrocinou seus estudos em Paris.

A tela maior é “A Vista da Cidade de Santos”, um óleo sobre tela de 1888, com 1,38 de altura e 2,84 de comprimento, e o óleo sobre tela “Panorama do Porto de Santos”, pintado em 1875, com 75 cm de altura por 3 metros de comprimento. Ambos ostentam as molduras originais que, de tão pesadas, são sustentadas na parede por vergalhões de aço.

A associação também conta com seu livro de ouro que registra a passagem de visitantes ilustres, entre eles, Olavo Bilac, Martins Fontes, Rui Barbosa e três visitas de D. Pedro 2º, assinadas assim mesmo e não em algarismo romano. Foram em agosto de 1875; setembro de 1878 e a última, em companhia de Thereza Christina Maria, em novembro de 1886. Há ainda as assinaturas de presidentes da República como o fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek de Oliveira e o primeiro presidente a sofrer um impeachment no Brasil, Fernando Collor de Melo.

A Bolsa do Café abriga três das mais impressionantes pinturas em óleo sobre tela de Calixto, a representação da “Fundação da Vila de Santos”, onde se vê mais uma vez a figura de Braz Cubas. A tela tem nove metros de largura por três de altura. Há ainda duas paisagens de Santos em dois momentos da história: em 1822 e 1922, ambas com três metros de altura por 2,80 de comprimento.



Todos esses trabalhos, mais o vitral no teto do imponente casarão, foram encomendados ao artista para ser entregues na inauguração da Bolsa do Café. Um detalhe na tela em que Santos é retratada em 1922 chama a atenção: a Catedral da cidade já se encontra no local que é hoje, só que a mesma só foi construída em 1939, ou seja, dezessete anos após o quadro ter sido pintado. Trata-se de mais uma curiosidade dessas que podem ser descobertas pelos apreciadores mais atentos. “Talvez Benedicto Calixto tenha tomado conhecimento do projeto de construção e tenha retratado a cidade já com seu principal santuário”, especula Rueda.

Circuito religioso: Falando da Catedral, o roteiro religioso no Centro Histórico pode começar com uma de suas imagens, a da Nossa Senhora do Amparo. Waldir Rueda chama a atenção para essa imagem que ficava na antiga Matriz da Praça da República, demolida em 1908. “Antigamente as pessoas eram enterradas dentro das igrejas, e a capela do amparo, onde ficava a imagem, era dentro da antiga Matriz. Imagine quantas pessoas oraram aos pés dessa imagem. Ela tem um valor inestimável para a cidade”.

Outra imagem que ficava na Matriz e ainda hoje é pouco lembrada é a da Nossa Senhora da Piedade. Hoje está na Igreja do Rosário, onde também fica a Imagem da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Além dessas, a igreja do Rosário abriga a imagem da Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos. Trata-se de outra curiosidade já que essa santa não foi canonizada pela igreja católica.

A Ordem Primeira do Carmo também guarda algumas preciosidades. Além de quatro imensos quadros pintados por Benedicto Calixto retratando “Santo Elias”, “Santo Eliseu”, “Santo Alberto” e o “Beato Nuno Álvares Pereira”, o santuário conta com as imagens de Sant’Ana e de São Joaquim, ambas do período barroco. Há também a réplica da imagem da Nossa Senhora do Monte Serrat, seguindo o estilo etrusco, assim como a original exposta na Catalunha, na Espanha.

No Museu de Arte Sacra está uma das imagens mais antigas de Santos e uma das histórias mais interessantes. Trata-se da imagem de Santa Catarina que ficava na capela de mesmo nome no início da Vila de Santos. Roubada pelo corsário inglês Thomas Cavendish em sua incursão pelo litoral de São Paulo, foi jogada ao mar e só foi achada por escravos 70 anos após ter sido descartada pelo pirata que, muito provável, devia estar procurando por ouro dentro das estátuas.

Roubada e depois devolvida, a imagem de Sant’Ana Mestra, esculpida em barro cozido na primeira metade do século 18, foi retirada do Museu nos anos 1990, mas apareceu algum tempo depois em uma igreja da cidade. Ela esta muito danificada e apresenta rachaduras e a falta algumas partes nas imagens da santa e do menino.

Entre as novecentas peças do Museu de Arte Sacra, encontra-se ainda a primeira edição das memórias para a História da Capitania de São Vicente, escrito por Frei Gaspar, em 1797. “O livro está exposto no quarto que pertenceu ao Frei Gaspar e o piso ainda é o mesmo de quando o museu ainda se chamava Mosteiro de São Bento. Toda a arquitetura do local também está preservada”, explica Raquel Mattos, conservadora do museu. A curiosidade fica por conta da coleção de máscaras ritualísticas de várias partes do mundo, doadas pelo colecionador Alexandre de Melo Faro. São mais de noventa peças.

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