quinta-feira, 17 de junho de 2010

O embaixador da música brasileira

Mais uma do fundo do baú. Há quatro anos produzi um show com o saxofonista Leo Gandelman. Ele havia acabado de lançar o CD Lounjazz. Uma semana antes do espetáculo, no papel de jornalista, conversei com o artista pelo telefone e o assunto foi exatamente o show que ia acontecer em Santos. O mesmo texto e entrevista, publicados em 2006, transcrevo para o Mannish Blog. Como produtor musical, possuo novos apoiadores para minhas produções, por isso, os apoiadores da época foram omitidos. A foto é do meu amigo, o fotógrafo Leandro Amaral.


Se o saxofonista Leo Gandelman se candidatasse a algum cargo público nas eleições, certamente receberia uma votação expressiva. Pelo menos entre os músicos brasileiros. Isso porque, além de instrumentista, ele também é compositor, arranjador e produtor de discos alheios. Em toda a sua carreira, e já vão quase trinta anos de serviços prestados à música, Leo participou de mais de 800 gravações, uma contagem que poucos podem ostentar.
No sábado, dia 11, às 21 horas, o saxofonista Leo Gandelman vem a Santos para apresentar os temas de Lounjazz, seu mais recente CD, produzido e lançado pelo seu próprio selo, o Saxsamba.
O CD aponta em direção ao novo. Mistura a liberdade do jazz com o samba, a bossa nova, o choro e muitas batidas eletrônicas e conta também com duas participações especiais: Seu Jorge e Zélia Duncan. Um pouco de tudo isso o leitor confere no espetáculo que acontece no Teatro do Sesc em mais um evento do Projeto Jazz, Bossa & Blues.

Eugênio Martins Júnior - Fale um pouco sobre o começo de sua carreira.
Leo Gandelman - Comecei na música clássica, meus pais eram músicos e minha primeira professora foi minha mãe. Participei dos Concertos para a Juventude tocando flauta, que foi o meu primeiro instrumento, mas eu não via muito futuro na música clássica e resolvi dar um tempo. Depois dessa fase, fui estudar música na Berklee College of Music, em Boston, e só voltei ao Brasil em 1979.

EM - Como foi o primeiro contato com o saxofone?
LG
- Fui apresentado ao saxofone por um amigo e o que me chamou mais a atenção no instrumento foi a possibilidade de improvisação que ele proporciona.

EM - Tendo transitado em todos esses mundos, o clássico, a Música Popular Brasileira e o jazz, quais foram as suas principais influências?
LG
- Paulo Moura e Nivaldo Ornellas no Brasil e, entre os jazzistas norte-americanos, Wayne Shorter, David Sanborn e, por último, John Coltrane.

EM - Por que "por último", se John Coltrane é o mais antigo de todos?
LG -
É porque eu demorei pra entender o que ele fazia. A relação dele com a música. Pra mim, ele foi um dos músicos mais importantes do século 20.

EM - E o Charlie Parker?
LG -
Também é importante. Foi um grande músico, mas o que eu admiro no John Coltrane é a ligação espiritual e filosófica que ele tinha com a música. Ele tinha atitude e coragem para fazer todas aquelas experimentações. Eu tenho uns vinte discos do Coltrane.

EM - Fale um pouco sobre seu disco, o Lounjazz.
LG -
Ele nasceu de uma vontade de compor e gravar. É meu primeiro disco independente e comemora 18 anos de carreira solo. Foi lançado pelo meu selo, o Saxsamba. Na verdade, é uma síntese de todos os meus discos solo, são nove composições próprias e três regravações. Também contei com novas e velhas parcerias.

EM - Tem também as participações especiais de Seu Jorge e Zélia Duncan.
LG -
O Seu Jorge é um amigo de bastante tempo e a Zélia eu convidei por afinidade, sou um grande fã de seu trabalho. A faixa com a Zélia é a mais jazzista de todas.

EM - Além da bateria convencional, também se ouve no disco muita bateria eletrônica. Daqui pra frente, será essa a tendência? Elementos eletrônicos em todos os gêneros musicais?
LG - Nesse disco usei samplers e programação. Não sou nenhum purista, nenhum radical. Pra mim, existem só dois tipos de música: boa e ruim. Sempre fiz misturas em favor do resultado final.

EM - Já que estamos falando em música eletrônica e novas tecnologias, como você vê a relação música e internet?
LG -
Ainda não dá para ter uma opinião. O mercado se pluralizou e se pulverizou muito. Todas essas novas formas de propagação também afetam o processo criativo. Os meios de gravação e distribuição também estão mudando a cada dia que passa.

EM - Fiz essa mesma pergunta para o João Bosco e ele respondeu que o consumo de música na internet deveria ter alguma regulamentação, mas também não soube explicar como isso aconteceria.
LG -
Exatamente, a relação entre o artista e seu público está mudando muito. Vivemos um hiato entre o passado e o futuro e, volto a repetir, ainda não dá para saber como será a regulamentação dessas novas mídias. Enquanto estamos aqui conversando, novas formas estão sendo inventadas.

EM - Como é se apresentar em Santos após tanto tempo? Fiquei sabendo que você chegou a desmarcar um outro show só para vir tocar aqui?
LG -
É verdade. Faz muito tempo que eu não vou a Santos e não quis perder a chance. Todas as vezes que eu visitei Santos tive boa acolhida.

EM - E essa banda?
LG -
Já me acompanha há dois anos e é composta por Alberto Continentino (baixo), Allen Pontes (bateria) e Rafael Castilho (teclado). Todos são músicos jovens. Por isso ela se chama Supernova, que também é o nome de uma estrela. O Alberto Consentino é meu sobrinho e eu considero um dos baixistas mais talentosos do Brasil.
 

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Adriana: a nova voz do clã Peixoto


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Camila Rodrigues

A linhagem musical começou com o velho Nonô, tio avô que, entre outros artistas, acompanhou Noel Rosa e Carmen Miranda. É filha do lendário pistonista Araken Peixoto, sobrinha do maestro Moacyr Peixoto e dos cantores Cauby e Andyara Peixoto. Prima de Ciro Monteiro e Dalmo Medeiros, do grupo MPB 4.
Adriana Peixoto não tem nenhum problema em ostentar o parentesco. Ao contrário, se isso lhe abrir portas, muito que bem.
Mas a real é que ela nem precisa. Tem talento e labuta de sobra para irradiar luz própria.
Além disso, tem bom gosto. Isso fica claro pela escolha do repertório para o show que fez no Sesc Santos, em maio, e também nas apresentações que faz no Bar Brahma, todos os sábados, em São Paulo. Uma temporada que já dura um ano.
Eliminando alguns exageros no palco e com uma boa produção artística, tem tudo para chegar ao topo, podendo se tornar uma das grandes cantoras do Brasil.
Essa entrevista exclusiva ao Mannish Blog foi concedida logo após o show, no dia 15 de maio de 2010, no Sesc Santos. A apresentação fez parte do Projeto Voz de Mulher, realizado pelo Sesc Santos, Agência Urbana e Mannish Blog. Curta Adriana.

Eugênio Martins Jr – Como foi sua infância como filha de Araken Peixoto?
Adriana Peixoto – Meu pai, um homem presente, pai único. Lutou para educar os três filhos, lutou com a música. Grande músico, tocava em quatro casas na noite e chegava em casa de manhã. Mas educou os três filhos sempre com muito amor. Mesmo cansado sempre estava disposto a conversar e dar carinho. Esse é o Araken Peixoto.

EM – E musicalmente, como ele te influenciou?
AP – Qualidade. Me ensinou aprender a ouvir Eliseth Cardoso, Ângela Maria, Clara Nunes, Gal Costa, Maria Bethânia essas grandes divas. O primeiro show da minha vida foi no antigo Palace. Gal Costa... chorei. Devia ter oito ou sete anos. Eu falava: “Quero ser ela”. Um vestido vermelho que eu nunca vou esquecer. É o show da minha vida.

EM – Qual foi o maior aprendizado que o Araken te deixou como músico.
AP – Meu pai era pistonista e ele sempre falava: “Filha, você é cantora, então vou te dar uma dica, pega o meu bocal do piston e fica soprando”. Eu tinha uns 16 anos e não sabia o objetivo daquilo, mas ele disse que era um bom exercício e eu fiz. Mais pra frente, quando sai da faculdade e fui para a noite cantar, percebi que algo era muito forte que era a extensão de voz. O que fez esse exercício, essa técnica de ar, que é do diafragma. Isso foi automático. Fiquei durante muito tempo, não treinava todo dia. Ficava no quarto, imitando músicas com o bocal. Isso vai ficar para sempre.

EM – E o titio Cauby?
AP – Ahh, titio Cauby é qualidade. Respeito também. Não que meu pai não tenha mostrado isso. Mas até hoje tio Cauby fala: “O público merece respeito. Então seja “a” artista, não seja mais uma, cantando e interpretando”. E isso é a minha lei. Respeito ao público.



EM – E qual foi a mulher que você se espelhou?
AP – Minha mãe. É a maior heroína da minha vida. Ela me fez ser mulher. Fui cantora da noite e ela me ensinou a ter respeito por mim. Ela dizia: “Olha, faça seu trabalho e volta pra casa. Descanse que manhã é outro dia”. Muita gente que canta na noite e continua. Bebe, fuma. O meu intuito na noite trabalhar.

EM – Quanto tempo você está na noite? Você ainda faz? O que a noite representa para você?
AP – Sim, estou com uma temporada no Bar Brahma, há um ano, todos os sábados. A noite para mim é uma faculdade. Você aprende muito. Olhar para o público com respeito e ele sabe. As pessoas vão para os bares para conversar e ouvir. Eles não olham, mas estão ouvindo.

EM – E esse primeiro CD, como surgiu?
AP – Cantava no Estação Brasil, em São Paulo. Teve um show com a participação de Cauby e tinha umas empresárias que pensaram: “Pô, porque essa pessoa não tem um CD?”. (risos). Pra mim, na vida tudo tem um momento. Nunca havia pensado em gravar um CD. Nas coxas, sabe? Não, tinha de ter esse momento. O tio Cauby estava na situação e eu disse a ele que teria a oportunidade de gravar um CD e ele virou e disse: “Vou gravar com você Altos e Baixos”. Mas foi assim. Estava um pouco nervosa por gravar um CD, mesmo independente. Senti que naquele momento era a hora. A primeira coisa que eu fiz quando cheguei em casa foi ouvir Altos e Baixos.

EM – Com a Elis?
AP – Sim, a única. Elis Regina. A única cantora que gravou. Eu fiquei assim na cadeira. Ele não tinha me dito que a Elis havia gravado. Só havia dito que era uma composição da Sueli Costa e do Aldir Blanc. Ela é minha diva. Aprendi a interpretar. Eu sei o que ela quer. É emocionar com a música. No dia gravei em dez minutos.

EM - No primeiro take?
AD – É, entrei no estúdio com tio Cauby, ele tirou a blusa ficou de camiseta, e disse: “Vai”. Eu entrei no aquário e em dez minutos ficou pronta.



EM – Vocês têm um bom relacionamento?
AP – Muito bom. Tio Cauby se tornou um paizão depois que meu pai faleceu. É que a vida é muito corrida. Eu trabalho muito e ele também. Vou muito ao Bar Brahma e à casa dele também, mas não diariamente. Como ele fala. “Vamos nos olhar”. (risos). E gente está sempre se olhando.

EM – O repertório do teu show é muito bom. Acredito que essa escolha faz você ganhar 50% do jogo. Como você faz essa escolha?
AP – Quando surgiu a oportunidade de gravar esse CD, entrei em contato com meu primo Dalmo e ele me disse: “Prima, seu CD já está pronto”. E começou a me mandar várias músicas em MP3. Músicas de Danilo Caymmi, Miltinho, Paulo César Pinheiro, Marcelo Guimarães. A Isolda é uma grande amiga, já havia me presenteado com a música Encontro. Uma música linda, de amor. A Sueli Costa que é uma pessoa muito especial, que fez essa poesia. Quando eu escutei Elizeth, ela me mandou um CD com ela mesma cantando e disse que era pra mim. Quando eu ouvi também achei. Liguei pra Sueli na hora e ela me contou como compôs essa canção. Ela me disse que tem um gato que fica na janela e que mora na lagoa e que a lua fica lá na janela. Muito bonito isso. Olha, foi tudo se encaixando, não foi nada marcado. O Miltinho, do MPB-4, fez uma música linda com o Paulo César Pinheiro que se chama Passagem da Ilusão e disse que era minha. Imagina a emoção. Meu intuito de trabalho é qualidade, é poesia. O público tem de entender essa poesia que é a verdadeira música brasileira. Tem duas músicas no show que foram sucessos na década de 30, que são Reza Por Nosso Amor e Pro Seu Governo. Que são de compositores que estouraram na época, Aroldo Lobo e Osvaldo Monteiro. Eles fizeram aquela música (e canta): “Tristezaaa, por favor vai emboraaaa. Essa alma que choraaaaa...”, lembra? Quem canta é o Jair Rodrigues. Novos poetas, antigos poetas. Antigos pelo tempo, mas que têm obras muito atuais.

EM – Gostaria que você falasse um pouco da Isolda, porque ela está um pouco afastada. Pra mim é uma das maiores compositoras do Brasil. Compôs Música e Letra, Um Jeito Estúpido de Te Amar, Pelo Avesso e Amigos, Amigos, todas em parceria com o irmão Milton Carlos, e tantas outras que não me lembro agora. Como é a Isolda? Ela é reclusa?
AP – A Isolda hoje é dona de uma editora. A filha dela é escritora de livros infantis e hoje ela está direcionada para isso. Fiquei super feliz quando ela me deu um CD com algumas músicas. E algumas músicas de Isolda é preocupante. Como de qualquer grande compositor, concorda?

EM – Sim. Mas me diz, ela tem um baú no fundo da garagem com várias composições inéditas? (risos).
AP – Não sei, mas ela me deu bastante. Eu Disse a ela, como eu fiz com Elizeth, da Sueli: “Isolda eu posso gravar essa e essa outra aqui eu gravo no próximo”. (risos). Ela disse para eu ficar à vontade. Esses compositores são pessoas que merecem todo o nosso respeito.

EM – Fala um pouco sobre essa banda que te acompanhou hoje.
AP – Eles são o presente e futuro da música. Hoje é a minha família. Temos um elo muito forte de criticam de carinho, estamos crescendo juntos.



EM – Quais as cantoras que você escuta hoje? Você tem o hábito de garimpar?
AP - Eu escuto tudo. Ontem, por acaso, estava escutando Alceu Valença que eu amo. Zé Ramalho. Ana Carolina, linda. Vanessa da Mata, espetacular. Maria Gadu, Bruna Caram, linda, grande compositora. Gosto muito do trabalho dela. Ana Cañas. São tantas que eu fico sem graça de falar, esquecer alguém.

EM – As estrangeiras você curte?
AP – Escuto mais MPB. Mas gosto de ouvir Nina Simone, Joss Stone. Há momentos que eu gosto de escutar, às vezes estou no computador e curto ouvir jazz. Mas não entendo muito o inglês.

EM – O Cauby canta música brasileira com conotação jazzística.
AP – No momento ele está gravando Cauby canta Sinatra. Está lindo. Não é por ser sobrinha, mas tá jogando uma bola viu. (risos).

EM – Esse foi o teu primeiro show em um teatro grande? Senti que você estava muito ansiosa e feliz.
AP – (risos) Fiz um grande show no teatro Rival Petrobás, que foi ótimo, mas eu nunca cantei no Sesc e esse teatro aqui de Santos é espetacular. Ele é enorme, mas às vezes o senti pequeno, acho que por causa da energia. Isso me deixou muito emocionada. O público fica muito perto apesar do tamanho.