terça-feira, 21 de setembro de 2010

Em disco de 1993 B.B. King promove encontro de cúpula do blues


Em 1993 B.B. King reuniu um time de bambas e gravou um dos melhores discos de blues da década, Blues Summit. O rei do blues convidou os maiores nomes da época para gravar o album em duas sessões, em Memphis no Tennesse, e Berkeley na California. O trabalho resgata temas dos anos 50 e 60, dias de chiltlin circuit, para mostrar às novas gerações como se faz. Comprei-o nas Lojas Americanas, nos bons tempos, quando B.B. King, Buddy Guy e John Lee Hooker voltaram ao topo de suas carreiras, as gravadoras lançavam discos de blues no Brasil e as lojas vendiam.
O CD conta com Robert Cray, Buddy Guy, Etta James, Joe Louis Walker e alguns que já não estão mais entre nós, entre eles, Katie Webster, John Lee Hooker, Koko Taylor, Lowell Fulson, Albert Collins e Ruth Brown. Além de nomes emergentes como Roy Rogers, Kim Wilson, Vasti Jackson e Lee Allen.
O que esse encontro de "sumidades" mostra é uma série de ritmos dentro do prórpio blues. Playin' With My Friends, um chicago blues, tocado e cantado em dueto com Robert Cray, abre o disco com alto astral. O refrão diz tudo: I had a good time palyin' whith my friends...".E é isso que eles fazem, participam dessa faixa o baixista Richard Cousins, o baterista Kevin Hayes e o tecladista Jim Pugh, ambos da banda de Cray.
A seguir Since a Meet You Baby mostra porque Katie Webster era considerada a rainha do "swamp boogie", cantando e tocando piano. A música começa com um papo entre ela e King permeada por um orgão Hammond e uma bateria marcando o ritmo até explodir com a voz de ambos. Maravilhoso.
Pit the Fool, com Buddy Guy, vem em seguida e traz a participação do grupo Memphis Horns fazendo um contraponto perfeito entre voz e solos de guitarra de ambos. A clássica You Shook Me, de Willie Dixon e J.B. Lenoir, vem em forma de um poderoso slow blues. Além de Cray, Pugh, Hayes e Cousins, essa faixa traz a participação de Roy Rogers na slide e de Kim Wilson, na gaita.
Something You Got Baby vem com o carisma e potente voz de Koko Taylor que, junto à de B.B. King, faz um dueto perfeito. O coro soul das backing vocals e o saxofone de Lee Allen garantem o tempero.
Something On Your Mind é uma lenta com Etta James lembrando sua fase 50's. A entrada de King dá o prenúncio do virá: quando o dueto se consolida você passa a agradecer por fazer parte do universo de ambos.
Little By Little, um balanço pra chacoalhar mesmo, junta B.B. King ao mestre Lowell Fulson na guitarra e voz e não abre muito espaço para firulas.
Call It Stormy Monday, um bluesão de mais de sete minutos, é mais uma clássica no CD. Essa do texano T Bone Walker, traz Albert Collins - outro texano - debulhando sua Fender Telecaster poucos meses antes de morrer, em novembro do mesmo ano. Uma pequena mostra do porque Albert Collins é chamado de "Master of  Telecaster".
Um clima de cabaré invade o ar quando a voz áspera de Ruth Brown canta os primeiros versos de You're The Boss, da dupla Jerry Lieber e Mike Stoller. We'Re Gonna Make It, sucesso dos anos 50 na voz de Little Milton traz mais uma voz feminina, Irma Thomas, encerrando esse verdadeiro who's who de mulheres no blues. Mais balanço à anos 50.
I' Gotta Move Out of This Neighborhood e Nobody Loves Me But My Mother traz todo o entrosamento e feeling da banda original de B.B. King. E ele faz o que a gente já conhece, bends, bends e mais bends maravilhosos escorado em uma parede de metais e uma bateria marca passo. Everybody's Had The Blues em parceria com Joe Louis Walker encerra o CD também em alto astral com ambos solando e cantando.

Playlist

1 - Playin' With My Friends - com Robert Cray
2 - Since I Meet You Baby - com Katie Webster
3 - I Pit The Fool - com Buddy Guy
4 - You Shook Me - com John Lee Hooker
5 - Something You Got Baby - com Koko Taylor
6 - There´s Something on Your Mind - com Etta James
7 - Little By Little - com Lowell Fulson
8 - Call It Stormy Monday - com Albert Collins
9 - You're The Boss - com Ruth Brown
10 - We're Gonna Make It - com Irma Thomas
11 - I Gotta Move Out of This Neighborhood e Nobody Loves Me But My Mother
12 - Everybody's Had The Blues - com Joe Louis Walker

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Tom Zé abre com show festival literário em Santos. A produção é do Mannish Blog


Na quarta-feira, dia 22 de setembro, o cantor e compositor Tom Zé vem a Santos para a 2ª edição da Tarrafa Literária, realizada pela Realejo Livros, sob a curadoria de José Luiz Tahan. A festa vai até o domingo, dia 26, sempre no Teatro Guarany, no Centro Histórico da cidade. A abertura do show ficará por conta da Banda Querô, do Instituto Arte no Dique.
O evento conta ainda com participações dos escritores Luiz Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura, Roberto Muylaert, Maria Valéria Rezende e dos músicos Zeca Baleiro e João Barone, além de outros escritores e jornalistas brasileiros. Entre os estrangeiros, marcam presença Jeremy Mercer (Canadá), Mark Crick (Inglaterra) e Célestin Monga (Camarões).
Como não podía ficar de fora dessa grande manifestação cultural, que já figura no calendário oficial da cidade, o Mannish Blog fará a produção do show de Tom Zé e das mesas de discussões.
A entrevista abaixo foi feita na casa do próprio artista quando fomos gravar os spots de rádio e TV para divulgar a Tarrafa. Tom Zé e Neusa, sua empresária, e nas horas vagas esposa, estavam relax. É ela quem controla o espaço e tempo em volta de Tom.
Eles moram em São Paulo, cidade que Tom adotou desde que saiu de Irará, na Bahia. Cidade que ele canta, encanta e se encanta.
Aqui, como de costume, solta o verbo e não foge de nenhuma pergunta. Quando não gosta de alguma coisa fala na hora, mas quando concorda sabe dar o braço a torcer. Essas qualidades, além das musicais, óbvio, fazem a gente ter orgulho desse artista que tem é a cara do Brasil. Literatura, funk carioca, aposentadoria, Caetano Veloso são alguns dos assuntos abordados. Leia.

Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: divulgação


Eugênio Martins Júnior - Como vai ser o show em Santos e qual a tua expectativa em abrir um festival literário?
Tom Zé – É bom e é curioso que eu esteja presente na abertura de um festival literário, por que livro foi uma coisa que salvou a minha vida. Na infância tinha muita dificuldade de me relacionar e na casa de meu avô montaram uma biblioteca, por que toda casa burguesa queira ter uma biblioteca boa para exibir. Por acaso era uma biblioteca fantástica, onde eu comecei a ler simplesmente Tomas Mann, Euclides da Cunha, Dante Alighieri, muita coisa excepcionalmente boa e acabou sendo o consolo da minha juventude que era meio dura de agüentar.

EM – É mesmo, por quê?
TZ – Dada a dificuldade em me colocar na sociedade, mesmo em Irará, uma cidade pequena, acanhamento, vergonha, timidez, e aí eu ia pra casa e lia toda noite e acabei tendo no livro uma base de formação e tal. Sem nenhuma pose de literato, nem nada.

EM – Pelo menos a timidez não existe mais.
TZ – Não agora, não sou mais, reconheço.

EM – O show em Santos será baseado no Pirulito da Ciência?
TZ – O fato de ter literatura... já lhe dei, por acaso, a letra de Língua Brasileira, uma canção feita com a garra mesmo de quem faz poesia da língua: “Babel da Língua em pleno cio/ Seduz à África, cede ao gentio/ Substantivos, verbos, alfaias de ouro/ Os seus olhares conquistam do mouro”. É aquela coisa bem fundada, na parte radical da formação da língua, quando Portugal e Espanha estavam se separando. “Quando me sorris/ Visigoda e celta/ Dama, culta e bela/ Língua de aviz// Fado de punhais/ Inês e desventuras/ Lá onde costuras/ Multidão de ais”. Coisas assim, que é interessante pra um festival de literatura. E várias outras coisas que vou procurar naquele roteiro no Pirulito da Ciência o que se refere à literatura, que sempre tem muita coisa e vou dar preferência pra isso. Lá tem 25 canções, não se faz um show tão grande. Então nas 12 e 14 que vou escolher pra contar, vou dar preferência pra coisas que tem a ver com literatura.

  Foto: Kleide Teixeira
EM – Geralmente quando o artista fala que vai fazer um apanhado ele está requentando coisas que já fez sucesso, que já tocou muito e isso não acrescenta nada na carreira dele. Penso que talvez seja uma entre safra criativa ou mesmo coisa pior, falta de criatividade mesmo.  No teu caso acho que não há esse problema, porque você nunca tocou em rádio, nunca fez parte da mídia massificada. Dá pra fazer.
TZ - Eu estava numa fase de muito trabalho, havia acabado de compor o Estudando a Bossa e agora está saindo nos Estados Unidos uma caixa de vinis com o Estudando o Samba, Estudando o Pagode e o Estudando a Bossa e eu queria muito que o produtor desse apanhado da carreira fosse o Charles Gavin. Eu disse: “Charles, pensei que você queria gravar o show da bossa nova que eu fiz uma coisa toda nova, um trabalho de palco imenso, praticamente uma coisa de teatro”. E ele disse que não, que era bom regravar essa coisa da retomada da carreira toda e eu acabei cedendo a ele e foi bom porque aconteceu o seguinte: eu não sabia que ia encontrar coisas tão ricas que estavam adormecidas lá no passado. Ele me ajudou a fazer esse apanhado, ele trabalhou na produção junto à gravadora, junto à televisão 66, a TV Brasil, não é? De filmes, que patrocinou e estão passando o filme toda hora. Quando chegar em Santos, milhões de pessoas já terão visto o Fabricando o Tom Zé. Além dele, o DVD Pirulito da Ciência tem passado muito no Canal Brasil.

EM – Também tem passado muito na Sesc TV o documentário sobre aquela Orquestra Mediterrânea que você participa. Tem uma parte que mostra você comprando aquele negócio que os camelôs usam na boca e infernizam quem passa: “Titia, papai tá aí. Titia, papai tá aí”. Você já usou aquilo em algum show?
TZ – É verdade. Já usei, sempre estou fazendo essas coisas. (risos).

EM – Você vai fazer 74 anos em outubro. Existe a palavra aposentadoria no teu dicionário?
TZ – Tem a palavra sim. No ano passado tive um problema nas costas que os médicos disseram que eu ia parar. Então eu pensei até a pedir ao Danilo do Sesc que gravasse as últimas coisas que eu tinha feito em palco pra eu não morrer sem aquilo gravado, de imagem. Porque som é uma coisa e palco é outra. Mas me tratei aqui em São Paulo, que tem o oriente, tem o Japão aqui, que trata coisas que ninguém cura. Então estou completamente curado do problema das costas que disseram que não tinha jeito. Uma japonesa em uma piscina de água quente me curou. Então estou novamente zero quilometro, novamente começando tudo.

 Foto: Marcelo Rossi

EM - Há alguma coisa que você ainda sonha em fazer na arte? Tom ainda faz planos para o futuro?
TZ – Eu só tenho sonhos, só estou vivo por causa dos sonhos. Coisas que estou sonhando em fazer. Cada disco meu é um suicídio. Não sou um compositor assentado e instituído. Não tenho nada a ver com essa plêiade de pessoas feitas e acabadas que vivem com a distinção da profissão, com um escudo da profissão. Sou um moleque que entrou nisso pela porta do fundo e continuo na porta do fundo fazendo o que não é possível fazer, fazendo sempre o que eu não sei. O último disco que fiz, a bossa nova, não sabia fazer. O penúltimo, o do pagode eu não sabia fazer, aprendi fazendo. O disco Danç-Êh-Sá, que é um disco sobre a dança, sem nenhuma palavra, pelo menos em português, nenhuma palavra em nenhuma língua, só com o tartamudez, não sabia fazer. Não sou um artista instituído, que todo mundo já conhece, tá pronto, não. Cada pessoa, no dia que me vê, vê outra pessoa completamente nova.  

EM – Você já foi o artista famoso mais desconhecido do Brasil. Quem ocupa esse posto hoje?
TZ – (pensativo) Ahh, não sei. Não uma pessoa especialista no que está acontecendo no momento. Não adianta tentar inventar.

EM – Quem te escuta hoje? Na homenagem no programa do Raul Gil, você estava lá, regendo São, São Paulo e as meninas do auditório com a maior cara de paisagem. A juventude não está mais desconectada com o passado hoje. Mais burra, mesmo?
TZ – É elas não conheciam, mesmo. Puxa vida, desculpa, fazer esse tipo de entrevista é a coisa mais difícil do mundo, porque eu tenho de explicar o que eu sou. Então vou tentar explicar. Eu não aconteço em rádio, não aconteço em televisão, sou uma merda, mas Deus deu uma coisa que estou muito satisfeito. Quando se vende o show meu em um lugar os ingressos acabam. Do que é que eu vou me queixar, não tenho nada pra me queixar. Estou plenamente feliz.

EM – Você assiste a propaganda eleitoral gratuita?
TZ – Acho que ninguém assiste. Não tenho hábito de ver televisão e não é porque sou melhor dos que os outros, é porque estou trabalhando e não tenho tempo. Trabalhando aqui em casa. Estou sempre compondo. Não sou gênio, tiro meia dúzia de compassos praticamente como quem carpe a pedra pra tirar do terreno seco alguma coisa que dê algum fruto. Então não faço música em uma hora qualquer e passo o dia vendo televisão. Eu trabalho dia e noite e trabalho muito contente. Trabalhar é uma coisa tão feliz. Uma coisa a propaganda eleitoral estragou, uma das coisas que eu adoro é ouvir rádio na hora do almoço, de noticiário esportivo. Meu dia é um pouco programado pra na hora do almoço eu ouvir o noticiário de futebol. Nas rádios de São Paulo. O que está acontecendo com o Santos, o Jabaquara, a Portuguesa Santista (ridos). 

EM – Ahh, você está brincando. Com a Portuguesa e com o Jabaquara já não acontece alguma coisa há muito tempo.
TZ – (risos). Pois é, veja como eu conheço coisas, só de brincadeira aqui falando. Então sou Corinthians profissionalmente, mas torço pra todos outros times de São Paulo quando joga com os times de fora. Então a torcida do Corinthians deve ficar decepcionada com esse torcedor. Mas esse mês, passei todo trabalhando, porque eu fui cair na patota que vai fazer um hino pro centenário do Corinthians e aí toda emissora de televisão e rádio gravou aqui em casa esse hino comigo cantando. Trabalhei em televisão feito uma estrela esse mês. Que mais você perguntou? Ah, sobre a coisa política. Eu ia votar na Marina, mas como a Marina é de uma religião que impede que os homossexuais se casem, que quer dizer que no mundo não há homossexual. Não posso votar numa criatura dessa. Então vou ter de votar no Plínio de Arruda Sampaio, que nós gostamos dele, que é uma pessoa ótima. Eu e a Neusa vamos votar no Plínio.

 Foto: Marcelo Rossi

EM – A gente sabe que é legitimo o Maguila, a Mulher Pêra, os KLBs, o Tiririca, os outros malucos imitando o Enéas e um monte de figuras estranhas se candidatando, pois estamos em uma democracia e todos têm direitos iguais. Mas, como eleitor, você não acha uma falta de respeito eles se apresentarem dessa forma para pedir voto? Ninguém discute propostas.

TZ – A comunicação de massa vive desse tipo de fenômeno, às vezes o escândalo, às vezes a pessoa bárbara, o cacareco, tem essa gíria de candidato cacareco, era um animal, acho que um burro, que foi um dos mais votados em uma eleição no Rio de Janeiro. Isso sempre aconteceu e a cultura de massa tem dessas coisas. As maiores cantoras do Brasil não são cantoras, são apresentadoras de televisão. Tem uma coisa também que é a cultura da banalidade, então tem várias coisas acontecendo. (N.R. Na verdade o rinoceronte Cacareco, do Zoológico de São Paulo, recebeu cerca de 100 mil votos para vereador na eleição de1958).

EM – Você é um dos poucos artistas no país que realmente fala o que pensa, na gíria, a gente pode dizer que você tem o “papo reto”. O Paulo Francis dizia que as pessoas adultas no Brasil não gostam de ser criticadas e por isso ele tinha tantos desafetos. De vez em quando você entra em polêmicas. Uma vez você declarou que o funk carioca veio para aposentar o papa Bento XVI, o Tom Zé, o Caetano Veloso e o Gil, e disse que o refrão “Tô ficando atoladinha” é genial. Na mesma entrevista você disse que recusou fazer o release do grupo É o Tcham, porque esse grupo esculhambava muito a mulher. Mas alguns funks também fazem isso. Não há aí uma contradição?
TZ – Sim, você tem razão. Realmente na época eu não sabia dessa coisa que quando a mulher vai numa festa funk tem de assinar um documento dizendo que ela dá permissão a fazer tudo o que quiserem fazer com ela na festa. E realmente isso é uma barbaridade, eu não sabia quando declarei isso. Agora a questão do refrão, Tô ficando atoladinha, o que eu falei é que ele é um “meta refrão, micro-tonal e pluri-semiótico”. Meta-refrão porque quando ele aparece em qualquer lugar que você canta, todas as pessoas reagem imediatamente com sorriso, ou com assombro. Então ele é um refrão que invoca de uma vez só todos os refrãos que já foram feitos. É micro-tonal porque duas pessoas que desrespeitaram a escala diatônica que o Papa Gregório I, no princípio do século IX, preferiu que a Igreja adotasse em vez do canto micro-tonal que os católicos daquele tempo, antes da religião católica se tornar oficial cantavam nas catacumbas, e fez aquele canto gregoriano que todo mundo conhece. (canta um pedaço em latim), essa música bem simples que depois se desenvolveu toda a música ocidental em cima dessa escala diatônica. E duas pessoas no fim do século passado, dez séculos depois, desobedeceram a escala diatônica. Um foi um nobre italiano que compõe música micro-tonal, o Giacinto Scelsi , e outro foi o MC Bolinha que fez o refrão Tô Ficando Atoladinha que, digamos, se sair de um dó, nunca chega a um ré. Ele vai empurrando a nota pra cima com quartos de tom, oitavos de tom. E é pluri-semiótica porque, por exemplo, quando ela fala que está ficando atoladinha, ninguém do público imagina a moça andando num lugar cheio de lama, ou com dificuldade de atravessar a rua ou coisa que o valha. Todo mundo sabe que se trata de um ato sexual. E que a moça é beneficiada por uma permissão que a Igreja Católica não dá a séculos e séculos pra mulher. Ela tem o direito de gozar que é uma coisa raríssima. A mulher que é submetida a tanta segregação, a tanta submissão, ela acaba achando que suas coisas naturais são doenças. É o caso de hoje parecer: “Tem uma mulher que goza ali. Vade retro Satanás. Leva pra igreja pra tirar esse demônio dela e tal”. Estou falando isso por quê a professora Carmita Abdo, diretora do Departamento de Sexologia da USP, fez um trabalho dentro do próprio campus da USP e 77 % das meninas não gozavam. É um problema sério o problema da mulher. E é um problema sério também pro homem que está com uma pessoa que está desconfiada dele o tempo todo. O homem paga a sua grossura e sua macheza com um preço muito caro. Eu tentei chamar a atenção dos homens para isso, no disco Estudando o Pagode. Que o pagode também trata mal a mulher, tanto quanto a sociedade trata.

EM – Isso também é ruim para o homem porque ele assina um atestado de incompetência.
TZ – É, acaba tendo uma pessoa que está com eterno pé atrás e como é que uma pessoa que está nessa condição pode se entregar se a própria expressão “abrir as pernas” significa ser covarde. E a mulher para se relacionar sexualmente teria de abrir as pernas.

 Foto: André Conti

EM – Tom Zé, eu tinha um chefe que era um cara muito incompetente e esse defeito atrapalhava o trabalho de todo mundo, a coisa foi crescendo e eu acabei mandando o cara tomar no cú. É lógico que isso teve conseqüência, fui mandado embora. Você também mandou o Caetano Veloso tomar no cú. Que conseqüência isso teve?
TZ – A conseqüência foi realmente muito pesada, porque foi uma bobagem, uma coisa de momento. Se eu virasse pra ele e mandasse tomar no cú, na frente dele, passava como coisa de moleque brigando, Mas como foi dito e aí virou uma ofensa nacional, acabei sendo ingrato com uma pessoa a qual devemos muitas coisas, eu e o Brasil. Caetano, no tempo da ditadura, quando era proibido pensar, conseguiu manter excitados os neurônios da juventude e logo depois o Brasil estava abraçando uma segunda Revolução Industrial e ele teve uma participação importante nisso. Tudo o que o Brasil é hoje, muita coisa se deve a Caetano. Ao que ele conseguiu fazer durante a ditadura. Então, é uma ingratidão fazer uma briga com ele, essa é a principal dor que a gente tem.

EM – Mas pareceu um momento de desabafo, uma coisa que estava reprimida.
TZ – Foi um rompante bobo.

EM – Concordo que ele é um dos grandes da música brasileira, mas a maioria das pessoas não opina sobre o que não sabe e o Caetano gosta de discorrer sobre tudo. Você não acha que ele fala muita besteira?
TZ – Caetano tem uma posição que muita gente... a pessoa famosa tem que agir assim e ele gosta disso e isso também não é nenhum defeito grave. Eu compreendo que muitas pessoas não gostem, mas prefiro não dar opinião sobre isso.

EM – Tom Zé, mata a minha curiosidade, de quem foi a idéia de fazer aquela capa de Todos os Olhos?
TZ – Foi do Décio Pignatari. Como eu estava muito perto deles naquela ocasião, o próprio Augusto de Campos, outro poeta, concreto, tinha recitado o poema Cidade City Cité numa outra canção do disco e o Décio estava perto. Ele tinha uma agência de publicidade e falou que ia fazer a capa, o que eu achei ótimo, e teve a idéia do cú e aí desenvolveu esse trabalho e tal.

(risos) EM – Foi uma modelo?
TZ – Dizem que foi uma moça, que ele falou na empresa, como é que a gente vai conseguir isso? Aí um rapaz disse que ia falar com a namorada pra ver se ela topava. Aí a menina topou e eles começaram a fazer ensaios fotográficos sob essa coisa do cú. É o caso de dizer que muitas coisas que são assim pornográficas, as pessoas ficam com vergonha. Mas nesse caso a moça podia se apresentar e dizer: “É o meu cú que está lá”, por que até os netos dela podiam se orgulhar, por que ela fez uma coisa patriótica que foi uma afronta à ditadura. Lembro que o disco ficou com a capa na Praça da República, uma loja por acaso botou sem saber o que era e todo mundo ia visitar o cú na Praça da República. No tempo que a ditadura prendeu uma banda jovem porque em cima do palco falou a palavra seio. Então era considerada uma afronta, um desabafo para as pessoas em geral, que viviam oprimidas.



EM – Você já conhecia ou gostava do Talking Heads antes de conhecer o David Byrne?
TZ – Bom, eu não sou ouvinte de música popular, as pessoas pensam às vezes que é esnobação, mas quando saiu no jornal que ele disse que viria ao Brasil para falar comigo. A Neusa leu na Folha de S. Paulo e imediatamente veio falar comigo. Então eu passei a conhecer, essa coisa de passar estudar é um hábito muito recorrente aqui em casa. Toda vez que tem um assunto que tem problema, a Neusa é uma pessoa muito bem informada, imediatamente ela me ajuda a estudar o assunto e tal. E ela já conhecia e falou: “Essas são pessoas sérias”. Porque eu achava que podia ser mentira. E ela disse que não, que eram pessoas sérias. 

EM – É uma viagem particular, na minha cabeça a tua música lembra muito e tem a ver com a música do Frank Zappa que, como você já disse sobre você mesmo, não era um artista que ficava achando que já estava acabado, no sentido de completo. É claro que ele sabia o que fazia, mas estava sempre se reinventando a cada disco. Você concorda?
TZ – Coincide com que os americanos falam. Eu não conheço Frank Zappa direito, é claro que ouvi um pouco. Não sei qual é a semelhança, mas os americanos falam a mesma coisa. O primeiro concerto que eu fiz nos Estados Unidos foi no Central Park e na crônica do New York Times disseram que eu era parecido. Posso até lhe dar isso pra você ver que tem razão. Falaram muita coisa sobre Frank Zappa, disseram que eu resolvia certos problemas da mesma maneira que ele resolvia e tal. Então, os Estados Unidos sempre acharam um paralelo, uma coisa para comparar, você tem razão. Eu não gosto nem desgosto, acho ótimo, porque ele é um músico fantasticamente respeitado.

EM – O Raul Seixas e o Zé Ramalho, que são artistas diferenciados, têm muitos seguidores e você? Tem muito maluco batendo em sua porta querendo ser seu seguidor?
TZ – Muita gente me procura normalmente, por que acha que tem uma amizade. Mas também há uma coisa que as pessoas não compreendem a senda do artista é uma coisa que não pode ter padrinho. É mesmo tocando com os amigos, participando de um festival do interior, tocando aqui, tocando acolá e vai aparecendo o feedback pra ele saber se tem capacidade para aquilo ou não. Eu sei que é difícil a pessoa ter feedback. Ter autocrítica. Então, az vezes as pessoas procuram, até parentes. Teve uma banda de, como é o nome daquela música das Antilhas? Do cara que morreu de câncer?   Que o Gilberto Gil canta.

EM – Reggae?
TZ – Sim, em Irará tinha uma banda de reggae que queria que eu ajudasse. Eu falei, mas como? Eu não sei o que é reggae, não sei tocar, não sei o que é isso. E aí tinha primo meu, tio, tia, em cima de mim pra eu ajudar essa banda de reggae de Irará. Uma vez me levaram pra Bahia, disseram que iam me pagar um cachê, achavam que eu indo pra lá iam encher a casa e que eles iam fazer sucesso. Não encheu a casa e ninguém fez sucesso. Eu tive de dispensar o cachê, fui prá lá de graça. Eu não tenho tempo pra estar viajando de graça. Depois eles resolveram fazer uma aventura no Rio de Janeiro e depois desistiram. Se eles tivessem me pedido um conselho, eu diria que em Irará tem uma coisa chamada Chegança, que é uma dança dramática na qual o elenco, é como estivesse em cima de um navio expulsando o árabe, expulsando o incréu. Então, aquilo é uma coisa que se eles quisessem fazer eu ajudaria, porque isso eu entendo e ajudaria a eles entender. Mas eles queriam reggae, puta que pariu o que é que posso fazer com reggae. (risos). 

EM – Você gosta de Bob Marley, conhece?
TZ – Claro que eu conheço. Eu acho muito boa essa música, a música que o Gil canta dele, que todo mundo canta. Agora dizer que sou entendido é mentira.

domingo, 5 de setembro de 2010

Lynwood Slim desce a lenha em Bush e Obama, mas também fala sobre música


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Ségio Cladera

Numa quinta-feira, 29 de julho de 2010, Lynwood Slim e a Igor Prado Band vieram a Santos para fazer o lançamento de um CD gravado poucos meses antes.
O show foi no Studio Rock Café, um bar novo sugerido pelo amigo e grande guitarrista Milton Medusa. O local caiu como uma luva. Os caras tocaram em uma espécie de aquário, na verdade, um estúdio que se incorpora ao bar e deixa os artistas muito próximos do público. (veja fotos abaixo). A abertura ficou por conta da banda de blues santista Garagem Blueseira.
Segundo Lynwood, ele nunca havia tocado num lugar assim. No começo estranhou um pouco, por quê quem está dentro do aquário não ouve a vibração da audiência. Há mesmo uma falta de feedback que precisa ser solucionada, mas no geral, foi tudo muito bom, tocaram umas duas horas. Quase todas as do novo disco: Bloodshot Eyes, Maybe Someday, I Sat and Cried e tal.
Já foi dito aqui que a Igor Prado Band é uma das bandas de blues que mais produzem no Brasil. E não é que os caras estão lançando mais um disco com inéditas. Watch Me Move! É um CD de covers dos anos 50 e 60, gravado no estúdio caseiro da rapaziada e que traz Stevie Wonder (Signed, Sealed, Delivered), Ray Charles (Mess Around), Eddie Floyd e Steve Crooper (Knock On Wood) e muito mais. Todas para dançar.
Muito bem humorado, Lynwood Slim concedeu uma entrevista exclusiva ao Mannish Blog minutos antes do show. Estava tudo correndo bem até o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, aparecer na televisão e mudar o rumo da conversa.
A produção do show foi do Mannish Blog e Agência Urbana, com apoios da Calango Music, Harmonica Master e Studio Rock Café. A entrevista contou com as participações de Igor Prado e Marcos Rodrigues.


Eugênio Martins Júnior - Essa pergunta eu faço a todos. Quando foi a primeira vez que você ouviu o blues?
Lynwood Slim – Não sei, deve ter sido quando tinha 10 ou 11 anos. Costumava ouvir Jimmy Reed, guitarrista e gaitista. Nos anos 60 ele estava no rádio o tempo todo em um programa chamado The Top 40, que tocava música popular contemporânea e Jimmy Reed era um dos chefões daquela época. Honest I Do, Take Out Some Insurance, Going To New York, amo todas essas músicas.

EM – Como você vê o blues hoje nos Estados Unidos e qual a importância dele para a cultura do país?
LS – Acho que atualmente está se tornando menos popular. Cada vez menos pessoas estão curtindo. Pra mim o blues tradicional e o blues de Chicago estão ficando igual o jazz dixieland, que é muito legal, mas está sendo tocado por poucas pessoas e apreciado pelo mesmo tanto. Blues não faz mais parte da corrente principal (mainstream), não existem mais “blues heroes”. B.B. King é último cara, digo, o último dos caras das antigas que estão por aí.

EM – O Rod Piazza me disse que o blues é a música do banco de trás, você concorda?
LS – Está correto. Os jovens de hoje não têm idéia do que é boa música. Eles curtem American Idol, Housemusic, música eletrônica de merda (electronic dance shit). As pessoas que gostam de blues têm a minha idade, que nasceram nos anos 40, porque na nossa juventude costumávamos escutar os caras e ver muita música ao vivo. Você pode ouvir e ver as pessoas de perto. Assisti os grandes do jazz quando era jovem, eles estavam por aí.


EM – Você trabalhou com os lendários Walter Horton e Leonard “Baby Doo” Caston, parceiro de Willie Dixon nos grupos Four Jumps of Jive e Big Three Trio, fale um pouco sobre isso.
LS – Sim, Walter era um dos grandes, muito cool. Tive muita sorte porque eu nunca havia falado com ele. Peguei-o no aeroporto e ele passou três ou quatro dias na minha casa e nós nem chegamos a conversar muito, eu estava com 27 ou 28 anos e ficava sentado ouvindo-o tocar a harmônica. Não podia acreditar. Baby Doo era um verdadeiro personagem, um cara muito legal, um cara enorme, as mãos eram gigantes, quando ele tocava piano seus joelhos encostavam nas teclas, era um piano enorme e ele podia movê-lo com as mãos. (risos). É sério. Fizemos muitos duetos juntos. Principalmente nos circuitos universitários, um monte de shows no meio-oeste, provavelmente em 1980, 81 talvez. Era um cara muito legal, assim como Walter. Nenhum dos dois era racista. Não eram como Junior Wells e Little Walter que não gostavam de brancos e ponto. Baby Doo e outros caras não tinham problemas com músicos brancos. Lazy Bill Lucas, um pianista da velha guarda era um deles, ele também não era racista.

EM – Você tocou e gravou com o Junior Watson e Kid Ramos e agora está tocando, gravando e em turnê com uma jovem e talentosa banda de blues brasileira que tem você como influência e até como uma espécie de professor, como vê isso?
LS – O Igor é um grande amigo e sua família também. E os caras da banda, somos muito chegados. Igor me ligou há alguns anos e me perguntou se estaria interessado em gravar alguma coisa com ele, eu tenho tido a sorte de viajar pelo mundo, mas admiro a música do Brasil e a música desses caras, então eu vim e gravamos juntos. Desde então tocamos em alguns lugares na Califórnia, nos Estados Unidos, vamos a Europa, em todo o Brasil. Estive tocando com esses músicos nos últimos três anos. É uma das bandas que eu mais gosto de ouvir.

EM – Fale um pouco sobre o Junior Watson e Kid Ramos.
LS – Junior tem a sua própria banda na Califórnia e viaja pela Europa com ela regularmente. Kid Ramos é um grande músico, tem um banda mexicana chamada Norteño. Ele toca uma espécie de música mexicana com um instrumento chamado “Bajo Sexto”, uma guitarra gigante. É um cara muito esperto, um dos meus melhores amigos, assim como Junior.


EM – Você conhece a cena blueseira brasileira?
LS – Conheci só os caras com quem estive envolvido no Rio e em São Paulo. Também conheci algumas pessoas em Blumenau. Conheci uma menina muito bonita que toca harmônica.

Igor Prado – Ele conheceu o pessoal do Headcutters e a Tiffany Harp.
LS – Sim, conheci a Tiffany e acho que ela toca melhor do muitos caras que eu conheço. Você a conhece? Cara ela toca muito. Quando começou a tocar eu ... (faz cara de surpreso e cai na gargalhada). Ela tem um bom timbre, um bom tempo. Amei tocar com ela.

EM – Você conhece os ritmos brasileiros como o samba, por exemplo?
LS – Oh shit, yes! Sim conheço o samba. As mulheres brasileiras vão me matar. As mulheres são muito bonitas por aqui. Já viajei pelo mundo inteiro e vi muitas mulheres bonitas na Noruega e Escandinávia, no Mediterrâneo, na Itália, Espanha, mas quando vim aqui achei as brasileiras muito bonitas. Aliás, não só as mulheres, mas todos me trataram muito bem aqui. Sempre muito amigáveis, sei que existem muita violência e crime, mas ninguém sequer foi mal educado comigo, muito diferente na Alemanha. (faz cara e pose de macho e cai na gargalhada).

EM – Qual o equipamento que você usa no palco? Estou vendo que não usa muitas harmônicas.
LS – As harmônicas são muito caras, eu uso harmônicas em apenas três tons, Lá, Dó e Si Bemol. Minha primeira harmônica, uma Hohnner, custou 90 cents, mais ou menos “um rial”. Minha primeira cromática, uma grande 64 (64 vozes), custou 20 dólares, “forty rials”. Agora você gasta duzentos dólares, ou four hundred rials, é muita grana e elas não duram tanto tempo. Costumo usar uma harmônica por 20, 25 horas, talvez, e tenho de arrumar outra.


Igor Prado – Você não costuma mandar as harmônicas para a revisão?
LS – Não, acho perda de tempo. Uso até acabar e jogo fora. Costumo guardá-las em um lugar próprio e limpá-las com álcool e dar pra molecada da vizinhança. (risos). Às vezes eu toco para as crianças em hospitais, crianças com câncer, fiz isso uma vez e agora acho que tenho de fazer sempre. Às vezes dou a eles minhas harmônicas e as enfermeiras ficam putas. (ele toca algumas notas desordenadas imitando as crianças e cai na gargalhada).

EM – O que um aprendiz de harmônica tem de fazer para adquirir um bom timbre? Praticar, praticar, praticar ou investir em um bom equipamento?
LS – Praticar. Qualquer instrumento musical você tem de adquirir intimidade, dar duro. Tem de ter a mesma abordagem de um piano. Ou seja, há diversas formas de tocar a harmônica, um instrumento versátil. Felizmente eu saquei isso quando era adolescente. Aprendi a tocar um furo de cada vez (pega uma gaita e demonstra). Tinha tempo, trabalhava no posto de gasolina do meu pai e o trabalho era devagar (risos). Mas tinha de trabalhar lá senão ele chutava meu traseiro. Não era nem pago. (risos). Foi lá que comecei a ouvir Little Walter e todos os fodões de Chicago. Um dia estava de graça e ouvi um deles cantando e pensei: “Uau, o que é isso?!”. Não conseguia o mesmo timbre. Comprei uma nova harmônica e abri o papel que vinha junto e era um diagrama que ensinava a tocar. Foi assim. Mostrava a técnica “tongue blocking”. “Bum, era isso que tinha de fazer”. Sabia que tinha de trabalhar nisso e continuo até hoje. (risos).

EM – Você usa a harmônica cromática para tocar blues, quando a maioria usa a diatônica. Gostaria que você pontuasse a diferença entre os dois estilos.
LS – Não há muita diferença pra mim. È a mesma técnica.

EM – Mas o gaitistas do Delta e de Chicago não usam cromática.
LS – O gaitistas de Chicago usam, mas os caras do Delta não, é muito complicado. Pra você tocar corretamente, você tem de ser um gênio, por que a harmônica em Dó é semelhante ao piano. Teórica e tecnicamente você pode tocar em qualquer tom, mas é não é tão fácil quanto parece e eu conheço apenas alguns poucos caras na história da harmônica que podem fazer isso e todos estão mortos. (risos).

EM – E o Toots (Thielemans)? Ele ainda está vivo.
LS – Sim, ele é um deles. Conheço alguns caras das antigas que tocam as Hohners com 20 furos em todos os tons. Então se a banda toca em Dó eles tocam em Si Bemol cromático e funciona. Se a banda toca em Ré, ele pode tocar em Dó cromático e funciona. Você não precisa ficar procurando, está tudo lá.

Igor Prado – Mas você pode tocar uma crossharp.
LS – Isso quer dizer que todos eles tocam em uma posição e há quatro posições na Marine Band (diatônica). Primeira, segunda, terceira e quarta que é especial. A única pessoa que eu ouvi tocar como ninguém foi Charlie Musselwhite. (risos).

EM – Assisti um show com o Charlie Musselwhite no Bourbon Street, a casa de shows que você tocou ontem. Há pouco tempo o Rod Piazza se apresentou lá também. Cara, eles arrasam, você os conhece?
LS – Rod é cara legal e também muito engraçado. Os dois são grandes amigos. Charlie é mais chegado, mas conheço ambos mais ou menos uns trinta anos. É muito tempo, estou com mais de sessenta. (risos).

EM – Você sempre está acompanhado por grandes guitarristas, entre eles, Junior Watson, Kid Ramos e agora o Igor, queria que falasse um pouco sobre isso.
LS – A verdade é que eles é que me encontram (risos). São as circunstâncias...


Nesse momento o Hugo Chavez aparece na televisão e o Lynwood faz uma cara de desdém e um som de galhofa e cai na gargalhada. “Ele tem de sair”, diz. Aí a conversa envereda pelo campo político.

EM – Eu sou socialista.
LS – (risos) Não, você não é!

EM – Sou.
LS – É verdade?! Por quê?

EM – Porque o Brasil é um país muito injusto.
LS – Mas o mundo é injusto.

EM – Concordo, mas em alguns países essa injustiça é muito menor, como na Europa, por exemplo.
LS – O socialismo na teoria é uma grande idéia. É uma idéia maravilhosa, mas não funciona.

EM – Assim como o capitalismo, ele também não funciona (gargalhadas geral).
LS – Pelo simples fato de que o ser humano sempre quer mais. Ele sempre quer mais e não está ligando pra porra nenhuma. Se você ver, Karl Marx e Josef Stalin tinham grandes casas em Moscou, eles viviam confortavelmente.

EM – Mas Karl Marx nunca viveu em Moscou. Na verdade é que o comunismo ou socialismo, o que seja, é um conceito de igualdade, diferente dessa forma de consumo exagerado. Não tem nada a ver com Hugo Chavez.
LS – Sim, é preciso, mas você não consegue por causa daquilo que eu disse: o ser humano precisa sempre de mais. Por outros lado, se eu vivesse em um país comunista não poderia fazer o que faço, teria de trabalhar para o Estado. Mas enfim, o que você acha que manda no mundo? Dinheiro, comida, sexo. Você pode ir a qualquer lugar do mundo e as necessidades são as mesmas.


EM – Ok, eu também acho que não existe sistema perfeito. Bom, vamos mudar de assunto... (gargalhadas geral). Vou fazer uma última pergunta sobre política, o que você acha de Barack Obama?
LS – Tive esperanças com ele no começo, mas ele acabou se tornando mais uma porra de um político de Washington. Muitas pessoas tiveram esperanças, mas ele acabou se tornando mais uma marionete dos grandes negócios e do capitalismo selvagem. (risos).

Eugênio Martins – Me parece que na época de Bill Clinton os americanos eram mais felizes.
LS – A vida na administração Bill Clinton era melhor. Existia mais emprego. George Bussh foi um idiota fodido. O problema é que esses caras prometem coisas que não podem entregar. Na Califórnia nós temos Arnold Schwarzenegger, “The Terminator” (risos), como o governador da Califórnia. Pessoalmente penso que ele está fazendo um bom trabalho, pelo menos ele tenta. Ele vive se confrontando com os políticos locais, mas com uma postura de enfrentamento no sentido de fazer o quem te fazer para salvar o estado. No meu país sempre que se corta verba é da cultura. No Brasil não é assim, a cultura está sempre na frente.

EM – Opa, não é bem assim.
LS – Pelo menos é o que parece. Eu costumo dar aulas de harmônica para algumas dezenas de jovens, mas já foram centenas! E o governo costumava pagar por isso. Para eu mostrar o que eu sei sobre esse tipo de música. Blues, jazz e artes indígenas norte-americanas, são as formas de artes mais autênticas da cultura americana. Filmes e esportes também têm muita força nos Estados Unidos.

EM – Sim, a primeira vez que ouvi o termo blues foi em um filme chamado A Rosa, que tinha a Bette Midler e o Kris Kristofferson como atores principais.
LS – Sim, supostamente sobre a vida de Janis Joplin. A maioria dos músicos que conheço, mesmo o roqueiros de outros países, tem influência do blues ou jazz. Assisti uma entrevista com Elton John, pra quem eu não ligo a mínima, Rocket Man e toda aquela merda não me dizem nada, dizendo que não lia música, o que me deixou muito surpreso. Ele disse que ouvia muito Gordon Jenkins e Nelson Riddle. Fiquei realmente surpreso. Ele realmente sabia quem eles eram, arranjadores de orquestra que tocavam swuing nos anos 40.

EM – Nelson Riddle, inclusive, foi responsável por uma grande fase de Frank Sinatra, após sua separação com a Ava Gardner.
LS – Sim, ele fez coisas lindas com Frank Sinatra, Nat Cole, June Christy, July London e eu posso continuar falando. (Lynwood vira para o Igor e diz, “Esse cara está abrindo minha memória perdida”).

Confira também outras duas entrevistas exclusivas de Igor Prado para o Mannish Blog:

http://mannishblog.blogspot.com/2009/11/entre-temas-e-timbres-classicos-igor.html
http://mannishblog.blogspot.com/2010/03/2010-vai-ser-um-ano-do-caralho-diz-igor.html