sábado, 27 de outubro de 2012

A tradição de Robert Johnson, Bukka White e Son House recebe "upgrade" com Roy Rogers


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Bandas de metal farofa aposentem o circo com pilhas de Marshalls e toneladas de equipamentos, porque o som de vocês não é páreo para o dos três coroas da banda do Roy Rogers, os Rhythm Kings. Eles é que sabem fazer barulho de verdade.
Sim, o som de Rogers ainda remete à slide que vem lá dos primórdios do blues. Robert Johnson e Bukka White ainda ecoam em sua música, mas o que se ouve é o upgrade. Feeling e técnica levados às últimas conseqüências.
Após cinco shows de Roy Rogers, esse guitarrista ainda me surpreende. Assisti o primeiro show acústico aqui em Santos, nos anos 90. Outros dois em 2007, no festival de Rio das Ostras. As apresentações no festival foram tão importantes para o evento que a direção resolveu chamá-lo de volta em 2012.
Decisão certa. Desta vez Rogers levantou dez mil pessoas que já o conheciam e estavam esperando por ele em baixo de chuva. Shows como aquele não se vê todos os dias.
Nascido em Redding, na Califórnia, Rogers pode ser considerado um dos mais importantes representantes da slide guitar da atualidade.
Em sua extensa carreira de músico e produtor, atuou com nomes tão importantes quanto diferentes da música norte americana. Entre eles, Linda Ronstadt, Sammy Hagar, Bonnie Raitt, Ramblin’ Jack Elliot, Elvin Bishop, Carlos Santana e Stevie Miller.
Acompanhou John Lee Hooker, tocando e produzindo os seus discos até poder gozar ele próprio o status de grande nome do blues. Com Steve Ehrmann e Billy Lee Lewis, completa os Rhythm Kings, power trio dedicado ao mais áspero e barulhento som do mundo.
Em 2011 gravou o CD Translucent Blues com o cãozinho dos teclados da Califórnia, Ray Manzarek. Uma mistura de blues, rock e música de puteiro.
Após tudo isso, uma coisa pode-se afirmar: Se há slide guitar nos anos dois mil, sem dúvida e com certeza, ela se chama Roy Rogers.



Eugênio Martins Júnior – Quando a slide entrou na sua vida?
Roy Rogers – Foi com as gravações de Robert Johnson. Eu devia ter 14 ou 15 anos, lá pelos idos de 54 ou 55, já tocava guitarra. Então meu irmão mais velho trouxe pra casa um disco do Robert Johnson, da Columbia Records, chamado King of the Delta Blues. Esse disco passou a fazer parte do meu dia a dia. “O que é isso que ele está fazendo?”, “Que som é esse?”. Eu já tinha uma banda nessa época, mas tocávamos rhythm and blues.

EM – Apesar de ser um trio, sua banda faz um som poderoso, uma mistura entre música country com o blues moderno por assim dizer, e a técnica lembra muito os pioneiros do Mississippi. Gostaria que falasse um pouco sobre isso.  
RR - Aprendi a tocar com a afinação aberta como Son House, Bukka White e Mississippi Fred McDowell, mas o Robert Johnson foi o primeiro.
Não, talvez a primeira vez que ouvi a técnica de slide foi uma lap steel em uma música de Chuck Berry, provavelmente em Maybellene ou Deep Fellin’. Mas eu não toco lap steel.
Minha música é baseada na tradição, mas não é tradicional. Não quero ser tradicional. Minha música é sobre quebrar a tradição, ampliar e desenvolver os limites. Minhas influências vêm de muitos lugares, escuto todo tipo de música, por isso que o nosso ritmo é forte. É uma síntese. Veja, eu gosto do blues tradicional, especialmente a técnica. Acho que o que venho fazendo através dos anos é o desenvolvimento de um estilo. Não que eu fique pensando nisso, simplesmente exploro coisas novas. Não me considero tradicional no sentido comum do termo. Quero soar forte, alto, com energia. Isso é importante.

EM – Um de meus primeiros discos de blues foi The Hot Spot, trilha sonora do filme homônimo com você e John Lee Hooker. Como era o homem John Lee Hooker?
RR – Era um homem maravilhoso. Era bondoso, gentil e um cavalheiro. Se preocupava com a família e com as pessoas e suas vidas. Podemos dizer que a música era a sua vida e ele era apaixonado por ela. Ele era da tradição musical do Delta do Mississippi e mudou-se para Detroit e apesar de fazer parte dessa tradição ele desenvolveu algo diferente. Ele mudou com a eletrificação Boogie Chillum foi gravada em 1948 e era uma canção maravilhosa. Definia o que ele era. Tinha um estilo único. Só há um John Lee Hooker. Como homem ele ajudava as pessoas e viveu a vida igual à sua música, de uma maneira muito profunda. Muito filosófica. Você não poderia viver mais profundamente do que aquilo. Seja o que for que você toque, jazz, blues, samba brasileiro, não há a possibilidade de ir mais fundo do que aquilo. É isso que temos de perseguir em qualquer gênero que tocamos. Aquela profundidade.


EM – Você falou da mudança de John Lee pra Detroit e a mudança na sua música. Acho que a agitação das cidades grandes, o barulho, tudo isso influenciou a música. Muddy Waters passou pelo mesmo processo. 
RR – A amplificação apareceu. A guitarra passou a ser plugada em grandes amplificadores. Apareceram novas tecnologias, Les Paul, e os amplificadores eram usados em laps steel e nas velhas National Steel, esse tipo de coisa. As harmônicas também foram amplificadas. Então a tecnologia mudou muito mais do que hoje. Os caras vinham do meio rural onde não havia a amplificação e começaram a mudança explorando todas essas tecnologias. Juntou-se a isso a vida industrial das cidades grandes. Essa mudança ocorreu no fim dos anos 40. Os caras eram uma banda individual, podiam tocar alto. Inventaram o rythmn blues, o rock and roll, o rockabilly. Esse foi o começo, quando os caras plugaram os instrumentos.

EM – Lugar certo, tempo certo?
RR – É disso que se trata. John era como alguns daqueles caras de Chicago, só que ele passou um bom tempo em Detroit. Mas ele foi um dos caras que definiu um estilo. Quando John contava as suas histórias, ninguém podia imitá-lo. Naquela época a concorrência sempre arrumava um jeito de imitar outro artista que fazia sucesso, mas ninguém podia imitar John Lee Hooker.

EM – Na verdade não dá pra definir o som da trilha sonora de The Hor Spot. Foi uma impressionante reunião com você, John Lee Hooker, Taj Mahal e Miles Davis. Vocês chegaram a gravar juntos no estúdio?
RR – E ainda havia o Earl Palmer na bateria, Tim Drummond no baixo. Todos nós gravamos no estúdio, mas no trompete de Miles Davis fizemos overdubs. Ele ouvia o que nós gravávamos e respondia em cima.



EM – Fale sobre a parceria com Ray Manzarek pra gravar Translucent Blues.
RR – Tocamos juntos há uns seis ou sete anos atrás em uma jam e eu disse para Ray que aquilo poderia se tornar um duo. E ele disse que estava soando realmente bem. Tocamos e nos tornamos bons amigos. Estava criado o duo (risos). Ele continua tocando as coisas do The Doors com Robbie Krieger, mas nosso lance era outra coisa. Foi divertido e não desenvolvemos isso como uma banda. É uma colaboração em dueto. Então aconteceu o Translucent Blues e nós estamos felizes com o resultado. Fizemos um som novo juntos. O cara é um ícone do rock. Procurei sintetizar uma coisa nova na slide e Ray também fez coisas diferentes. Ele fez o que nunca havia feito com Robbie Krieger e eu o que nunca havia feito com minha banda. A resposta das pessoas tem sido boa porque elas não sabem o que esperar. Foi uma colaboração interessante. Elas pensam: “O que esses caras estão fazendo juntos?” Mas a música funcionou e você tem de explorá-la. Quando não rola cada um toma seu caminho. Gosto de fazer novas parcerias porque conheço novos sons. Podemos desenvolver coisas novas. Sou mais blueseiro do que o Ray, mas isso não quer dizer que tenho de tocar blues o tempo inteiro. Você tem de ouvir. Vou te dar o CD. Acabamos de gravar outro álbum juntos. Não temos um nome ainda, mas nós mixamos antes de eu vir ao Brasil.

EM – Recentemente você perdeu o amigo e parceiro Norton Buffalo. Gostaria que também falasse sobre essa parceria. 
RR – Fiquei muito triste quando soube que ele morreu tão jovem. Tinha apenas cinqüenta e oito anos. Fizemos boa música juntos. Gravamos três discos. Nosso dueto foi único em alguns sentidos. Na minha opinião ele era um dos maiores gaitistas do mundo. Outra coisa era a nossa empatia musical. Creio que há certas pessoas que você conhece na vida que combinam com você. Tínhamos a mesma opinião sobre muitas coisas e a música era só uma delas. Éramos amigos, viajamos à China, e ao redor do mundo em muitos, muitos e muitos festivais. Podíamos improvisar juntos baseados na música tradicional, mas saíamos disso. Ele tocava uma grande harmonica cromática. Era um grande músico. Você precisava ver pra acreditar.

EM – Sua esposa tem uma ótima memória. Eu perguntei se ela se lembrava do show que você fez na minha cidade nos anos noventa e ela disse na hora que sim. Foi a primeira vez que eu ouvi uma slide ao vivo. Você se lembra daquele show?
RR – De Santos, claro. Òtimo hotel, perto da praia. Foi um show acústico, mas não me pergunte o que eu toquei. Foi há muito tempo (risos).

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Jam for a Dime recebe a cantora Deborah Tarquinio no Clube do Blues de Santos


Billie Holiday, Bessie Smith, Anitha O´Day, Ella Fitzgerald, Etta James, Ray Charles, Steve  Wonder e Dione Warwick são apenas algumas das influências de Deborah Tarquínio, cantora santista dotada de uma voz de belíssimo timbre. 
Beber em fonte tão limpa assegurou um crescimento saudável à jovem cantora, ajudando em sua educação em dois níveis: técnico e estético.
Entre o começo nos anos 80 e 2012, e aí vão mais de 25 anos, sua estrada inclui o Torto Bar, Bar da Praia, Bar do 3, Casa do Meno, Bourbon Street Music Club, Charlotte Amalie, Delta Blues e circuito Sesc.
A parceria com a banda oficial do Clube do Blues de Santos, a Jam For a Dime, rendeu frutos selecionados das melhores árvores. O repertório conta com My Babe (Little Walter), Stormy Weather (Etta James), Letter to My Girlfriend (Stevie Ray Girlfriend), Natural Woman e Chain of Fools (Aretha Franklin), Feels Like Rain (Buddy Guy), Georgia on My Mind (Ray Charles) e The Thrill is Gone (B.B. King). 

A banda Jam for a Dime é composta por Johnny Sapia (guitarras, e vocais), Filippe Dias (guitarras, violões e vocais), Gaylor Borges (contrabaixo e vocais) e Jefferson Rodrigues (bateria e percussão).
Além de interpretar os clássicos do gênero, a Jam for a Dime se dedica à composição de blues em português, revelando uma forma própria de escrever letras, semeando-as em um som orgânico, que flerta também com o Funk, o Soul e o Rock, seguindo os passos do saudoso Celso Blues Boy.
“No espetáculo instigamos o público a descobrir e conhecer o Blues em português, a essência, os valores e a riqueza cultural por trás de um gênero musical de tamanha influência na música popular mundial e que, aliado à riqueza da língua portuguesa, assume dimensões ainda mais surpreendentes, diz João, principal compositor da Jam for a Dime.
O Clube do Blues de Santos é um projeto idealizado por Eugênio Martins Júnior (Mannish Boy Produções Artísticas), realizado a cada quinze dias, sempre às quintas-feiras, no Studio Rock Café em Santos.
O objetivo é levar ao público o melhor que o Blues, gênero musical nascido no sul dos Estados Unidos há mais de um século, pode oferecer.

Serviço:
Clube do Blues: Jam for a Dime convida Deborah Tarquinio
Data: 25 de outubro
Horário: 22 horas (abertura da casa 20 horas)
Local: Studio Rock Café
Endereço: A. Marechal Deodoro, 110
Ingresso: R$ 15,00 (couvert)

Produção: Mannish Boy Produções e Studio Rock Café
Apoio: Agência Urbana e Moslaves Contabilidade

terça-feira, 16 de outubro de 2012

New York State of Blues tem em Michael Hill um de seus principais representantes


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Uma das minhas passagens mais engraçadas no mundo da música envolve o guitarrista de New York, Michael Hill.
Em 2007 ele fez parte do cast do Rio das Ostras Jazz e Blues e em uma de suas apresentações no palco principal, montado na praia de Costazul, os jornalistas que cobriam o evento estavam todos aglomerados nas laterais para ver o show que prometia ser um dos melhores do festival.
Malaco nesse tipo de cobertura, procurei ficar o mais perto do artista possível. E nessa noite Hill estava melhor do que nunca. Grande banda.
E eu ali do lado falando sobre isso com o Gustavo Victorino, colunista da revista Backstage e parceiro de cobertura. Como sou meio surdo de um ouvido, estava falando muito alto, mas sem perceber. Antes de começar a terceira música, Michael Hill olha na minha direção, caminha até onde eu estou e manda essa: ”Você está me atrapalhando, poderia falar mais baixo”.
Congela. Sacou a dimensão disso? O cara me mandando calar a boca na frente de dez mil pessoas? Claro, não deu pra todo mundo ouvir, ele não falou no microfone. Quem estava ali do lado até ficou na dúvida e veio depois me perguntar.
Não é preciso dizer que virei a piada daquela edição do festival entre a reportalhada com piadas do quilate: “Eae Eugênio, ontem o Michael não riu, hein?” – sacou o trocadilho infame?
Em 2012, no mesmo festival, em nosso segundo encontro, a péssima impressão entre ambos se dissipou numa jam session no corredor do hotel, onde participaram sua banda inteira, o gaitista Jefferson Gonçalves e a cantora Lica Cecato. Eu perguntei se ele lembrava dessa história e dessa vez o “Michael riu” e perguntou: “Foi você?” e caiu na gargalhada.
Mal entendido resolvido, a entrevista abaixo foi marcada para o dia seguinte do seu primeiro show, 07 de junho, décima edição do Rio das Ostras Jazz e Blues. Só publico agora por causa da velha desculpa, faltou tempo.
O cara é um dos principais nomes da cena blues da cidade berço do be bop. Sua guitarra vigorosa e a banda fizeram os seus shows um dos mais eletrizantes e concorridos do festival. O baterista Bill McClellan solta o braço com tanta vontade que chega a quebrar quatro pares de baquetas por show. É blues elétrico sem frescuras.
Tudo isso realça as suas letras de protesto contra a guerra, as injustiças sociais e a política de seu país. Um dos raros remanescentes dessa arte nesses dias de perda de valores.




Eugênio Martins Júnior – O blues era uma espécie de jornalismo do gueto negro. Nos anos 30 e 40 as músicas falavam sobre uma epidemia de tuberculose, sobre as enchentes do rio Mississippi e até sobre a Guerra do Vietnan nos anos 60. 
Michael Hill – Para mim o blues é uma contação de história. Fala sobre a vida das pessoas e o que acontece em volta delas. Um de seus propósitos é dar força às pessoas. Ou apenas diversão... e também ajuda a compreender as suas vidas. O que eu faço é honrar essa tradição. Chegamos a um ponto, em termos comerciais, de venda de discos, em que o foco está apenas na celebração. Tudo bem, há espaço para isso também. Mas para mim, qualquer arte, literatura, teatro, poesia, o que seja, fala sobre as coisas da vida. Isso inclui não apenas romance, mas também justiça, paz e é isso que é importante para a Michael Hill’s Blues Mob.

EM – Atualmente essa mensagem é passada pelos artistas do rap de uma forma mais contundente, você não acha?
MH – Pra mim é uma honra fazer uma música que faça as pessoas se sentirem bem. As pessoas querem viver as suas vidas e elas precisam da música todos os dias, todos os minutos, que ajuda atravessar as suas dificuldades. A música consegue fazer isso pelas pessoas. A música pode tocá-las no coração, na mente, na alma ou algum lugar mais profundo. Essa música veio da escravidão, na África e na América. É uma honra pra mim fazer isso,  contar histórias de pessoas que não tem voz.

EM – Você sabia que o Brasil foi um dos últimos países a acabar com o tráfico de escravos e com a escravidão?
MH – Sim, é impressionante. O Brasil e os Estados Unidos têm isso em comum. São lugares diferentes, com línguas diferentes, mas com algumas coisas em comum. Uma delas é a beleza de espírito das pessoas por causa da mistura de raças. E passando pelo mesmo problema as pessoas adquiriram diferentes níveis de consciência. Isso é uma das coisas mais bonitas entre os dois países.

EM – Essa mistura de raças foi muito importante para o desenvolvimento de ambas as culturas. 
MH – Absolutamente. As culturas não são as mesmas, mas complementam-se como dois lados da mesma moeda.


EM – Uma coisa que está acontecendo por aqui é a mistura dos tambores da música brasileira com a guitarra e os instrumentos do blues americano. 
MH – E todos nós temos histórias pra contar que podem não existir até que estejamos juntos. É impressionante. Acredito que em todas as áreas da vida nós podemos acentuar positividade ou acentuar a negatividade. Você pode viver de maneira negativa, mas quando você reconhece a beleza, você pode ver melhora as coisas, crescer.

EM – New York é conhecida como a Meca do Jazz. Um lugar mítico para os amantes do gênero. Como está a cena de blues atual? Você pode citar alguns nomes?
MH – Não temos muitos clubes como costumávamos ter quando assinei com a Alligator e comecei a tocar. Havia o B.L.U.E.S. e o Buck National Axe. Hoje os músicos tocam no B.B. King’s que recebe todos os tipos de música. Mas há um clube chamado Terra Blues, na Bleecker Street, onde comecei a tocar em 1990. Nunca pensei que ele ia durar muito, mas existe até hoje. É muito bacana e toca blues sete dias por semana. Eles começam às 19 horas com blues acústico e às 22h30 começa a T. Blues Band que recebe muitos músicos. Eu já toquei com eles algumas vezes. Eles têm baixista e baterista e sempre convidam dois frontmen, depois com bandas durante a noite. SaRon Crenshaw, Jr Mack, Slam Allen, Bill Sims, Bobby Bryan, todos esses grandes cantores e músicos tocam lá. Todas as noites em New York City você tem o Terra Blues e todos esses músicos. Fica no Grenwich Village, onde fica outro clube famoso chamado Bitter End. Curtis Mayfield já tocou lá. Isley Brothers, Bill Cosby, Bob Dylan também. O Terra Blues é vizinho, então há muita história lá.

EM – Você conheceu o Satan, da dupla Satan e Adam da cena de New York?
MH – Conheço o Adam, é um grande amigo. Ele mudou para o Mississippi. Grande cara, grande gaitista. Só vi o Satan tocando nas ruas e em clubes.    

EM – Havia um tempo em que o blues era música de protesto. Um bom exemplo disso foi J.B. Lenoir com as letras contra a guerra no Vietnam e a situação política dos Estados Unidos. E atualmente, ainda há músicas de protesto nos Estados Unidos?
MH – Bem, sempre haverá. Em todos os lugares onde vamos existem os lutadores pela liberdade, incluindo nos Estados Unidos. Mas também temos problemas ao redor do mundo e sempre haverá os artistas que serão contra a opressão e falarão em justiça e paz. É isso que eu faço no blues.


EM – Pergunto isso porque os Estados Unidos hoje sustentam guerras em três países, Líbia, Afeganistão e Iraque. O presidente Barack Obama diz que vai deixar esses países, mas nada acontece.
MH – É uma coisa interessante. O presidente dos Estados Unidos tem limitações porque tem de trabalhar dentro de um sistema. Eu estava dizendo ontem que “a melhor coisa que você pode fazer, é não fazer a pior coisa que você pode fazer” (risos). Barak Obama geralmente não faz a pior coisa. Diferente de George Bush que sempre optava pelo pior: mais guerra, mais repressão. Obama está se movendo na direção certa de acabar com isso. É claro que as pessoas querem que ele se mova mais rápido e seja mais forte. Mas é um grande alívio o fim dos oito anos de Bush.

EM – Você tem uma música chamada Black Gold que é uma maravilha e que fala contra a especulação do petróleo.
MH – Sim, a música fala sobre libertar as pessoas, nos Estados Unidos ou fora dele. Libertarem dos seus carros, do óleo, da ganância pelo dinheiro. E as pessoas que tem dinheiro cobram as que não têm e isso causa medo. A mensagem é bem clara. Essa música é do álbum Goddesses and Gold Redux, cujas músicas são dedicadas ao espírito da paz e justiça. É um relançamento de um CD de 2005 com três músicas novas. Uma delas é U.S. Blues Again e fala sobre a eleição de Barack Obama e sobre o racismo e a ignorância. Coloca o blues ao seu lado. Se você é pobre, se você é mulher lutando pela sua liberdade, se você é gay, se você é imigrante. O Blues está do seu lado.

EM – Essa semana Barack Obama foi muito corajoso ao se posicionar a favor da união de pessoas do mesmo sexo, você não acha? 
MH – Sim, significa que ele teve seu tempo para isso. Pra mim seria ótimo se ele tivesse dito quatro anos atrás. Mas ele é político. Eu fiquei feliz de ele ter dito isso agora. Porque ele está certo, tem de fazer isso mesmo. Al Sharpton é cristão, assim como Obama, e em um debate há oito anos perguntaram a todos os candidatos o que achavam sobre a união dos gays e sobre os seus direitos. Al Sharpton foi o único que disse que era a favor.




EM – Não é certo misturar religião com política.
MH – É loucura, uma diz pra você fazer isso e a outra diz que as pessoas têm de ser livres.

EM – Vocês estão às vésperas de uma eleição presidencial. O que você acha de Mitt Romney?
MH – Ele tinha uma companhia que comprava outras companhias para despedir as pessoas. Fazia Muito dinheiro com isso. Eu não odeio ninguém... mas as ações das pessoas falam mais do que as palavras. E sua história conta muito sobre ele. É uma pessoa que não tem interesse nas outras pessoas. Tudo gira em torno de dinheiro. Ele serve o dinheiro como se fosse o seu mestre. Ele vê o lucro acima das pessoas.  

EM – Voltando à música. Eu tenho uma teoria. A Soul Music veio do blues, mas com o passar dos anos, com artistas como Marvin Gaye, Curtis Mayfied e outros, a soul music acabou influenciando os artistas de blues. Você é um dos músicos que carregam essa influência. Gostaria que falasse sobre isso.
MH – Não há separação pra mim. soul, funk, jazz, R&B, rap vêm da mesma fonte, o blues e os spirituals. Porém, a música também vem do coração e da alma. Ela dá voz às pessoas mostrando o que acontece em suas vidas. E todas essas músicas não são diferentes nisso. Se você toca blues a sua alma estará nele. Se você toca rock é a mesma coisa. Você falou em Marvin Gaye e Curtis Mayfield, mas você pode escutar canções de protesto com Jefferson Airplane, The Doors, Country Joe e The Fish, Bob Dylan. Todos os que falam sobre justiça social. Pra mim há blues e soul em tudo isso.

EM – O Bruce Springsteen um dos artistas mais engajados dos Estados Unidos. O que você acha dele?
MH – Adoro o Bruce, acho um grande artista. Ele é um lutador pela liberdade e justiça. É um ótimo letrista, que conta histórias sintomáticas cheias de consciência.

EM – Você conhece os ritmos brasileiros?
MH – Conheço o samba e a bossa nova. Já vi alguns filmes com ritmos brasileiros em uma televisão pública nos Estados Unidos. Eram impressionante, com um monte de coisas. Há mais música aqui do que vocês podem ouvir (risos). Os músicos daqui são incríveis. Eu adoro Romero Lubambo. Ele é um ótimo guitarrista e uma ótima pessoa. Só de ficar perto de Romero você se sente bem com relação à música e à vida. É inspirador.

EM – Você sabia que o Romero mora perto de você, em New Jersey.
MH – Sim, é uma benção para New Jersey (risos).

sábado, 13 de outubro de 2012

Gilberto Mendes completa 90 anos


Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: internet


No dia que o maestro santista Gilberto Mendes completa 90 anos repletos de música, resgatei dos arquivos essa matéria feita por mim pra um jornal de Santos.
Nessa época, ainda acreditava no jornalismo cultural e, entre uma matéria medíocre aqui e um jabá ali, impostos pelo editor, conseguia emplacar uma pauta legal com o argumento de sempre: “Pô bicho, isso dá status ao jornal”. Ele geralmente caia. Essa matéria foi uma delas. 
Uma de algumas passagens minhas com o maestro, pessoa cordial e de mente aberta. Sempre disposto a alfinetar a politicagem que assolou a cultura santista por 16 anos e que, espero, termine esse ano. 
Gilberto Mendes foi o inventor do Festival Música Nova, há mais de 40 anos, que só deixou de acontecer por um par de anos na época da ditadura militar. E, ultimamente, fugiu de Santos por causa da tal politicagem. 
A matéria, na verdade uma forma de fazer alguma coisa diferente com o maestro que devia estar cansado de responder as mesmas perguntas dos repórteres, quando não piegas, pegajosos. Foi publicada em um domingo, 07 de agosto de 2005.
A dinâmica da brincadeira era a seguinte. Eu colocava o CD pra tocar e deixava alguns minutos. Então ele falava o que achava e só aí eu mostrava quem era. Daí ele emendava sua opinião.
Procurei ser o mais eclético possível levando alguns lançamentos da época, algumas coisas clássicas e, claro, coisas de meu gosto pessoal. Foi uma tarde agradável ouvindo música com essa lenda da música. Segue o material.




Domingo, 07 de agosto de 2005
O maestro Gilberto Mendes não precisa mais viver passando o chapéu entre o poder público e empresas privadas em busca de patrocínio para o Festival Música Nova.
Agora, ele passa os dias fazendo o que mais gosta: compomdo e indo ao cinema – a sua outra grande paixão.
Após quatro décadas lutando para viabilizar o evento de música erudita, muitas vezes tendo que sacar dinheiro do próprio bolso, ele vê o evento caminhar sozinho e ganhar o devido reconhecimento.
Satisfeito com os rumos do Música Nova, ele lembra que o festival atingiu plenamente seu objetivo.
Mendes relata que nunca teve a pretensão de ganhar dinheiro com o festival. “A finalidade sempre foi mostrar ao Brasil a nova música contemporânea e de vanguarda que estava sendo feita na Europa, formar e informar os músicos, e promover o intercâmbio entre eles”, explica.
Agora, atuando apenas como consultor artístico do festival, sobra tempo até para ouvir coisas que um repórter lhe traz, artistas e estilos pouco familiares para ele.
Após inicial reticência, Gilberto Mendes ouviu, acabou gostando da brincadeira (colocar uma música para tocar e revelar ao maestro qual era o artista) e manifestou a suas impressões.

Veja também http://mannishblog.blogspot.com.br/2009/10/publicada-mais-nova-composicao-de.html




Cabra cega com Gilberto Mendes

1 - Frank ZappaOutrage at Valdez/ The Girl in the Magnesium Dress, do CD Yellow Shark
GM – Não conheço, mas é interessante. Tem um clima Villa-Lobos, o jeito como ele mistura as coisas. Parece também a Nova Musica alemã. Ah é o Zappa! Ele assimilou bem essa linguagem. Eu freqüentei o mesmo curso que ele, com o Pierre Boulez.

2 - Billie HolidayGod Bless the Child, do CD The Best Of (da Columbia).
GM – Tá parecendo aquela cantora de jazz americana, a Billie Holiday. Eu gosto muito, ela é extraordinária. Aliás, a música americana do século 20 é muito rica. O jazz tem uma proximidade muito grande com a música clássica. É a grande música erudita dos americanos.

3 – João GilbertoPra que Discutir com Madame, do CD Live at Montreux Jazz Festival.
GM – É o João Gilberto? É coisa antiga dele? Está meio chato, já foi melhor. Ah, no festival de Montreux tudo é jazz. Qualquer dia o Chitãozinho Xororó também vão tocar lá...

4 – Paco de LuciaAdágio, do CD Concierto de Aranjuez.
GM – (Ele conhece na hora e solfeja o começo: Lá-ra-láaa). Conheci o compositor, Joaquim Rodrigo, em um festival em Madrid, onde estava sendo executada uma música minha. Ele já estava cego. Inclusive, esse Adágio foi executado em sua homenagem.

5 – Fernanda PortoDe Costas Pro Mundo, do CD Fernanda Porto.
GM – Não conheço esse pessoal novo da música popular. O ritmo é bom, me agrada. A voz dela também é bonita. É meio jazz com ritmo brasileiro. A bossa nova deu muito nome ao Brasil. Eu estive recentemente na Rússia e em São Petersburgo e um dos artistas mais tocados é o João Gilberto. Em Moscou toca-se muito o Tom Jobim, que por eles é colocado no mesmo nível de um Cole Porter ou George Gershwin.

6 – Buddy GuyHard Times Killing Flor, do CD Blues Singer.
GM – Isso é um blusão. Eu compus um blues erudito para um músico holandês que tocou em diversos países, na China, Japão e até em Kosovo. Eu gosto de blues, mas não sou maníaco.

7 – LenineTuaregue Nagô, do CD In Cité.
GM - (silêncio). Dessa batida eu gosto (ao saber que era o Lenine), Conheço de nome. Mas, como disse, eu não vou atrás de artistas novos.

8 – BeatlesIf I Need Someone, do CD Rubber Soul.
GM - Eu fui apresentado ao Beatles pelo meu filho de dez anos, que comprou na época o compacto de I Wanna Hold Your Hand. É uma das melhores épocas da música popular. As guitarras eram instrumentos de caminhoneiros americanos e os timbres que eles tiravam desses instrumentos horrorosos eram impressionantes. O Paul McCartney é responsável por todas aquelas harmonias.

9 – Chico BuarqueSinal Fechado, do CD Sinal Fechado.
GM – É o Chico Buarque. A despeito do antipático que ele é, é um grande compositor. Ele queria que a música brasileira voltasse às raízes e no começo da bossa nova ele era contra. Acabou se juntando ao pessoal e, por ironia, acabou virando o herdeiro da bossa nova.

10 – Van MorrisonThe Way Young Lovers Do, do CD Astral Weeks.
GM - Eu gusto de todos esse ritmos. Todos influências americanas.

11 – Paulinho da ViolaAlento, do CD Bebadosamba ao vivo.
GM – Esqueci o nome. É o Paulinho da Viola. Acho pobre melodicamente. Não tem uma marca. Essa gravação eu não conhecia, tem uma melodia mais rica, com piano, flauta.

12 – Wynton Marsalis East of the Sun, West of the Moon, do CD Standard Time Vol.2 Intimacy Calling.
GM – O pianista é bom. Parece o Oscar Peterson. O Wynton não aparece? Estou compondo uma música para trompete com o clima do Miles Davis, com aquela surdina Hammond que dava um tom sombrio.