terça-feira, 23 de setembro de 2014

A cultura para os candidatos à Presidência 2014

O Mannish Blog gera seu próprio conteúdo, mas por considerar a relevância dessa matéria para a cultura, reproduzo aqui na integra para que o maior número de pessoas tenha acesso às informações nela veiculadas.
A versão publicada no site do GLOBO traz mais perguntas que a veiculada no Segundo Caderno.  É essa que está publicada abaixo sob coordenação de Mariana Filgueiras

Lei do direito autoral, Lei Rouanet, vale-cultura, Lei das Biografias, decreto do Ibram, preço fixo do livro. Praticamente ausentes do debate que antecede as eleições, esses temas mobilizaram boa parte da sociedade nos últimos anos.
Para saber o que os presidenciáveis pensam e planejam para a área, O GLOBO pediu que representantes da classe artística formulassem perguntas aos três primeiros candidatos nas pesquisas de intenção de voto: Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB).
Dilma Roussef - (foto Divulgação)

RIO - Luiz Carlos Barreto, cineasta e produtor: A indústria do entretenimento movimentou R$ 1,7 trilhão em 2010, segundo a Pricewaterhouse. No seu programa de governo há algum plano estratégico para o setor? Ou vamos continuar a tratar a indústria cultural como uma atividade ornamental?
É necessário articular a economia da cultura e o financiamento. Destaco três caminhos: dar acesso aos recursos públicos a diferentes tipos de atividade e empreendimentos, operando com diversidade e simultaneidade de mecanismos; estruturar um Sistema Simplificado de Acompanhamento e Fiscalização das atividades culturais desenvolvidas com recursos públicos; e criar um Programa Continuado de Formação de Plateia para

Márcia Milhazes, coreógrafa: Que medidas concretas podem ser tomadas para que a cultura ganhe mais importância no governo?
A implantação do Sistema Nacional de Cultura, incorporando os entes federativos, estados, municípios e Distrito Federal a uma estrutura de alcance universal. Para sustentá-lo, é preciso elevar os valores do Fundo Nacional de Cultura para fazer dele um instrumento efetivo de financiamento da diversidade cultural. Ampliar e aprofundar o Programa Cultura Viva. E avançar em uma política para as artes, que permita atuar sobre a produção, distribuição e acesso, além de processos de formação artística e de ampliação de público.

Ivan Lins, músico: Os ex-ministros Gil e Juca Ferreira enviaram para a Casa Civil no fim de seus mandatos uma proposta de reforma do Direito Autoral depois de anos de consultas públicas. Há mais de 3 anos os criadores esperam para conhecer o resultado desse esforço. Que compromissos podemos esperar?
O MinC já enviou para a Casa Civil o projeto amplamente discutido nos últimos anos. O Brasil e o mundo hoje têm o desafio de compreender o equilíbrio entre o acesso às obras, inclusive via internet, e o justo direito de o autor receber por seu trabalho. É no equilíbrio que queremos estabelecer a nova política, compromisso que já efetivamos com o aprovação do Marco Civil da Internet.

Patricia Pillar, atriz: O tema reforma política me parece fundamental até para as questões da Cultura. Sem ela, não é possível construir um modelo de democracia que represente os interesses do povo brasileiro. Qual será seu compromisso em relação à reforma política?
É urgente e necessária uma ampla e profunda reforma política que supere as distorções do nosso sistema representativo. Para assegurá-la, é imprescindível a participação popular por meio de um plebiscito que deixe claro que o povo considera a reforma política uma questão prioritária e inadiável. Sem a participação popular não conseguiremos superar o impasse atual. O ideal é que a reforma seja feita por meio de uma Constituinte exclusiva.

Lira Neto, escritor: Qual é a sua posição em relação à polêmica das biografias não autorizadas? O Procure Saber defendeu, de público, a necessidade de autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros legais. Biógrafos, jornalistas e intelectuais protestaram, evocando o direito constitucional à liberdade de expressão.
Fico do lado da liberdade de expressão. Sempre. Do lado do Direito. Também sempre. Se alguém se sentir prejudicado, pode recorrer ao Poder Judiciário para dirimir a questão. São muitos os casos de biografias de interesse histórico e cultural que vão muito além das vidas privadas das pessoas biografadas. Ou seja, as obras compõem uma espécie de narrativa coletiva e social. Podem ser relevantes para a reflexão sociológica, antropológica, histórica e política da sociedade.

Adriana Varejão, artista plástica: Sobre o decreto do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) que permite declarar de interesse público obras de coleções públicas ou privadas, o(a) senhor(a) não acha que o governo deveria focar na manutenção do acervo público que já existe?
O governo tem investido na internacionalização da produção artística e cultural brasileira ao mesmo tempo em que fortalece uma política de preservação do patrimônio museológico. Ampliamos em mais de 400% os investimentos nesses últimos anos, inclusive com a criação do Ibram. A legislação não desapropria coleções privadas. Hoje, temos 41 pedidos de declaração de interesse público tramitando. Na sua maioria, são coleções históricas, científicas e de cultura popular, garantindo o direito à memória da população.

Carlo Carrenho, consultor editorial: O crescimento do comércio on-line tem sido cruel com as livrarias. Governos como o dos EUA valorizam o livre mercado e pouco fazem para proteger as livrarias. Mas a França exerce o preço fixo do livro e tem leis anti-Amazon. O seu governo tenderá para que postura?
Defendo a livraria como espaço de difusão cultural, mas propostas como a lei do preço fixo devem ser mais discutidas. Devemos buscar uma convivência equilibrada e saudável do setor, que contribua para o fortalecimento dos diferentes segmentos e democratize o acesso aos livros. E essa não é uma questão exclusiva do Estado. Responde também ao próprio mercado. Devemos buscar um meio-termo entre os modelos que você aponta e construir uma solução rapidamente, porque a questão exige agilidade.

Myrian Dauelsberg, produtora cultural: Como o seu plano de governo vê o vale-cultura?
O vale-cultura é um dos mais inovadores instrumentos de democratização e acesso ao consumo cultural, sendo estudado hoje por vários países como forma de inclusão social por meio da cultura. O vale-cultura está incluindo milhares de trabalhadores no universo dos livros, dos teatros, do cinema, dos museus. Está induzindo à democratização do acesso à cultura. O vale já aparece na pauta de reivindicação dos trabalhadores em seus dissídios, mostrando que é uma porta que se abre e deve ser alargada.

Domingos Oliveira, ator e diretor: Bom cinema e bom teatro são bisturi fino. Alcançam lugares aonde nada mais vai: a honestidade, a solidariedade, o patriotismo, a ética, o amor. São imprescindíveis na formação do homem. Para o(a) senhor(a), isso é importante ou um detalhe?
O bom cinema e o bom teatro são linguagens indispensáveis, que contribuem para a formação da nossa identidade cultural. Ao poder público cabe oferecer os meios e os instrumentos econômicos e administrativos, como estamos fazendo no nosso governo, para incorporar a dimensão simbólica ao projeto de desenvolvimento. Cultura não é detalhe, é essencial na sociedade, é o que nos dá dimensão, identidade, projeto. Nos últimos anos, o MinC adquiriu um novo perfil, com capacidade de incidir positivamente em todas as expressões culturais.

Adailton Medeiros, diretor do Ponto Cine: O Brasil tem cerca de 2.700 salas de exibição para mais de 200 milhões de habitantes. Ou seja: mil a menos do que havia no meado da década de 1970. Qual é a sua proposta para ampliar o número de salas de exibição, descentralizá-las e desonerar o setor?
A Ancine e o BNDES já realizam um programa exitoso nessa área, aumentando o número de salas de exibição no Brasil. No entanto, é necessário acelerar esse processo e diversificar os modelos de negócio de exibição, levando em conta as necessidades específicas dos pequenos exibidores. Será preciso criar novos parâmetros para captação de recursos para salas de cinema e implementar linhas de financiamento e investimento para grupos exibidores de pequeno e médio porte.

Lilian Barreto, produtora cultural: Quais são as suas prioridades para o Fundo Nacional de Cultura?
O Fundo Nacional de Cultura contemplará todas as áreas da cultura brasileira. A maior fatia de recursos (70%) deverá apoiar os projetos de cidades e estados por meio do Sistema Nacional de Cultura, que prevê repasses aos que têm conselhos, planos e fundos de cultura. E 30% para quem captar por meio do Procultura.

Leoni, músico: O Ministério da Cultura é o de menor dotação orçamentária do país. Qual é a sua posição em relação à PEC 150, que garante 2% do orçamento federal para cultura sem contingenciamento? Vai mobilizar a base governista para garantir sua aprovação rápida?
A PEC 150 está em debate no Congresso Nacional. Há todo empenho do meu governo em fazer crescer a fatia da cultura e me comprometo com um crescimento escalonado do seu orçamento. A política de financiamento da cultura no Brasil vem sofrendo, ao longo dos anos, distorções com o aumento da renúncia fiscal através da Lei Rouanet, em detrimento da ampliação do Fundo Nacional de Cultura.

Marcos Villaça, escritor e imortal da ABL: Qual é a sua ideia em relação à interação povo e cultura? Distingue cultura de massa e cultura popular?
A cultura de uma nação emana de seu povo. Mas é mediada por criadores populares e eruditos, individuais e coletivos. Eles têm sensibilidade e criatividade para expressar os sentimentos, modos de vida e visões de mundo da população, traduzindo-as nas mais diversas criações artísticas e culturais. A cultura popular é produzida pelo povo. Já a cultura de massas é produzida e mediada pela indústria cultural, dentro de padrões mercantis. São modalidades culturais distintas, ainda que se relacionem.

Jorge Mautner, músico e compositor: Hoje, se investe muito imposto via leis de renúncia para financiar musicais do exterior em superproduções de milhões. Por que não investir esse dinheiro nos talentos do país, que em cada estado guarda tesouros de exuberância poética e filosófica?
Está no Congresso Nacional o projeto de lei do Procultura, que justamente pretende estabelecer parâmetros mais justos de distribuição de recursos. Ele também fortalece o Fundo Nacional de Cultura, que faz política de estado para a cultura. Os editais para as minorias, a Região Amazônica e grupos que dificilmente obtêm patrocínios tentam preencher as lacunas.

Amir Haddad, diretor de teatro: Acredita que a Lei Rouanet contribuiu para uma mais justa distribuição de verbas públicas? Dinheiro público, manipulado por particulares, chega a todos igualmente e honestamente? Uma cidade é para quem vive nela ou para quem vive dela?
Mecenato é instrumento de fomento às artes desde a antiguidade, mas acreditamos que é preciso responsabilizar mais o setor privado pelo financiamento, lidando com a renúncia fiscal como um incentivo para o aporte de recursos próprios. A questão da distribuição dos recursos está sendo discutida atualmente no Congresso Nacional – e com apoio do governo – de modo a diminuir a concentração de recursos e democratizar o acesso. Nosso objetivo é fortalecer o Fundo Nacional da Cultura e queremos aumentar a capacidade pública de apoiar projetos e estruturar políticas destinadas ao cidadão.

Eduardo Barata, produtor cultural: Desde a sua criação, a Lei Rouanet nunca foi operacionalizada de uma forma eficiente pelo Ministério da Cultura, deixando o proponente sem informação e detalhamento dos projetos. O Procultura possui uma estrutura muito mais complicada e complexa, com várias comissões e departamentos. Se até hoje, em mais de 20 anos, a Rouanet não foi operacionalizada pelo governo da forma esperada, como os senhores pretendem implementar esta detalhada nova lei? Na opinião dos senhores de quem é a responsabilidade pela distorção da Rouanet: do governo, do proponente ou da iniciativa privada?
A Lei Rouanet foi criada com base em um tripé: mecenato, Fundo Nacional de Cultura e fundos de investimento. Ao longo dos anos houve uma excessiva ênfase no mecenato em detrimento dos demais mecanismos. Será necessário recuperar o equilíbrio no financiamento à cultura do país, sobretudo fortalecendo o Fundo Nacional de Cultura com mais recursos e com novos mecanismos de fomento. Entendo que devemos trabalhar por uma sistemática de financiamento que parta do apoio aos projetos para iniciantes e evolua até o apoio em fluxo contínuo e automático à organização de planos de negócios e à estruturação de empresas, coletivos e instituições. Qualquer implantação de um novo modelo deve garantir a estrutura adequada para que os processos tramitem de forma rápida e eficiente.


Marina Silva - (foto Ivo Gonzalez/Agência O Globo)

Luiz Carlos Barreto, cineasta e produtor: A indústria do entretenimento movimentou R$ 1,7 trilhão em 2010, segundo a Pricewaterhouse. No seu programa de governo há algum plano estratégico para o setor? Ou vamos continuar a tratar a indústria cultural como uma atividade ornamental?
Apesar da nossa riqueza cultural, o Brasil não figura na lista dos 20 maiores produtores de bens e serviços criativos no mundo, daí nosso programa contemplar a riqueza cultural como geradora de valor e competitividade globais focando em oito ações prioritárias, como a criação de um sistema de informações sobre economia criativa; a formação profissional; o apoio a empresas do setor; crédito para empreendedores criativos desprovidos de garantias ou avalistas, via Fundos de Aval, entre outros.

Márcia Milhazes, coreógrafa: Que medidas concretas podem ser tomadas para que a cultura ganhe mais importância no governo?
Aproximar cultura e educação, de modo que a formação e o desenvolvimento de grupos e atividades culturais sejam estratégicos na introdução do ensino integral; fortalecer programas voltados à cidadania cultural, identidades e diversidade, como o Cultura Viva e ações para mestres da cultura popular e griôs. E priorizar as artes, área em que houve menos avanço nas gestões do PT no MinC. É preciso fomentar a criação de cadeias criativas e preservar a memória e o patrimônio histórico e cultural.

Ivan Lins, músico: Os ex-ministros Gil e Juca Ferreira enviaram para a Casa Civil no fim de seus mandatos uma proposta de reforma do Direito Autoral depois de anos de consultas públicas. Há mais de 3 anos os criadores esperam para conhecer o resultado desse esforço. Que compromissos podemos esperar?
A reforma da lei está estacionada na Casa Civil há meses. É nosso compromisso enviá-la ao Congresso Nacional logo nos primeiros meses de 2015. O melhor seria conciliar a defesa dos interesses dos que criam com a facilidade de acesso pela sociedade. Não é razoável a “solução” que prega que os artistas precisarão se sustentar fazendo shows até o final de seus dias ou então vendendo camisetas. É necessário um equilíbrio entre os interesses de produtores de conteúdo, os provedores de aplicação da internet e a sociedade civil.

Patricia Pillar, atriz: O tema reforma política me parece fundamental até para as questões da Cultura. Sem ela, não é possível construir um modelo de democracia que represente os interesses do povo brasileiro. Qual será seu compromisso em relação à reforma política?
Sem dúvida, um dos grandes entraves que a gestão do MinC sofre no atual governo diz respeito exatamente ao (mau) hábito político de entregar “nacos” do Estado a interesses privados ou partidários, negociando o ministério por objetivos outros que não os da Cultura. Nosso compromisso será assegurar uma gestão competente e comprometida com a criatividade, a identidade e a diversidade do povo brasileiro.

Lira Neto, escritor: Qual é a sua posição em relação à polêmica das biografias não autorizadas? O Procure Saber defendeu, de público, a necessidade de autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros legais. Biógrafos, jornalistas e intelectuais protestaram, evocando o direito constitucional à liberdade de expressão.
Neste assunto há que buscar um equilíbrio de direitos. De um lado há o direito à privacidade e à honra das pessoas; de outro, há o direito à informação e à livre expressão. Com equilíbrio, a chamada Lei das Biografias, já aprovada no plenário da Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, poderá assegurar um justo marco regulatório para o tema.

Adriana Varejão, artista plástica: Sobre o decreto do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) que permite declarar de interesse público obras de coleções públicas ou privadas, o(a) senhor(a) não acha que o governo deveria focar na manutenção do acervo público que já existe?
Você tem razão. Tratamos do tema na página 123 do nosso programa: “O país tem perdido seu patrimônio artístico sem avaliar os danos que isto produz e sem ter a chance de estimular, antes da evasão, a aquisição de peças para coleções públicas ou privadas. Não se trata de penalizar ou engessar os negócios de colecionadores privados, como pretendeu o Ibram; trata-se, antes, de agir em sinergia, para que existam as condições adequadas de manter nosso patrimônio artístico próximo dos brasileiros”.

Carlo Carrenho, consultor editorial: O crescimento do comércio on-line tem sido cruel com as livrarias. Governos como o dos EUA valorizam o livre mercado e pouco fazem para proteger as livrarias. Mas a França exerce o preço fixo do livro e tem leis anti-Amazon. O seu governo tenderá para que postura?
Para uma postura com a seguinte estratégia: a) Aprimorar políticas para a produção e circulação do livro e oferecer bolsas de criação literária; b) Reduzir o custo dos livros; c) Fomentar a prática leitora, fortalecendo o Proler e o Plano Nacional do Livro e Leitura; d) Apoiar as bibliotecas públicas; e) Fortalecer o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Vamos retomar a discussão sobre o preço único do livro e o incentivo às pequenas e médias livrarias, que podem ser impulsionadas a partir do uso do vale-cultura.

Myrian Dauelsberg, produtora cultural: Como o seu plano de governo vê o vale-cultura?
A lei do Vale-Cultura é uma importante conquista para garantir a cultura na cesta básica. Porém, apesar da lei aprovada, seu alcance ainda é pequeno. Como principal medida, buscaremos assegurar que todos os trabalhadores da iniciativa privada, com renda até cinco salários mínimos, bem como os professores da rede pública, tenham acesso ao vale-cultura. Outra medida será o fomento a ações pulverizadas e comunitárias de oferta de produtos culturais.

Domingos Oliveira, ator e diretor: Bom cinema e bom teatro são bisturi fino. Alcançam lugares aonde nada mais vai: a honestidade, a solidariedade, o patriotismo, a ética, o amor. São imprescindíveis na formação do homem. Para o(a) senhor(a), isso é importante ou um detalhe?
Isso é a alma de um povo. Exatamente por isso, a cultura faz parte de um dos seis eixos estratégicos de nosso programa de governo (eixo 3: Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação), pois entendemos que somente com a educação aliada à cultura e à inovação é que conseguiremos mudar o Brasil em sua plenitude.

Adailton Medeiros, diretor do Ponto Cine: O Brasil tem cerca de 2.700 salas de exibição para mais de 200 milhões de habitantes. Ou seja: mil a menos do que havia no meado da década de 1970. Qual é a sua proposta para ampliar o número de salas de exibição, descentralizá-las e desonerar o setor?
Experiências como o Ponto Cine (cinema comercial com salas de baixo custo, instaladas em bairros populares e com ingressos a preços acessíveis) deverão ser incentivadas via financiamento pelo BNDES ou arranjos criativos nos municípios (recuperação de salas de cinema fechadas, desoneração fiscal etc.) e garantia de ampliação de público com iniciativas como A Escola Vai ao Cinema, estímulo ao uso do vale-cultura para aquisição subsidiada de ingressos e programa de incentivo ao cineclubismo.

Lilian Barreto, produtora cultural: Quais são as suas prioridades para o Fundo Nacional de Cultura?
A parte da produção artística e da cultura que não encontra espaço no mercado. Ou seja: a formação cultural continuada; a experimentação, pesquisa e inovação estética; a cidadania cultural, a identidade e a diversidade; conservação e preservação do patrimônio cultural; manutenção de corpos artísticos estáveis (desde teatro de grupo até orquestras).

Leoni, músico: O Ministério da Cultura é o de menor dotação orçamentária do país. Qual é a sua posição em relação à PEC 150, que garante 2% do orçamento federal para cultura sem contingenciamento? Vai mobilizar a base governista para garantir sua aprovação rápida?
A PEC 150 é estratégica para a efetivação do Sistema Nacional de Cultura e encontra-se pronta para votação na Câmara dos Deputados. No entanto, sua votação tem sido constantemente adiada há quase dez anos. Nosso compromisso será ampliar o orçamento da cultura desde o começo do governo e avaliar as ações da área da cultura para incrementar e ajustar os recursos.

Marcos Villaça, escritor e imortal da ABL: Qual é a sua ideia em relação à interação povo e cultura? Distingue cultura de massa e cultura popular?
Nosso lema para o novo Ministério da Cultura a partir de 2015: “a massa ainda comerá do fino biscoito que fabrico” (Oswald de Andrade). Cultura é tudo. Cultura interage, promove trocas, sínteses. Cultura é identidade, mais alteridade, gerando solidariedade. Cultura é tradição e invenção ao mesmo tempo; é erudita e popular; é de massa e singular. Cultura é de todos e para todos.

Jorge Mautner, músico e compositor: Hoje, se investe muito imposto via leis de renúncia para financiar musicais do exterior em superproduções de milhões. Por que não investir esse dinheiro nos talentos do país, que em cada estado guarda tesouros de exuberância poética e filosófica?
Estamos em acordo Jorge Mautner. Nosso programa de governo (pg. 129) prevê “combinar diferentes mecanismos de financiamento, evitando que as leis de incentivo fiscal sejam a maior fonte de recursos do setor”. Assim fortaleceremos o Fundo Nacional de Cultura para que, em um primeiro momento, tenha, no mínimo, os mesmos recursos que os destinados à renúncia fiscal. Com isso, programas praticamente abandonados pelo atual governo, como o CULTURA VIVA e os Pontos de Cultura poderão ser retomados e fortalecidos, bem como o conjunto da criatividade de nosso povo, que será tratada como bem estratégico para o fortalecimento de nossa identidade e diversidade, o que vai muito além de uma simples redução à condição de mercadoria.

Amir Haddad, diretor de teatro: Acredita que a Lei Rouanet contribuiu para uma mais justa distribuição de verbas públicas? Dinheiro público, manipulado por particulares, chega a todos igualmente e honestamente? Uma cidade é para quem vive nela ou para quem vive dela?
A chamada Lei Rouanet é analisada em nosso programa (pg. 129): “No que concerne ao financiamento, temos de considerar ainda que o universo da cultura é heterogêneo, composto por alguns setores lucrativos e outros necessariamente deficitários; alguns agentes aptos a competir no mercado e outros sem chances de inserção comercial. Há que combinar diferentes mecanismos de financiamento, evitando que as leis de incentivo fiscal sejam a maior fonte de recursos no setor.”

Eduardo Barata, produtor cultural: Desde a sua criação, a Lei Rouanet nunca foi operacionalizada de uma forma eficiente pelo Ministério da Cultura, deixando o proponente sem informação e detalhamento dos projetos. O Procultura possui uma estrutura muito mais complicada e complexa, com várias comissões e departamentos. Se até hoje, em mais de 20 anos, a Rouanet não foi operacionalizada pelo governo da forma esperada, como os senhores pretendem implementar esta detalhada nova lei? Na opinião dos senhores de quem é a responsabilidade pela distorção da Rouanet: do governo, do proponente ou da iniciativa privada?
De fato, a lei Rouanet, passados mais de 20 anos de sua aprovação, tem sérios problemas de operacionalização, tanto na fase de aprovação dos projetos, quanto na da prestação de contas. Há um conjunto de responsabilidades, seja do governo ou proponentes e iniciativa privada. Se, de um lado, o ProCultura poderá resolver várias distorções na lei, por outro, poderá agravar problemas operacionais, burocratizando o processo. Nossa intenção é analisar a lei em seu atual estágio (ainda sem aprovação no congresso) de modo a dar agilidade em sua implementação, como por exemplo: a partir do Sistema Nacional de Cultura, permitir que estados e municípios que também contam com leis de incentivo, possam analisar e aprovar projetos (com abrangência local e até determinado valor) à Lei Rouanet.


 Aécio Neves (foto João Cotta)

Luiz Carlos Barreto, cineasta e produtor: A indústria do entretenimento movimentou R$ 1,7 trilhão em 2010, segundo a Pricewaterhouse. No seu programa de governo há algum plano estratégico para o setor? Ou vamos continuar a tratar a indústria cultural como uma atividade ornamental?
Meu governo vai apresentar um novo conceito de cultura na política pública brasileira, com prioridade para uma visão integrada da ação cultural, abrangendo todas as instâncias governamentais. Por isso, vamos estimular toda a produção cultural nacional, em todos os seus segmentos. As nossas políticas públicas vão ser focadas na formação, manutenção e difusão da tão rica cultura brasileira.

Márcia Milhazes, coreógrafa: Que medidas concretas podem ser tomadas para que a cultura ganhe mais importância no governo?
Vamos valorizar a produção cultural nacional, ampliando as diversas formas de produção artística do país, garantindo não só o acesso de cada vez mais pessoas como também valorizando a remuneração dos artistas para que a cultura brasileira, tão rica, consiga ecoar por todos os cantos do país. A cultura deve permear todas as ações e políticas públicas do governo. Trata-se de uma indústria que movimenta 5 milhões de trabalhadores.

Ivan Lins, músico: Os ex-ministros Gil e Juca Ferreira enviaram para a Casa Civil no fim de seus mandatos uma proposta de reforma do Direito Autoral depois de anos de consultas públicas. Há mais de 3 anos os criadores esperam para conhecer o resultado desse esforço. Que compromissos podemos esperar?
A Lei de Direitos Autorais será aprimorada para garantir que a produção de conhecimento não só se dissemine pelo Brasil como também promova uma melhor remuneração aos autores.

Patricia Pillar, atriz: O tema reforma política me parece fundamental até para as questões da Cultura. Sem ela, não é possível construir um modelo de democracia que represente os interesses do povo brasileiro. Qual será seu compromisso em relação à reforma política?
A reforma política será uma das prioridades do nosso governo, até porque ela é a mãe de todas as reformas. Defendo três pontos. O retorno da cláusula de desempenho para os partidos, que reduziria o atual quadro de 22 partidos funcionando no Congresso para sete ou oito legendas. O voto distrital misto com lista partidária, onde metade do parlamento é eleita por distritos, criando uma relação direta do representado com o representante. E o fim da reeleição, com mandato de cinco anos. Quatro anos para trabalho e um ano para eleição.

Lira Neto, escritor: Qual é a sua posição em relação à polêmica das biografias não autorizadas? O Procure Saber defendeu, de público, a necessidade de autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros legais. Biógrafos, jornalistas e intelectuais protestaram, evocando o direito constitucional à liberdade de expressão.
A legislação não pode se impor diante do interesse histórico despertado pelas biografias de personalidades públicas. É preciso deixar muito claro que não devem haver hipóteses ou brechas na lei que permitam que qualquer pessoa vete a publicação desse tipo de obra.

Adriana Varejão, artista plástica: Sobre o decreto do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) que permite declarar de interesse público obras de coleções públicas ou privadas, o(a) senhor(a) não acha que o governo deveria focar na manutenção do acervo público que já existe?
No meu governo as políticas públicas para o setor serão fortalecidas e discutidas com mais profundidade, diferentemente da maneira como foram geridas nos anos do governo da presidente Dilma, período em que as decisões foram monocráticas e sem debate relevante com a sociedade.

Carlo Carrenho, consultor editorial: O crescimento do comércio on-line tem sido cruel com as livrarias. Governos como o dos EUA valorizam o livre mercado e pouco fazem para proteger as livrarias. Mas a França exerce o preço fixo do livro e tem leis anti-Amazon. O seu governo tenderá para que postura?
Será iniciado um debate para aperfeiçoar a Lei do Livro de modo a atualizar seu conteúdo. A utilização do livro como fonte primordial de conhecimento será ampliada. E o meu governo vai lidar com questões importantes como as novas plataformas digitais, que não devem ser equiparadas ao livro. Também vou institucionalizar o Plano Nacional do Livro e Leitura para priorizar o livro como objetivo de desenvolvimento da sociedade.

Myrian Dauelsberg, produtora cultural: Como o seu plano de governo vê o vale-cultura?
O sistema do vale-cultura passará por melhorias. O governo Aécio criará uma ferramenta que funcione de forma efetiva para estimular o acesso cultural de forma a atrair cada vez mais público às artes brasileiras.

Domingos Oliveira, ator e diretor: Bom cinema e bom teatro são bisturi fino. Alcançam lugares aonde nada mais vai: a honestidade, a solidariedade, o patriotismo, a ética, o amor. São imprescindíveis na formação do homem. Para o(a) senhor(a), isso é importante ou um detalhe?
Isso é importantíssimo. Por isso, no governo Aécio Neves será criado um programa de circulação de espetáculos de teatro, dança, música e circo por todo o país. O objetivo é estimular a montagem de produções nacionais em diversos pontos do país de maneira ágil e efetiva para levar cultura para o maior número de municípios brasileiros.

Adailton Medeiros, diretor do Ponto Cine: O Brasil tem cerca de 2.700 salas de exibição para mais de 200 milhões de habitantes. Ou seja: mil a menos do que havia no meado da década de 1970. Qual é a sua proposta para ampliar o número de salas de exibição, descentralizá-las e desonerar o setor?
Para ampliar o número de salas de exibição no Brasil é preciso aumentar a produção nacional. Por isso a proposta é incrementar e simplificar a utilização do Fundo Setorial do Audiovisual. O governo Aécio vai levar realmente os recursos aos produtores de cinema de forma mais rápida e mais simples. Com isso, será estimulada a produção e a distribuição do conteúdo brasileiro. Isso vai gerar uma oferta cada vez maior de filmes, levando a uma necessidade de mais salas de cinema.

Lilian Barreto, produtora cultural: Quais são as suas prioridades para o Fundo Nacional de Cultura?
É preciso ampliar a valorização da cultura regional. O governo Aécio Neves não só vai estimular a produção regional, como elevará os recursos disponíveis ao setor, por meio de parcerias público-privadas e outras formas. As políticas culturais no governo federal terão prioridade e protagonismo.

Leoni, músico: O Ministério da Cultura é o de menor dotação orçamentária do país. Qual é a sua posição em relação à PEC 150, que garante 2% do orçamento federal para cultura sem contingenciamento? Vai mobilizar a base governista para garantir sua aprovação rápida?
O Ministério da Cultura no governo Dilma Rousseff foi jogado para escanteio e perdeu seu protagonismo, deixando de lado políticas culturais que realmente valorizem o patrimônio cultural nacional. O governo Aécio vai fazer uma revolução cultural, criando fontes complementares de financiamento através de parcerias público-privadas. Vamos incrementar e tornar mais eficiente a aplicação dos recursos públicos para que se possam alcançar conquistas mais significativas e concretas na cultura brasileira.

Marcos Villaça, escritor e imortal da ABL: Qual é a sua ideia em relação à interação povo e cultura? Distingue cultura de massa e cultura popular?
É preciso estimular ainda mais a produção cultural brasileira para ela representar a beleza do patrimônio cultural do nosso país. A população não pode ser apenas consumidora de cultura. Ela precisa ter acesso, absorver o que for produzido no país, mas precisa também se sentir representada. E essa interação só atingirá seu potencial quando a cultura for de fato reconhecida e valorizada como ela deve ser: uma das maiores, mais bonitas e ricas manifestações culturais do mundo.

Jorge Mautner, músico e compositor: Hoje, se investe muito imposto via leis de renúncia para financiar musicais do exterior em superproduções de milhões. Por que não investir esse dinheiro nos talentos do país, que em cada estado guarda tesouros de exuberância poética e filosófica?
É preciso aprimorar as fontes de financiamento. Para ampliar os recursos, o governo Aécio Neves vai estimular a realização de parcerias público-privadas para amplificar e valorizar a cultura regional, no plano interno e fortalecendo e estimulando o protagonismo do Brasil, divulgando nossa cultura em suas diversas formas, como produto simbólico caracterizador de nossa singularidade. Isso representará o novo formato que adotaremos, seguindo os conceitos do policentrismo.

Amir Haddad, diretor de teatro: Acredita que a Lei Rouanet contribuiu para uma mais justa distribuição de verbas públicas? Dinheiro público, manipulado por particulares, chega a todos igualmente e honestamente? Uma cidade é para quem vive nela ou para quem vive dela?
É muito importante que a Lei Rouanet seja aprimorada e desburocratizada para que possa chegar a pequenos e médios produtores de conteúdo nacional. Os recursos não podem apenas ser gastos na gestão da cultura. O dinheiro também tem que chegar à produção cultural.

Eduardo Barata, produtor cultural: Desde a sua criação, a Lei Rouanet nunca foi operacionalizada de uma forma eficiente pelo Ministério da Cultura, deixando o proponente sem informação e detalhamento dos projetos. O Procultura possui uma estrutura muito mais complicada e complexa, com várias comissões e departamentos. Se até hoje, em mais de 20 anos, a Rouanet não foi operacionalizada pelo governo da forma esperada, como os senhores pretendem implementar esta detalhada nova lei? Na opinião dos senhores de quem é a responsabilidade pela distorção da Rouanet: do governo, do proponente ou da iniciativa privada?
Não adianta apontar culpados pelos problemas enfrentados pela Lei Rouanet. O importante é ter um diagnóstico preciso de suas fragilidades para ela poder ser aperfeiçoada. E esse é o compromisso do governo Aécio Neves: melhorar e aperfeiçoar a legislação para impedir os desvios de finalidade que ocorreram ao longo dos anos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Ficha técnica - Cristian Rigon - Down on the Highway


Essa seção surgiu da vontade em divulgar os lançamentos e prestigiar os artistas de blues e jazz brasileiros e estrangeiros que trabalham duro para gravar seu CD, bem como todos os envolvidos.
Nunca antes na história desse país a cena independente foi tão forte. A popularização dos meios de gravação e o advento da internet proporcionaram isso.
Surfando nessa onda, o Mannish Blog continua com sua missão de divulgar o blues no Brasil.

Músicos: Cristian Rigon (guitarra), Décio Caetano (guitarra), Alexandre Bergman Rodrigues e Camila Dengo (voz), Léozão Reis (bateria), Alexandre França e Marcos Petta (baixo), Toyo Bagoso (harmônica).

Técnico de áudio: Marcos Zambon
Edição e mixagem: Marcos Zambon
Masterização: Marcos Zambon
Produção e arranjo vocal: Camila Dengo
Produção geral: Cristian Rigon
Produção cultural: Cristian Rigon
Design gráfico: Jamwork Estúdio Estratégico
Fotografia: Taty Sperry

Gravado no estúdio DuZamba Records: outubro de 2012 a julho de 2013. Edição e mixagem de julho a agosto de 2013.

Músicas:
1 – Jack’s Boogie
2 – Hey Joe
3 – Waiting for the Wind to Change
4 – Down on the Highway
5 – Get on the Road
6 – This is Chicago
7 – Caddilac Shuffle
8 – Texas Bar

Temas 2, 3, 4, 5, 6 e 8 (letra Alexandre Bergman, música Cristian Rigon)
Temas 1 e 7 música de Cristian Rigon

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A música de Larry McCray carrega soul, feeling e jazz na medida certa. É bom ver e ouvir um músico de blues no auge


Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Cezar Fernandes

Nascido no Arkansas, sul dos Estados Unidos, região banhada pela música que os negros chamam de blues, o guitarrista e cantor Larry McCray veio de uma família humilde, cuja música que fazia era a única diversão.
A maior influência veio da irmã, Clara, uma exímia guitarrista autodidata. Se hoje é considerado um dos grandes guitarristas de blues da atualidade, McCray afirma que todo esse reconhecimento nada mais é do que a extensão do talento dela.
Ele esteve recentemente no Brasil para uma série de shows. Dois no maior festival de jazz e blues do Brasil, o Rio das Ostras Jazz e Blues para cerca de dez mil pessoas. O outro em uma atmosfera totalmente diferente, no bar do Sesc Santos, com pouco mais de quatrocentas pessoas.
Em ambos, sua Gibson Les Paul fez soar os grandes temas que estamos acostumados a ouvir e pensar: “Na próxima encarnação quero nascer Larry McCray”. São eles, That’s How Strong, Soushine, Blues is My Business, Best in Town, Run, Buck Naked, Don’t Need No Woman, Real Mother for You e Delta Hurricane, que lhe rendeu o apelido.
Em suas passagens anteriores pelo Brasil, Larry apresentou-se no Sesc Vila Mariana e na Virada Cultural de São Paulo. Nas duas teve como banda suporte a Irmandade do Blues. Dessa vez veio com a sua própria banda dos Estados Unidos: Steve McCray (bateria), Kerry Clark (baixo) e Stephen “Sweet Dick” Boone (teclados).
Sua mistura de blues e soul atingiu a perfeição no mais recente trabalho, o CD chamado simplesmente Larry McCray. Aos 54 anos, Larry está empolgado para lançar seu próximo trabalho, um álbum recheado de covers de clássicos do rock and roll dos anos 70, todos com pegada blues.
Larry McCray é um cara humilde, está sempre de bom humor e aberto a uma boa conversa, diferente de seu irmão Steve, um cara de poucas palavras. Essa entrevista foi concedida no seu último dia no Brasil. No caminho do Aeroporto, dentro da van e no meio do trânsito de São Paulo.
Não teria sido possível sem as participações dos produtores Juan, Walter, Sílvio, Manfra e Stênio. Obrigado a todos. Blues is our business and business is good.


Eugênio Martins Júnior – Quando foi a primeira vez que ouviu o blues?
Larry McCray -
Talvez desde o meu nascimento. Cresci em uma cidade pequena do Arkansas, nos Estados Unidos, e minha família não tinha dinheiro. Éramos muito pobres. Todos nós tínhamos de trabalhar e lutar pelas coisas básicas. Mas a música era a maior alegria naquela situação. Era o que a minha família fazia para passar o tempo. Tocávamos para distrair nós mesmos. Foi assim que comecei. Aos seis anos me apaixonei pela guitarra vendo a minha irmã tocar.

EM – Seu aprendizado foi em casa?
LM –
Sim, meu pai e minha irmã tocavam para entreter a família. Meu pai tocava harmônica, era comediante e um bom dançarino. Ela tocava guitarra. Então hoje quando toco meu blues mais profundo, tento refletir sobre esses dias e o que aprendi com minha irmã Clara. Ela foi a primeira a tocar o meu coração com a música. Tinha uma técnica própria, porque quando começou a tocar era muito pequena para segurar uma guitarra, então ela aprendeu a tocar com a mão na parte da frente do braço. Quando cresceu continuou tocando do mesmo jeito. Ela foi a primeira pessoa naquele tempo que ouvi tocar as harmonias nas cordas mi e sol. Costumava dizer que ela tocava música em espanhol (risos). Clara tinha muitas técnicas diferentes e tocava sozinha, se acompanhava tocando os baixos e os solos. Era muito boa, mas nunca teve oportunidade de tocar para muitas pessoas.

EM – Podemos dizer que o seu talento é continuação do dela?
LM –
Penso que as minhas oportunidades me foram dadas por causa dela. Ela não passou pouco tempo por aqui, morreu nova. A primeira vez que toquei numa guitarra foi quando fui com ela para o Arkansas em férias. Em casa eu não podia tocá-la porque era a única coisa proibida. Então criei respeito pelo instrumento e ela percebeu isso e começou a me ensinar.   


EM – E seu irmão Steve, vocês sempre tocaram juntos?
LM –
Sim, comecei aos 12 anos. Steve é meu irmão mais novo e começou cinco anos depois de mim. Tínhamos outro irmão que começou a aprender baixo um ano depois de mim e como precisávamos de um baterista Steve preencheu a vaga. Isso foi nos anos 70, comecei em 1972. 

EM – Essa é a primeira vez que você vem ao Brasil com a banda completa dos Estados Unidos, mas já esteve algumas vezes aqui, sempre tocando com músicos brasileiros. Como vê esse intercâmbio?
LM -
Pra mim é muito importante estar na América do Sul. O Brasil tem um sabor diferente. É uma nova inspiração com sua música e seu povo. É o que tenho procurado toda a minha vida. Sempre fiz jazz e outras músicas e estar com os músicos brasileiros aumentam a meu conhecimento. Vocês têm muito ritmos que não temos nos Estados Unidos e todas as vezes que estive aqui compartilhei desse conhecimento.

EM – Você conhece a cena blueseira brasileira? Soa estranho pra você os brasileiros tocando blues?
LM –
Bem, o blues é o mesmo em todos os lugares. O que diferencia são as formas de abordagem. Mesmo nos Estados Unidos e suas diferentes regiões. Os caras de Memphis não tocam igual aos de Detroit. Os caras do Texas não tocam igual aos da costa oeste. As diferenças nos estilos mostram as influências de cada um. O som da costa oeste é mais dançante. O Texas é mais forte, mais cheio de shuffles, por exemplo, Stevie Ray Vaughan. O Shuffle de Chicago é diferente do Texas. Os músicos de New Orleans tocam uma coisa muito diferente de todos. Talvez seja em todos os Estados Unidos o lugar mais parecido com o Brasil. Lá há pessoas do Haiti, Caribe, do sul do país, uma mistura de pessoas de todos os lugares. Uma cultura única.


EM – Uma panela de pressão cultural.
LM –
Exatamente. E acho que é assim no Brasil. É o que faz a música ser tão especial aqui. O jazz influenciou o samba e nasceu a bossa nova. Na América nós amamos a bossa nova. Gostaria de estudar mais sobre isso, mas nunca tive essa oportunidade. O que aprendi com os músicos brasileiros me custaria muito dinheiro na minha terra (risos).

EM – Você faz uma mistura de blues e soul e o teu jeito de tocar guitarra é às vezes forte e às vezes suave e limpo. Como você construiu esse estilo?
LM –
Tentando me tornar versátil. Música é igual a comida, todos têm suas preferências, mas não quer dizer que você vai comer a mesma coisa todos os dias. Pra mim é assim, fui influenciado pelo R&B, pela soul music. Amo Gladys Knight, Marvin Gaye, James Brown...

EM – E guitarrista?
LM –
Um dos meus favoritos é o Larry Carlton. Porque ele tem influência de outras culturas em sua música. E ele sabe o que fazer com o jazz. Sempre que posso saio um pouco do blues. Essa é a minha filosofia. Gosto de tocar um lick de blues, mas incorporar outras influências. Dou uma voltinha lá fora, mas sempre volto pra casa. As pessoas procuram coisas novas e gosto de dar a elas outras coisas além dos 32 compassos. Elas entendem e dizem ok. Acho que esse é o meio de a música se manter viva e crescendo. Alguns antes de mim sacaram isso, Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Junior Wells, Buddy Guy, BB King, Albert King. Todos os grandes tiveram ideias novas.



EM – Gostaria que falasse sobre a banda que está te acompanhando.
LM –
Bem, eu e Steve temos uma telepatia natural para a música. Ele é meu irmão. Posso olhar pra ele e saber que caminho está tomando. E ao contrario também, a única coisa que eu tenho de fazer é olhar e ele já sabe o que eu quero. Kerry tem o mesmo background que nós e quando juntou-se à banda, Steve e eu demos a ele uma perspectiva que nunca havia tido. Ele é muito forte em R&B, Soul e Gospel. E isso é muito bom pra mim, porque talvez não seja tão forte em algumas dessas áreas. Aprendo muito com ele. Já com Stephen Boone tocamos apenas há dois anos, mas o conheço desde criança. Ele tem a idade dos meus filhos. Sua abordagem musical é mais jazz e fusion. Eu e meu irmão temos mais influência do blues e da soul music. Nós temos o nosso próprio melting pot.

EM – Você pode falar sobre a sua amizade com outro grande guitarrista da sua geração, Michael Burks, morto recentemente?
LM -
Nos conhecemos em Memphis 1992. Michael Burks é um dos caras que venceram o concurso Albert King. Ouvia as pessoas falarem Michael Burks, Michael Burks, Michael Burks... você precisa ouvir esse cara. Um dia ele me viu na rua e perguntou se eu era irmão de Clara Mae. A resposta que me veio era: “Quem é esse cara que conhece minha irmã?” (risos). Ele disse que o pai dele, Fred Burks, tocava baixo na banda dela com E.D. Mullins nos teclados e Bob Joe Hendricks na bateria. Oito meses depois o encontrei de novo e ele me chamou de primo, porque viveu na mesma cidade da minha família, Camden, no Arkansas. Cheguei em casa e perguntei pro meu irmão mais velho se ele era o meu primo e ele me disse: “Cara, se você tiver algum problema com alguém, deixa ele ser o teu primo” (risos). Quando novo, Michael era um garoto gordo, mas quando cresceu se tornou um cara forte e poderoso. Era um cara muito gente fina quando gostava da pessoa, mas não fazia questão de agradar quem não gostava. Então era melhor tê-lo como primo (risos). Talvez a árvore de nossas famílias tenham se cruzado em algum momento, não sei. O irmão dele, Fred Junior, que também toca baixo ainda me chama de primo. Gostamos de falar um pouco sobre o Michael só pra lembrá-lo.

EM – Você está gravando um CD novo, o Gibson Sessions, gostaria que falasse sobre isso.
LM –
Bem, o novo CD é um álbum de covers. Não há músicas originais. São clássicos de rock os quais as pessoas estão familiarizados. O conceito foi o de fazer um trabalho popular, mas mudando os arranjos e os tons. As músicas serão conhecidas pelas letras e algumas melodias. Mas já voua avisando, estão bem diferentes. 


EM – Você pode dizer quais músicas estarão nesse CD?
LM –
Can’t You See, Marshall Tucker; Stealin’, Uriah Heep; Waitin’ For the Bus, ZZ Top; I’m No Angel, Allman Brothers); Them Changes, Buddy Miles); Needle and Spoon, Lynyrd Skynyrd; Unchained my Heart, Ray Charles; Wild Horses, Rolling Stones; Love the One You With do Crosby Stills and Nash, mas em blues shuffle. As pessoas poderão curtir todos esses clássicos de uma forma diferente e espero que gostem da nova roupagem.

EM – Você acaba de participar do maior festival de blues e jazz do país, o que achou?
LM –
Foi grande e muito bom estar lá e ouvir toda aquela diversidade. Tive a chance de ver Marcus Miller, um dos meus heróis. Foi especial por ver a magnitude dos artistas brasileiros que participaram. São grandes estrelas da música, foi uma honra fazer parte disso. Tivemos contato com muitos jovens que gostam de blues e que nos passaram muito boas vibrações.

EM – O que o levou a fundar seu próprio selo?
LM -
Quero fazer a música que eu escolhi. Quando você está em um selo, às vezes eles interferem nas músicas, eles detêm o controle. Dessa forma eu toco o que quiser. O problema é que tenho mais responsabilidade na promoção. Se você está em um selo grande e eles não promovem o teu trabalho eles também perdem. Em um pequeno selo você não lida com grandes números e nem tem muito suporte, mas tem muito mais controle sobre a sua música.             
                 
EM – Blues é is your business. Business is good?
LM –
(risos) Business is business. Sim o negócio é bom. Muitas pessoas na mesma posição que eu têm menos oportunidades. Mas tenho fome. Sou agradecido por todas as oportunidades, mas sempre quero mais.