quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A morte do Antoninho Navalhada

Por Eugênio Martins Júnior

Branco, forte e valentão,
Navalhada estivador
Temido e respeitado
E bom atirador

Pau de fogo na cintura
Curto de pavio
Traição e malícia
Espreitam no porão do navio

O outro não ficava atrás
Conhecido por Simião
Moreno e parrudo
E com disposição

Qualquer dia o destino
Os colocaria frente a frente
No costado do CAIS santista
Tava sobrando valente

Como a arenga começou
Na estiva ninguém sabe ao certo
O trabalho era escolhido na fé
E Navalhada era metido a esperto

Simião era boxeador
Dizem, estava com a verdade
Mas sabia que mexer com o Navalha
Era irresponsabilidade

Não valia facilitar
Havia sido avisado
Passou a andar armado
E olhando para os lados

Foi no armazém quinze
Onde o encontro aconteceu
O tiroteio começou
Quando o dia amanheceu

Navalhada trairagem
Baleou o Simião
Acertou ele na perna
Derrubando o valente no chão

Quando se aproximou
Pro tiro de misericórdia
Foi pego de surpresa
E Simião matou a discórdia

Acertou Toninho na barriga
Que virou pra correr
Levou mais uma nas costas
E sentiu que ia morrer

Simião não foi em cana
Não tinha culpa nenhuma
E no CAIS ninguém sabe de nada
Muita gente e pouca testemunha

Valentão é valentão
Todos têm a sua história
Mas aqui no cais do porto
Também têm a sua hora

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Cold Hot retrata o som dos Estados Unidos


Jornalista que viajou e retratou o som das cidades lendárias do Estados Unidos, Sérgio Poroger,  aporta na Realejo Livros para lançamento de Cold Hot. O fim de tarde do dia 03 de dezembro terá música e cerveja artesanal CAIS


Fotos: Sérgio Poroger

Imagens podem gerar sons, ainda que imaginários. Partindo dessa constatação, o fotógrafo e jornalista Sérgio Poroger registrou, numa jornada através do sul dos Estados Unidos, em dezembro de 2014, a obra fotográfica agora transformada no livro Cold Hot, que conta com a curadoria de Eder Chiodetto, especializado em fotografia, com mais de 70 exposições realizadas nos últimos 10 anos no Brasil e no exterior.
“Pesquisei a região por quase dois anos, pautado pela vontade de fotografar puramente a musicalidade da região. No entanto, acabei sendo surpreendido por uma parte diferente do restante dos Estados Unidos, onde a música influencia totalmente suas paisagens, arquitetura e os costumes de seus moradores, que também são diferentes – gostam de falar, gostam de conversar, são felizes e descontraídos. Um lugar, afinal, onde tudo vira música!”, explica Poroger.
Além das fotos, ele escreveu o texto de apresentação e pequenos apontamentos que costuram as imagens.
Circulando por mais de 3000 quilômetros, Poroger percorreu os Estados da Georgia, Tennessee, Mississipi, Louisiana e Texas, e colocou o pé na lendária Blues Highway, a Rota 61, numa paisagem que alternava o humilde estilo de vida de certas populações com cidades ostentando arranha-céus opulentos, mas que ofereciam uma percepção constante: a musicalidade que exalava em qualquer parte. Raras regiões do país oferecem tamanha diversidade musical, abrangendo do velho e sagrado blues ao country, passando pelo jazz clássico e pelo rock and roll dos anos 50.
O roteiro da viagem mostra exatamente isso: em Nashville, o Country Music Hall of Fame é um local de peregrinação obrigatório, assim como o Wild Bill’s, deliciosa casa de shows nos subúrbios de Memphis, que revelou, por exemplo, um rapaz chamado Elvis Presley. Ou então o cruzamento das estradas 61 com 49 em Clarksdale, no 
Mississipi, onde a lenda do blues Robert Johnson teria feito o famoso pacto com o diabo, hoje parte obrigatória de qualquer história da música. Ou ainda no Preservation Hall de Nova Orleans, lendário templo do jazz tradicional.
Tudo isto está registrado em Cold Hot, comparado por Eder Chiodetto, “à cartilha que remete às heroicas incursões dos fotógrafos viajantes, personagens responsáveis por nos levar a lugares desconhecidos descortinando atmosferas, intimidades, bastidores, culturas”. E por que este título? Chiodetto explica: “Rompendo com a cronologia e a geografia, as imagens se conectaram pela composição, pelos intrincados jogos de luz e cor, pela recorrência dos referentes e também pelas tonalidades que conotam aquecimento extremo ou certa frieza e, metaforicamente, trazem a ambivalência dessa região que oscila entre períodos de intenso calor e frio rigoroso.”
O livro conta ainda com a apresentação do crítico musical e autor Carlos Calado, que o define como uma espécie de trilha sonora imaginária por meio de expressivas imagens. “Para sentir essa música, nem é preciso ter conhecido pessoalmente as várias cidades do Sul dos Estados Unidos que ele retratou, em visitas a bares, clubes noturnos, cafés, restaurantes, estúdios de gravação e museus. Essa música silenciosa está presente até mesmo nas imagens que as lentes de Sergio captaram nas ruas”, observa Calado.
Cold Hot teve patrocínio do Lafayette Convention and Visitor Center, no Estado de Lousiana, entre outros apoiadores.

Serviço: 
O quê: Lançamento de Cold Hot
Onde: Realejo Livros - Av. Mal. Deodoro, 02
Quando: 03 de dezembro a partir da 18h
Quanto: Grátis












sábado, 5 de novembro de 2016

Inversão

Por Eugênio Martins Júnior

Com boa vontade, ocupação
Com má vontade, invasão

Com boa vontade, liberdade de expressão
Com má vontade, desacato

Com boa vontade, funcionário público
Com má vontade, autoridade

Com boa vontade, guerrilha
Com má vontade, terror

Com boa vontade, golpe de 64
Com má vontade, revolução de 64

Com boa vontade, movimentos sociais
Com má vontade, comunistas

Com boa vontade, feminismo
Com má vontade, feminazi

Com boa vontade, reparação histórica
Com má vontade, vitimismo

Com boa vontade, artistas
Com má vontade, vagabundos

Com boa vontade, perifa
Com má vontade, gueto

Com boa vontade, transgênero
Com má vontade, viado

Eu com boa vontade, paciência
Com má vontade, desprezo

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Um fim de semana, duas manifestações. Jesus e a PM no comando.

Blitz - o império nunca dorme

Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Internet (Trupe Olho da Rua) 

Duas manifestações bem diferentes aconteceram em São Vicente e Santos no fim de semana passado. Sábado e domingo, respectivamente. Presenciei a primeira e acompanhei os desdobramentos da segunda. Duas medidas bem diferentes adotadas pela polícia militar mostraram que há parcialidade nas situações de rua.  
A de sábado, acabou bem para os manifestantes e nem tanto para as pessoas em volta. A de domingo, não acabou mal só para os manifestantes, acabou mal para todo mundo.
A partir do relato a seguir, você pode tirar suas conclusões. Ainda é livre para isso, mas eu vou fazer de tudo pra te influenciar. 

Manifestação 1 - Sábado, 29 de outubro, passei ali na praça Coronel Lopes em São Vicente, ou praça do camelódromo, ou para os mais antigos, praça do Correio.
Era seis da tarde, alguns jovens portavam faixas e cartolinas em uma manifestação religiosa. Vamos chamar assim por enquanto. 
A faixa trazia alguma coisa escrita sobre o grupo: “Jovens a serviço de Jesus”. Ou algo nesse sentido. Nas cartolinas estava escrito: “ Se você acredita em Jesus, buzine”.
A manifestação era a seguinte, quando o semáforo fechava, alguns jovens se posicionavam em frente aos carros exibindo a tal faixa e outros desfilavam entre eles exibindo as cartolinas com os dizeres: “Se você acredita em Jesus, Buzine”. 
Segundo uma das balconistas que trabalham no camelódromo, eles estavam ali há horas. Estive no local, umas quatro ou cinco fechadas de semáforo, o suficiente pra comprar um fone de ouvido. E a parada já me irritou. Imaginem quem estava trabalhando ali o dia inteiro.
Acreditem, não são poucas as pessoas que acreditam em Jesus em São Vicente e dispostas a buzinar para mostrar isso. Nas cartolinas estava escrito: “Se você acredita em Jesus, buzine”.
São Vicente é terra do prefeito Bili, aquele que por coincidência, ou não, foi o candidato escolhido por Deus há quatro anos. Pelo menos era o que dizia o seu slogan de campanha. Mas Deus, também conhecido pelo nome terrestre de Márcio França, parece não ter dado muita bola para o candidato que derrotou o seu filho na eleição. Não, não foi Jesus, foi o outro filho, o Caio. 
Mas esse é outro assunto. Voltando ao sábado, eram dezenas de motoristas buzinando a cada semáforo fechado, pois nas cartolinas estava escrito: “ Se você acredita em Jesus, buzine”.
Não satisfeitos com o ruído infernal (hehehe) que as buzinas provocavam, os jovens ainda gritavam para os motoristas. “Aleluia”, “Jesus é nosso rei”, “Deus seja louvado”, e outras.
A polícia? Assistia tudo ali do lado. Impassível. Apesar de toda a pentelhação. Imaginem, uma buzina já enche o saco. Mais de vinte é de matar. 
Em seu artigo 41, capítulo 3, o Código de Trânsito Brasileiro diz que o condutor de veículo só poderá fazer uso de buzina, desde que em toque breve, nas seguintes situações: I - para fazer as advertências necessárias a fim de evitar acidentes; II -fora das áreas urbanas, quando for conveniente advertir a um condutor que se tem o propósito de ultrapassá-lo. 
Percebam que mesmo que você acredite em Jesus, não pode buzinar pra ele. A não ser nos casos em que não queira atropela-lo. 
Errada estava a polícia, errados estavam os motoristas e errados estavam os jovens que, sinceramente, não sei o que estavam pensando quando planejaram a zona religiosa desastrosa e desrespeitosa com as pessoas ao entorno. Escrevendo em cartolinas: “Se você acredita em Jesus, buzine”.
Mais bonito seria se nas faixas estivessem escrito: “Se você acredita em Jesus, dê seta”. Se você acredita em Jesus, respeite a faixa de pedestres”. Se você acredita em Jesus, não corra”. 
Sou ateu. Me sinto bem. Sem obrigação nenhuma. Leve. E não fico alardeando isso e nem querendo convencer ninguém que ser ateu é bom. Mas esse negócio de colocar Jesus em tudo tá enchendo o saco. E mais do que isso, esse fanatismo está passando dos limites. Invadindo a vida de quem não tá nem aí para religião, Jesus, Deus, Alá, sei lá. 
Volto a repetir, uma ação invasiva, egoísta e sem educação. E a polícia não fez nada.

Jovens atores na porta do Palácio da Polícia

Manifestação 2 - Domingo, dia 30, a Trupe Olho da Rua, um grupo de teatro de Santos fazia o que faz há mais de dez anos, como o nome diz, peças de teatro para as pessoas assistirem na rua. 
Estavam na Praça dos Andradas, local onde ocupam um imóvel que chamam Vila do Teatro, onde há o Centro Cultural Pagu (Cadeia Velha) e o Teatro Guarany. Um local com vocação cultural e que vem ganhando destaque nos últimos meses por causa de outras ocupações culturais.
Encenavam a peça Blitz – O Império Que Nunca Dorme, um protesto bem humorado à truculência da polícia militar. Se a peça é boa ou não, foda-se. Assista e tire suas conclusões. E você tem o direito de não gostar. 
O que aconteceu domingo é o que interessa. A polícia chegou chegando com pistola na mão, interrompeu o lance e levou um dos atores preso. Caio Martinez foi algemado, colocado no camburão e levado ao primeiro distrito policial, com o pomposo nome de Palácio da Polícia. 
E é aí que os dois fatos se encontram. Crentes em Jesus podem fazer o que querem em praça pública em São Vicente. Praça pública não, no meio do trânsito. Atores em Santos não podem criticar uma instituição terrena mantida por nós e que tem o dever de prestar serviço a nós.
Se liga. Estudos da Anistia Internacional e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que as polícias brasileiras, civil e militar, são rápidas no gatilho.
Em um relatório publicado em março de 2016, a especialista independente da ONU sobre minorias, Rita Izsák, alertou: cerca de 23 mil jovens negros morrem por ano, muitos dos quais, vítimas de violência pelo Estado. Se isso não é genocídio, qual o nome que você daria? 
Mas como dizia a música do Rappa, também morre quem atira,  e nossos policiais são os que mais morrem. O que falta para os governos reconhecerem que vivemos em uma guerra declarada entre os pobres? 
Sabemos que o policial não pode se manisfestar sobre as péssimas condições de trabalho. Então, resta a sociedade civil fazer isso. E era isso que a Trupe Olho da Rua estava fazendo na praça batizada em homenagem aos libertários irmãos Andradas. 
Os policiais que estavam no local passaram atestado de burrice. Com truculência policial, acabaram com uma peça teatral que tratava da truculência policial. Se tivessem ficado, assistido até o final e depois aplaudido, teriam mostrado alguma compreensão de sua própria situação. Funcionários públicos que trabalham em uma corporação que também os oprime, com uma disciplina desumana pagando salário de fome. 
As posturas distintas da polícia nas duas ocasiões mostram por que está cada vez mais difícil se falar o que pensa no Brasil atual. A não ser que você apoie as bancadas da bíblia e da bala. 
VIVA A TRUPE OLHO DA RUA.