quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O tradicional e o moderno se encontram na música do gaitista Robson Fernandes


Foto: Flávio Hopp

O gaitista Robson Fernandes já tocou com Nuno Mindelis, André Christovam e Flávio Guimarães, três dos grandes nomes do blues brasileiro. Com Danny Vincent, guitarrista argentino radicado no Brasil, tocou cinco anos e revela que aprendeu muito. “O grande segredo do blues é aprender a técnica e só depois tentar tirar as músicas de ouvido”. Mesmo assim, Robson diz que a verdadeira escola é ouvir os grandes mestres da gaita: Sonny Boy, Little Walter, Junior Wells, Walter Horton, James Cotton, Rod Piazza, Willian Clark, Kim Wilson, só para citar alguns.
Aclamado como uma das revelações da gaita blues no país, Robson Fernandes esta sempre em busca de um “fraseado diferente”, por isso seus discos são cheios de técnica.
O CD Cool, seu mais recente trabalho, traz nove temas compostos por Robson, cinco em parceria com Carlos Sander. Conta também com três versões: duas do bluesman de New Orleans, Smiley Lewis, e uma versão para It Ain’t Right, da lenda da gaita blues, Walter Jacobs, também conhecido como Little Walter.
Ele foi a segunda atração da série de shows promovidos pelo Projeto Jazz, Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e o Sesc Santos, em abril, em comemoração aos 20 anos do gênero no Brasil. As outras foram Igor Prado Band, Caviars Blues Band c/ Mauro Hector e Big Chico Blues Band.

Eugênio Martins: Fale um pouco sobre o processo de gravação de seu mais recente trabalho, o CD Cool. Como foi a escolha dos músicos e dos temas?
Robson Fernandes: Toco com essa banda há três anos e é uma das melhores bandas que eu consegui formar. O batera já está comigo há quatro anos. Comecei a compor em fevereiro do ano passado, em junho e julho entramos no estúdio, e em novembro o disco estava pronto. Foi um processo bem rápido. Geralmente eu determino o disco e já faço naquele momento. Meu segundo disco, o Gumbo, demorou mais. As letras eram mais complicadas. Nesse disco as letras são mais fáceis, mas chamei um saxofonista da Califórnia, o Troy Jennings, chamei o Ari Borger, pra tocar piano, coloquei violinos. Na minha concepção é o melhor disco. É obvio que tem gente que prefere do timbre da gaita do primeiro disco e tal, mas isso é coisa de fã. Nos Estados Unidos e na Europa o Cool foi muito bem aceito. Aqui no Brasil ainda não coloquei nas lojas, mas estou vendendo bem nos shows.

EM: Como é essa trajetória inversa, ou seja, brasileiro exportando blues para os Estados Unidos.
RF: Eu tenho um selo que me distribui nos Estados Unidos a partir da Califórnia. É um selo chamado Pacific Blues, que inclusive distribui o Big Chico e o Igor Prado. Tem essa porta aberta que é muito legal, isso divulga muito o trabalho lá fora. O Myspace também atinge bastante gente. Recebo e-mail de pessoas de todos os lugares do mundo, Holanda, Suíça, Hong Kong, e tem gente que quer fazer aula comigo da China. Não tem como, vou dar aula por computador?

EM: Qual é o equipamento que você usa no palco?
RF: Eu toco com um Bassman, que é um amplificador da Fender valvulado com quatro falantes de dez (polegadas). No microfone uso elemento de cerâmica, mas nesse show eu vou usar um Shure CM da década de 70. Pluguei agora no final da passagem de som e achei que ficou melhor. As gaitas são da Hering, modelo Vintage.

EM: Existe uma cena brasileira blueseira?
RF: Existe. Eu toco em vários estados do Brasil. Com o Gumbo viajei, depois fui ao Programa do Jô, no Ronnie Von e me ajudou muito.

EM: O músico brasileiro se adapta muito fácil a outros estilos, criando o seu próprio. Um exemplo no teu instrumento é o Jefferson Gonçalves que eu gosto muito. Como você classifica o seu estilo?
RF: O meu disco é moderno e tradicional (risos). Mais tradicional do que moderno, trabalho as duas vertentes. Existe um pessoal que só toca tradicional, outro só toca moderno. Eu optei por essa mistura de estilos pra dar esse colorido. O Jefferson Gonçalves, por exemplo, tem um estilo completamente diferente do meu. Outro dia eu recebi um e-mail de um cara dos Estados Unidos falando exatamente dessa qualidade e capacidade que o músico brasileiro tem de absorver as influências de vários estilos musicais. É isso que eu estou procurando, desenvolver o meu estilo que, acredito, já ser diferente. Estou em busca de um fraseado característico meu, Robson Fernandes. Com esse processo você para de ouvir outros gaitistas. As minhas influências básicas são Sonny Boy (Willianson), Little Walter e Walter Horton. Eu não tenho influências brasileiras. Quando comecei a tocar eu determinei que não ouviria gaitistas brasileiros pra tentar fazer algo diferente.

EM: Você já tocou nos Estados Unidos?
RF: Ainda não, mas estou começando a tentar. Estou estruturando meu site, mas só tem textos em português, tenho de terminar a parte em inglês pra começar tentar festivais lá fora e mostrar a cara.

EM: Mostrar a cara para o gringo saber que o brasileiro sabe fazer blues? Rola essa necessidade de aprovação?
RF: Não, eu quero tocar lá fora pra aumentar o meu número de shows e ganhar mais dinheiro. A real total é a matemática. A música, pra mim, é a conseqüência de tudo o que eu toco. Antes eu pensava assim, mas agora não.

EM: Você não sonha em chegar a um lugar lá na gringa e a platéia pensar: “Pô, esse cara toca muito e é brasileiro”.
RF: É claro que eu vou querer detonar, fazer um bom show, mas a idéia central é distribuir a música no mundo inteiro. Como B.B. King fala no livro dele. É claro, o show tem de ser bom pra vender CD e voltar aos lugares. Tem show que não é bom, mas a maioria é e aí você volta pelo seu talento e pelo seu trabalho. Não é uma questão de você chegar lá e detonar, pra mim é uma questão matemática e financeira. Eu quero tocar bem, fazer um puta show, show business, pra galera, com presença de palco que não pode ser esquecida. É isso que faz com que você não seja esquecido. Foi aquilo que eu falei antes. Não adianta eu querer tocar no estilo do Jefferson. Como é que eu vou querer ser melhor? A mesma coisa é quando eu chegar lá. Vai ter um monte de caras tocando outras idéias, um toca jazz, outro funk, um outro blues tradicional. A globalização faz isso, faz com que você tenha que ser bom pra se manter no mercado, respeitando o estilo de todos, mas fazer bem aquilo que você está se propondo.

EM: Como está a agenda de shows no Brasil?
RF: Não sei os outros companheiros, mas pra mim está boa. Tem gente pessimista, quer dizer, não pessimista, porque não estão fazendo shows e só podem falar mal, né? Eu sinto que a música erudita, o blues e o jazz são cultura para o país e é mais difícil de chegar à população carente, então a gente tem menos público. Eu estou fazendo show por conta de alguns programas de TV, o show é bom, o boca a boca, acabou engrenando. Eu vou em todos os lugares, quero trabalhar, mostrar a minha cara.

EM: É difícil fazer um disco de blues no Brasil?
RF: É, mas acho que qualquer disco. Eu canto em inglês. Eu quero fazer um disco em português e vai ser uma mistura muito maior, não vai ser um disco de blues tradicional. Eu acredito que o blues tem de ser cantado em inglês. A linguagem casa mais fácil com o estilo musical, foi eles quem criaram, né? Mas a bossa nova eu já acho legal ser cantada em inglês.

EM: Qual foi o show de blues que você assistiu que foi o show da tua vida?
RF: Vários (risos). Depende da época. Em 1996 vi um show do Sugar Blue e fiquei louco. Um gaitista que toca rápido pra caramba e eu era fissurado por ele. Em 2005 vi o Rod Piazza. O show dele no Bourbon Street foi animal, o cara é muito bom, chorei quando ouvi uma música que lembrou a minha infância. Toco desde os 16 e tenho 33 anos. Aí eu ouvia no walkman, era ofice-boy, esse foi um dos melhores. De ofice-boy passei pra músico, não fiz mais nada na vida. Teve o do B.B. King também, você aprende muita malandragem com os caras. O tratamento com o público, a comunicação. Isso é muito importante.

EM: Você era ofice-boy? Como o blues entrou na sua vida?
RF: Morei cinco anos no nordeste escutava muito Led Zeppelin, Pink Floyd, Raul Seixas, reggae, lá tinha muito reggae. Quando voltei pra São Paulo a galera que me identifiquei foi a do surf, que ouvia reggae. Os amigos da minha rua ouviam samba, não que eu não goste, gosto muito, mas era um pagode moderno e eu não sou chegado. Gosto mais de samba tradicional. Não conseguia me identificar musicalmente com os meus amigos, a gente vem de família pobre, periferia, predominava o pagode. Tinha um programa de blues que passava às onze e meia da noite. Eu chegava da escola todo dia e escutava. E na escola tinha um cara com uma gaita diatônica. Ele havia comprado na galeria do rock e no outro dia eu fui lá e comprei uma. Cheguei em casa coloquei uma fita e fui tocar junto e não saía nada. Aí peguei a gaita e abri achando que estava quebrada e comecei a mexer nas palhetas. Cara, foi no primeiro dia que comprei a gaita, quebrei umas duas ou três palhetas. Aí eu comprei outra e vi que o problema era eu (risos).

EM: Você começou tocar só de ouvido?
RF: Passei nove meses tocando só de ouvido, mas acabei encontrando um professor que me ensinou técnica durante quatro meses. De lá pra cá venho estudando sozinho. Tive aulas com um guitarrista de jazz de teoria musical, harmonia e improviso. Com o Bocato, Lupa Santiago e aplico na minha música.

EM: Você ainda compra discos?
RF: Não, não compro mais CDs.

EM: Você “baixa” da internet?
RF: Tenho alunos que baixam pra mim

EM: Você gosta de ver seus discos baixados.
RF: Eu tenho um disco que o pessoal baixa. Eu não posso fazer nada, né? Deixa os caras baixar. É uma tristeza mas, por exemplo, a gente vai fazer um show hoje em Santos e pode ser que a gente consiga vender alguns CDs, dar autógrafos, quem comprar vai ter o negócio físico na mãos, vai colocar no seu carro, na sua casa. Eu tenho um monte de coisas em mp3 que os caras baixam pra mim e só toco no computador, mas eu não estudo nele. Não gosto. Estudo em um quarto com o som ligado, mas no computador eu não consigo.

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