segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sérgio Duarte corrige rota e dá uma aula de harmônica em Acoustic Blues Harp


Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Ao lado de Flávio Guimarães, Sérgio Duarte é um dos pilares da gaita blues no Brasil. Já abriu show de Buddy Guy e teve aulas de harmônica com James Cotton e Willian Clarke. Coisa para poucos.
Por sua vez, ajudou a formar gaitistas atuantes na cena blueseira brasileira, entre eles, Róbson Fernandes, Ivan Márcio e Big Chico.
Após dois discos lançados com a banda Entidade Joe, Sérgio Duarte e Entidade Joe e Destilado’n’Blues, e participações em gravações de inúmeros artistas, o gaitista veterano parte para uma nova fase na carreira.
Acoustic Blues Harp, seu terceiro disco, traz o melhor blues tradicional que o Brasil pode exportar ao mundo. São 13 temas, três clássicos do blues norte-americano e dez composições próprias, todos gravados em São Paulo com seu time titular, Celso Salim (guitarra) e Rodrigo Mantovani (baixo). De quebra, apresenta seu filho Leo Duarte (guitarra).
É um grande disco. Sérgio Duarte explora caminhos onde só os mestres conseguem ir, com timbres limpos e técnica impecável. Com esse CD, Sérgio Duarte iguala os feitos de Flávio Guimarães e Alamo Leal em Ain’t No Stranger Here e Ivan Márcio e Jon McDonald com Chicago Blues Sessions Vol. 2. Ou seja, o grande blues tradicional com a harmônica limpa, como era no começo de tudo, como as grandes duplas de country blues.
O trabalho de pesquisa que mistura blues com ritmos nordestinos e regionais, outra característica do gaitista paulistano, continua. Essa entrevista foi realizada em um dia especial, pouco antes de Sérgio Duarte subir ao palco do Sesc Santos com o show magistral: Entre o Blues e o Baião. Com as participações do guitarrista e violonista Luiz Waack e do sanfoneiro Antonio Bombarda. As fotos estão aí pra ilustrar essa matéria.



Eugênio Martins Júnior – Como começou a tua vida musical?
Sérgio Duarte –
Foi aos doze anos. Gostava de escrever poesia e de escutar rock e blues, com o dinheiro de aniversário de treze anos comprei um violão e comecei a aprender a tocar sozinho, com as revistinhas ou com amigos que já tocavam. Depois de um ano e meio, comecei tocar com amigos, mas mudei para o contrabaixo. Nunca mais parei. Tocava rock pesado e rock and roll nacional. Era uma banda chamada Tomate Inglês que teve clip na MTV com uma música minha chamada Fogo no Bordel.

EM – E a gaita, como apareceu?
SD –
Eu gostava de acampar em Minas e levava violão e tocava. Fui a uma caverna onde tinha um hippie tocando lá no fundo. Segui o som e chegando lá perguntei o que era aquilo. Ele me disse que era uma gaita especial para tocar blues, uma Hohner. Me apaixonei pelo som e quando voltei para São Paulo fui procurar uma gaita daquela. Mas não existia gaita Hohner no Brasil, só Hering.

EM – O cara da caverna mandava bem?
SD –
Eu não sabia tocar nada, pra mim era maravilhoso. Pensei, a próxima viagem que fizer vou levar o violão e a gaita. Comprei uma Hering nas casas Manon, na 24 de maio, Centro de São Paulo. Produtos importados naquela época, final dos anos 80, eram raridades. Depois tive acesso porque meu pai trabalhava nos Estados Unidos. No próximo acampamento, levei uma gaita em Mi. O pessoal gostou e meu interesse pelo instrumento aumentou. Passei a transpor o meu conhecimento do contrabaixo para a gaita. Em uma das viagens aos Estados Unidos, meu pai trouxe um método que vinha o desenho da gaita com todas as notas, explicando com fazia os bends, como fabricar aquelas notas.  A partir daí criei uma tabela para estudar através do contrabaixo. Sozinho, naquela época não havia professores. Tinha o Clayber (de Souza), o Clay Willians e o Maurício (Einhorn) que tocavam cromática e sempre falavam mal da gaita diatônica: “Ahhh, isso aí é brinquedo, isso aí não é gaita”. Eu dizia que eles não haviam escutado Sonny Boy, Little Walter. “Aquele barulho de gaita com amplificador?”. Os caras eram radicais. Conheci muita coisa graças ao Cidão Aparecido que era um colecionador de discos de blues. Ele me levava as fitas cassetes, “esse aqui é James Cotton, esse aqui é não sei o que”. Ouvindo aqueles sons e o meu conhecimento musical, criei um método que tenho até hoje. Também estudava os métodos de guitarra, Fly Fingers, Play Alone Blues, com riffs de blues na guitarra que eu transpunha para a gaita, notas, frases, tudo. No começo passei a ser um virtuoso. Tinha muita técnica, virei um gaitarrista, estava em uma banda de rock e nessa vibe de velocidade.


EM - E o primeiro contato com o Blues, quando se deu realmente?
SD –
Sonny Boy Willianson e Yardbirds. Também Blues Etílicos e Atlântico Blues, que eram os discos que existiam na época.

EM – Nessa época começou a sair muita coisa por aqui. Lembra da série da Atlantic que foi lançada nos anos 80?
SD –
Sim, Piano Blues, Gaita Blues, aquelas capas são maravilhosas. Aquilo foi uma escola, tive todos. Eu ficava tocando em cima das músicas que não tinham gaita. Estudando as escalas que estava tentando fazer. Cheguei a um nível que comecei a me achar limitado. Precisava achar um gaitista que me ensinasse a tocar. Fui para a Califórnia atrás do James Cotton e do Willian Clarke. Falei que precisa ir e meu pai me ajudou. A minha irmã havia cursado várias faculdades e eu sempre fui a ovelha negra da família (risos). Disse que ia para estudar. Meu pai pagou a passagem e eu limpei vidro, entreguei pizza, fazia várias coisas. Ia aos bares e conheci o James Cotton. Carregava a mochila dele e ia pra cima e pra baixo com os caras pedindo para ter aulas. O Cotton falou pra eu levar uma garrafa de bourbon ao seu apartamento e pediu sessenta dólares pela aula. Era pra eu ficar uma hora, mas fiquei até a madrugada. E aí ficamos bêbados e ele começou a tocar, falar do Little Walter e a mostrar as técnicas de tongue blocking que não eram conhecidas no Brasil. Colocou a gaita ao contrário e eu com aquela cara:”Tá ao contrário”. Ele pegou colocou a gaita ao contrario na boca e tocou pra caramba. Ele falou pra mim que se você toca de língua toca de qualquer lado. Tudo que eu achei que sabia foi por água abaixo. Fazia aulas de gaita cromática com o Clayber e tocava chorinho, bossa nova e sei tocar até hoje, então cheguei lá dizendo que já tocava. Os caras gostavam. Mas a melhor coisa que aconteceu foi que o Clarke e o Cotton me disseram, “Cara você não toca porra nenhuma”. Me destruíram.

EM – Você também teve uma aula com o Willian Clarke?
SD –
Sim, bastante aula de cromática.



EM – Qual foi a coisa mais importante que você aprendeu com eles?
SD –
Foi a desconstrução do meu conceito e trocar a embocadura de bico pela de língua que era uma técnica que no Brasil os caras falam que é viagem, mas que o gringos chamam de “side by side”, usando os dois cantos da boca, invertendo a língua de um lado a outro. Aos meus alunos aqui no Brasil eu chamo de inversão. Isso me chocou. Foram três a quatro anos pra começar a fazer. E nesse disco novo que eu vou conseguir mostrar o que aprendi lá.

EM – Você chama músicos que não tocam blues pra tocar nos teus discos. Usa o blues mais como base e não fica fechado só nisso. Fale um pouco sobre isso.
SD –
O cantor da banda de blues Entidade Joe saiu e me vi tendo que cantar e tocar gaita. Nesse processo, tive o sonho de fazer o blues virar o que virou o reggae e o rap que foram nacionalizados  e viraram grandes movimentos. Comecei a compor blues em português, na onda dos primeiros do Blues Etílicos e do André. Compus uma música chamada Vida de Poeta, que é um pouco Barão Vermelho, digamos, um pop blues, querendo popularizar. Insisti nisso até o segundo CD. O segundo muito mais elaborado, inclusive nas letras. Um disco muito bem gravado pelo Alexandre Fontanetti, que é primo da Rita Lee e produziu todo mundo. Até um tempo atrás tinha esse sonho. Agora estou no blues tradicional porque não dá pra viver de sonho. Estou cantando em inglês, mas metade desse novo disco é instrumental, comigo tocando gaita, com baixo acústico, dobro, escovinha, som tradicional. Quero mostrar o lado do Sérgio Duarte instrumentista até para abrir outras portas.

EM – Mas esse projeto com sanfona, triângulo, violão acústico e guitarra está na contramão de tudo isso que você está falando.
SD –
Na verdade esse projeto nasceu com meu amigo Ricardo Vignini, da banda Matuto Moderno, que mistura rock com regional. Fizemos um projeto chamado Blues Latino porque a gente já sacava que a escala das músicas nordestinas é parecida com a escala pentatônica. Que o solo da viola era com as mesmas cinco notas da guitarra. Começamos a fazer um world blues, o encontro do Tião Carreiro com o Robert Johnson. As notas são as mesmas, mas os andamentos dos compassos é que são diferentes. O Sesc nos convidou para um projeto de blues latino com bandas do Chile, Bolívia, Cuba e a nós do Brasil. Compus três blues para esse trabalho, com levadas de baião, uma delas se chama Homem Pra Casar. Trago influência das coisas que toquei. O rock, a gaita MPB, o contrabaixo abriram o leque para esse som diferente. Até hoje sou chamado para gravações que os outros não resolvem.


EM - Você passou pela cena nos anos 90 e 2000. Hoje é um dos veteranos na gaita blues no Brasil. Como vê a cena desse instrumento hoje?
SD –
Vou falar pra você a real. No começo havia o Flávio no Rio e eu em São Paulo. Todo mundo que estudou gaita blues e está aí até hoje fui o maior incentivador porque foram meus alunos: Big Chico, Robson Fernandes, Ivan Márcio. O Ivan estudou pela minha apostila porque naquela época não tinha material. Gravei três vídeos aulas da série Aprenda Música. Em 93/94, ainda estava cabeludo (risos). Hoje em dia todos têm equipamentos, blogs, sites, um é especialista não sei do que, o outro de outra coisa. Acho maravilhoso. Tem mais competitividade, mas pelo menos existe um mercado. Eu que vi o nada e ver que hoje tem até luthier. De madrugada os caras me pedem aula, método, estou sempre vendendo alguma coisa. Hoje sou reconhecido no Brasil inteiro e isso é muito bom. Não é pelo dinheiro que a gente não ganha mesmo. Com esse processo de internet e globalização os caras passam por cima dos pioneiros. Com a internet os caras já se acham bons, têm método, vídeo aula e não passou por todo aquele processo que eu e o Flávio passamos. Foi uma carga mais pesada. O festival do Flávio ajudou muito, já toquei três vezes toquei no primeiro com o Mark Hummel, ano retrasado abrindo para o Rick Estrin e ano passado me chamou para o Gaita SP com o Róbson e o Daniel Granado. 

EM – O que você tem mais facilidade em fazer: tocar, compor, produzir ou cantar?
SD –
Acho mais difícil compor. Depois de 20 anos tenho mais fluência em tocar um estilo que me sinto bem. Agora sempre estou buscando compor alguma coisa boa, com arranjos legais para a gaita. O cantar... até um tempo atrás não me considerava cantor. Hoje estou mais seguro quanto a isso. O mais difícil é compor uma boa letra, com arranjos bacanas. Às vezes com poucas notas você toca mais as pessoas do que quando quer mostrar todo o seu virtuosismo. As notas tocam as pessoas, aprendi que o menos é mais, a simplicidade. Você vê na reação do público.

EM – O disco Acoustic Blues Harp acaba de sair e gostaria que você falasse sobre ele.
SD –
É a sequência do meu trabalho com a Entidade Joe que virou Sérgio Duarte Blues Band. Será lançado no Brasil, Estados Unidos e Europa simultaneamente. Os antigos parceiros participam de algumas músicas, mas agora é um trabalho próprio, voltado ao blues tradicional. Trazendo a experiência de vinte e cinco anos tocando gaita, com a sonoridade dos anos 30/40. Tem seis músicas minhas. E o selo Chico Blues conseguiu liberar três clássicos do blues, Little Red Rooster (Howlin’ Wolf), Blow Wind Blow (Muddy Waters) e Worried Life Blues (Louis Parker). As letras foram feitas em parceria com o Celso Salim que já morou lá fora e com a ajuda do meu amigo Todd Murphy que de umas opiniões.


Um comentário:

  1. Este é o Sérgio Duarte e (modéstia às favas, rs) eu sou o vocal que saiu do Entidade Joe e obrigou meu amigo a aprender a cantar, rsrsss...

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