quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A música de Larry McCray carrega soul, feeling e jazz na medida certa. É bom ver e ouvir um músico de blues no auge


Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Cezar Fernandes

Nascido no Arkansas, sul dos Estados Unidos, região banhada pela música que os negros chamam de blues, o guitarrista e cantor Larry McCray veio de uma família humilde, cuja música que fazia era a única diversão.
A maior influência veio da irmã, Clara, uma exímia guitarrista autodidata. Se hoje é considerado um dos grandes guitarristas de blues da atualidade, McCray afirma que todo esse reconhecimento nada mais é do que a extensão do talento dela.
Ele esteve recentemente no Brasil para uma série de shows. Dois no maior festival de jazz e blues do Brasil, o Rio das Ostras Jazz e Blues para cerca de dez mil pessoas. O outro em uma atmosfera totalmente diferente, no bar do Sesc Santos, com pouco mais de quatrocentas pessoas.
Em ambos, sua Gibson Les Paul fez soar os grandes temas que estamos acostumados a ouvir e pensar: “Na próxima encarnação quero nascer Larry McCray”. São eles, That’s How Strong, Soushine, Blues is My Business, Best in Town, Run, Buck Naked, Don’t Need No Woman, Real Mother for You e Delta Hurricane, que lhe rendeu o apelido.
Em suas passagens anteriores pelo Brasil, Larry apresentou-se no Sesc Vila Mariana e na Virada Cultural de São Paulo. Nas duas teve como banda suporte a Irmandade do Blues. Dessa vez veio com a sua própria banda dos Estados Unidos: Steve McCray (bateria), Kerry Clark (baixo) e Stephen “Sweet Dick” Boone (teclados).
Sua mistura de blues e soul atingiu a perfeição no mais recente trabalho, o CD chamado simplesmente Larry McCray. Aos 54 anos, Larry está empolgado para lançar seu próximo trabalho, um álbum recheado de covers de clássicos do rock and roll dos anos 70, todos com pegada blues.
Larry McCray é um cara humilde, está sempre de bom humor e aberto a uma boa conversa, diferente de seu irmão Steve, um cara de poucas palavras. Essa entrevista foi concedida no seu último dia no Brasil. No caminho do Aeroporto, dentro da van e no meio do trânsito de São Paulo.
Não teria sido possível sem as participações dos produtores Juan, Walter, Sílvio, Manfra e Stênio. Obrigado a todos. Blues is our business and business is good.


Eugênio Martins Júnior – Quando foi a primeira vez que ouviu o blues?
Larry McCray -
Talvez desde o meu nascimento. Cresci em uma cidade pequena do Arkansas, nos Estados Unidos, e minha família não tinha dinheiro. Éramos muito pobres. Todos nós tínhamos de trabalhar e lutar pelas coisas básicas. Mas a música era a maior alegria naquela situação. Era o que a minha família fazia para passar o tempo. Tocávamos para distrair nós mesmos. Foi assim que comecei. Aos seis anos me apaixonei pela guitarra vendo a minha irmã tocar.

EM – Seu aprendizado foi em casa?
LM –
Sim, meu pai e minha irmã tocavam para entreter a família. Meu pai tocava harmônica, era comediante e um bom dançarino. Ela tocava guitarra. Então hoje quando toco meu blues mais profundo, tento refletir sobre esses dias e o que aprendi com minha irmã Clara. Ela foi a primeira a tocar o meu coração com a música. Tinha uma técnica própria, porque quando começou a tocar era muito pequena para segurar uma guitarra, então ela aprendeu a tocar com a mão na parte da frente do braço. Quando cresceu continuou tocando do mesmo jeito. Ela foi a primeira pessoa naquele tempo que ouvi tocar as harmonias nas cordas mi e sol. Costumava dizer que ela tocava música em espanhol (risos). Clara tinha muitas técnicas diferentes e tocava sozinha, se acompanhava tocando os baixos e os solos. Era muito boa, mas nunca teve oportunidade de tocar para muitas pessoas.

EM – Podemos dizer que o seu talento é continuação do dela?
LM –
Penso que as minhas oportunidades me foram dadas por causa dela. Ela não passou pouco tempo por aqui, morreu nova. A primeira vez que toquei numa guitarra foi quando fui com ela para o Arkansas em férias. Em casa eu não podia tocá-la porque era a única coisa proibida. Então criei respeito pelo instrumento e ela percebeu isso e começou a me ensinar.   


EM – E seu irmão Steve, vocês sempre tocaram juntos?
LM –
Sim, comecei aos 12 anos. Steve é meu irmão mais novo e começou cinco anos depois de mim. Tínhamos outro irmão que começou a aprender baixo um ano depois de mim e como precisávamos de um baterista Steve preencheu a vaga. Isso foi nos anos 70, comecei em 1972. 

EM – Essa é a primeira vez que você vem ao Brasil com a banda completa dos Estados Unidos, mas já esteve algumas vezes aqui, sempre tocando com músicos brasileiros. Como vê esse intercâmbio?
LM -
Pra mim é muito importante estar na América do Sul. O Brasil tem um sabor diferente. É uma nova inspiração com sua música e seu povo. É o que tenho procurado toda a minha vida. Sempre fiz jazz e outras músicas e estar com os músicos brasileiros aumentam a meu conhecimento. Vocês têm muito ritmos que não temos nos Estados Unidos e todas as vezes que estive aqui compartilhei desse conhecimento.

EM – Você conhece a cena blueseira brasileira? Soa estranho pra você os brasileiros tocando blues?
LM –
Bem, o blues é o mesmo em todos os lugares. O que diferencia são as formas de abordagem. Mesmo nos Estados Unidos e suas diferentes regiões. Os caras de Memphis não tocam igual aos de Detroit. Os caras do Texas não tocam igual aos da costa oeste. As diferenças nos estilos mostram as influências de cada um. O som da costa oeste é mais dançante. O Texas é mais forte, mais cheio de shuffles, por exemplo, Stevie Ray Vaughan. O Shuffle de Chicago é diferente do Texas. Os músicos de New Orleans tocam uma coisa muito diferente de todos. Talvez seja em todos os Estados Unidos o lugar mais parecido com o Brasil. Lá há pessoas do Haiti, Caribe, do sul do país, uma mistura de pessoas de todos os lugares. Uma cultura única.


EM – Uma panela de pressão cultural.
LM –
Exatamente. E acho que é assim no Brasil. É o que faz a música ser tão especial aqui. O jazz influenciou o samba e nasceu a bossa nova. Na América nós amamos a bossa nova. Gostaria de estudar mais sobre isso, mas nunca tive essa oportunidade. O que aprendi com os músicos brasileiros me custaria muito dinheiro na minha terra (risos).

EM – Você faz uma mistura de blues e soul e o teu jeito de tocar guitarra é às vezes forte e às vezes suave e limpo. Como você construiu esse estilo?
LM –
Tentando me tornar versátil. Música é igual a comida, todos têm suas preferências, mas não quer dizer que você vai comer a mesma coisa todos os dias. Pra mim é assim, fui influenciado pelo R&B, pela soul music. Amo Gladys Knight, Marvin Gaye, James Brown...

EM – E guitarrista?
LM –
Um dos meus favoritos é o Larry Carlton. Porque ele tem influência de outras culturas em sua música. E ele sabe o que fazer com o jazz. Sempre que posso saio um pouco do blues. Essa é a minha filosofia. Gosto de tocar um lick de blues, mas incorporar outras influências. Dou uma voltinha lá fora, mas sempre volto pra casa. As pessoas procuram coisas novas e gosto de dar a elas outras coisas além dos 32 compassos. Elas entendem e dizem ok. Acho que esse é o meio de a música se manter viva e crescendo. Alguns antes de mim sacaram isso, Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Junior Wells, Buddy Guy, BB King, Albert King. Todos os grandes tiveram ideias novas.



EM – Gostaria que falasse sobre a banda que está te acompanhando.
LM –
Bem, eu e Steve temos uma telepatia natural para a música. Ele é meu irmão. Posso olhar pra ele e saber que caminho está tomando. E ao contrario também, a única coisa que eu tenho de fazer é olhar e ele já sabe o que eu quero. Kerry tem o mesmo background que nós e quando juntou-se à banda, Steve e eu demos a ele uma perspectiva que nunca havia tido. Ele é muito forte em R&B, Soul e Gospel. E isso é muito bom pra mim, porque talvez não seja tão forte em algumas dessas áreas. Aprendo muito com ele. Já com Stephen Boone tocamos apenas há dois anos, mas o conheço desde criança. Ele tem a idade dos meus filhos. Sua abordagem musical é mais jazz e fusion. Eu e meu irmão temos mais influência do blues e da soul music. Nós temos o nosso próprio melting pot.

EM – Você pode falar sobre a sua amizade com outro grande guitarrista da sua geração, Michael Burks, morto recentemente?
LM -
Nos conhecemos em Memphis 1992. Michael Burks é um dos caras que venceram o concurso Albert King. Ouvia as pessoas falarem Michael Burks, Michael Burks, Michael Burks... você precisa ouvir esse cara. Um dia ele me viu na rua e perguntou se eu era irmão de Clara Mae. A resposta que me veio era: “Quem é esse cara que conhece minha irmã?” (risos). Ele disse que o pai dele, Fred Burks, tocava baixo na banda dela com E.D. Mullins nos teclados e Bob Joe Hendricks na bateria. Oito meses depois o encontrei de novo e ele me chamou de primo, porque viveu na mesma cidade da minha família, Camden, no Arkansas. Cheguei em casa e perguntei pro meu irmão mais velho se ele era o meu primo e ele me disse: “Cara, se você tiver algum problema com alguém, deixa ele ser o teu primo” (risos). Quando novo, Michael era um garoto gordo, mas quando cresceu se tornou um cara forte e poderoso. Era um cara muito gente fina quando gostava da pessoa, mas não fazia questão de agradar quem não gostava. Então era melhor tê-lo como primo (risos). Talvez a árvore de nossas famílias tenham se cruzado em algum momento, não sei. O irmão dele, Fred Junior, que também toca baixo ainda me chama de primo. Gostamos de falar um pouco sobre o Michael só pra lembrá-lo.

EM – Você está gravando um CD novo, o Gibson Sessions, gostaria que falasse sobre isso.
LM –
Bem, o novo CD é um álbum de covers. Não há músicas originais. São clássicos de rock os quais as pessoas estão familiarizados. O conceito foi o de fazer um trabalho popular, mas mudando os arranjos e os tons. As músicas serão conhecidas pelas letras e algumas melodias. Mas já voua avisando, estão bem diferentes. 


EM – Você pode dizer quais músicas estarão nesse CD?
LM –
Can’t You See, Marshall Tucker; Stealin’, Uriah Heep; Waitin’ For the Bus, ZZ Top; I’m No Angel, Allman Brothers); Them Changes, Buddy Miles); Needle and Spoon, Lynyrd Skynyrd; Unchained my Heart, Ray Charles; Wild Horses, Rolling Stones; Love the One You With do Crosby Stills and Nash, mas em blues shuffle. As pessoas poderão curtir todos esses clássicos de uma forma diferente e espero que gostem da nova roupagem.

EM – Você acaba de participar do maior festival de blues e jazz do país, o que achou?
LM –
Foi grande e muito bom estar lá e ouvir toda aquela diversidade. Tive a chance de ver Marcus Miller, um dos meus heróis. Foi especial por ver a magnitude dos artistas brasileiros que participaram. São grandes estrelas da música, foi uma honra fazer parte disso. Tivemos contato com muitos jovens que gostam de blues e que nos passaram muito boas vibrações.

EM – O que o levou a fundar seu próprio selo?
LM -
Quero fazer a música que eu escolhi. Quando você está em um selo, às vezes eles interferem nas músicas, eles detêm o controle. Dessa forma eu toco o que quiser. O problema é que tenho mais responsabilidade na promoção. Se você está em um selo grande e eles não promovem o teu trabalho eles também perdem. Em um pequeno selo você não lida com grandes números e nem tem muito suporte, mas tem muito mais controle sobre a sua música.             
                 
EM – Blues é is your business. Business is good?
LM –
(risos) Business is business. Sim o negócio é bom. Muitas pessoas na mesma posição que eu têm menos oportunidades. Mas tenho fome. Sou agradecido por todas as oportunidades, mas sempre quero mais.






Um comentário:

  1. Larry cray, to ficando fã do cara e o baixista dele sublinha o groove com um show extra de expressividade facial, lho de sua entrega no palco ...

    ResponderExcluir