sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Os sabores de New Orleans na música de Leroy Jones


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Site da Western Illinois University

Por séculos New Orleans foi a porta de entrada nos Estados Unidos, de piratas, aventureiros, jogadores, exilados, criminosos, escravos, europeus, africanos e caribenhos. 
Cosmopolita e pernciosa ao mesmo tempo, a cidade forneceu o principal elemento para a criação do jazz, sua mistura.
Desse gumbo de pessoas, música europeia, africana e, sobretudo, a pouco lembrada música caribenha, nasceu a maior forma de arte norte americana. 
Louis Armstrong, Jelly Roll Morton, Buddy Bolden, são frutos desse melting pot. Mas, se em sua época foram considerados inovadores, hoje representam a tradição e a sombra desses gênios cobre de influências os músicos locais. 
É interessante e instigante pensar que hoje New Orleans vive essa situação: carrega o peso de ser o berço do jazz e ao mesmo tempo despeja no mundo musical centenas de jovens músicos ávidos pelo novo, que misturam ao som de Louis Armstrong, o funk de James Brown, guitarras e o som eletrônico. 
Leroy Jones é um desses músicos. Carrega o peso da história, mas também a vontade e capacidade de inovar. 
Ele me contou que começou a tocar um instrumento aos dez anos e aos 12 passou a liderar a Fairview Baptist Church Marching Band. Coisa rara nos anos 70, uma brass band liderada e tocada por jovens músicos.
Longe de ser considerado um novato, Jones não perde a luz do farol dos novos tempos. Em 1996 gravou o excelente Props For Pops, uma homenagem a Louis Armstrong com novos arranjos e novas abordagens com a participação do pianista Harry Connick Jr. 
Vinte anos depois I’m Talkn’ Bout New Orleans ainda mostra a disposição pela busca por inovações. Seu mais recente trabalho é composto por 10 temas e um bônus que, como ele mesmo gosta de dizer, é música de altísssimo nível repleta dos famosos New Orleans flavors.    
Jones adora contar as histórias da sua mítica cidade natal. Da meia hora de troca de ideias entre nós extrai as informações abaixo. Em uma verdadeira noite de música, conversa e birita. O palco, o Boubon Street Music Club, a casa que ainda preserva a boa música e o bom convívio. 

Quem quiser curtir os New Orleans Flavors terá uma boa oportunidade em breve. O 14º Bourbon Street Jazz Festival trás esse ano o baixista Tony Hall & The Heroes e Mahogany Blue. Veja matéria específica em breve aqui no Mannish Blog.


Eugênio Martins Júnior – Você começou tocar aos 10 anos e aos 12 já liderava a banda da igreja?
Leroy Jones – Realmente, comecei a tocar aos 10 anos na banda da escola, onde comecei a ter aulas de música. Dois anos depois comecei a tocar corneta, antes do trompete que foi só depois de um ano. Tornei-me líder da banda fundada por Danny Barker e pelo reverendo Andrew Darby, pastor de uma igreja batista nos anos 70.  

EM – Muitos músicos começam a tocar na igreja, mas no fim das contas os clubes noturnos sempre levam sua alma, não é verdade?
LJ – Acho que isso cria cantores cheio de alma, você sabe, Aretha Franklin, Anita Baker e Ella Fitzgerald. Acho que essas mulheres representam bem isso. Em New Orleans temos Mahalia Jackson que nunca se distanciou da igreja e que permaneceu cantando canções seculares como uma verdadeira cantora gospel. Tanto nos músicos quanto nos cantores, a tradição afro-americana vêm das work songs, blues, spirituals. Todas essas coisas ajudaram a criar a música que ouvimos hoje. Todas elas nasceram no sul profundo, onde fica New Orleans. A música tinha o propósito de ajudar os escravos que passavam o dia inteiro colhendo algodão nos campos. As field songs e work songs os ajudavam a passar o dia de um trabalho duro pelo qual eles não eram pagos para fazer. 

EM – Houve uma época em que os cantos no trabalho e nas igrejas formavam uma grande corrente de cantores.
LJ – Definitivamente há uma relação entre ambos. E foi isso que ajudou Ray Charles a criar suas linhas rítmicas e harmônicas, apenas mudando as letras, fazendo com elas fossem mais sensuais em vez de espirituais. 

EM – Gostaria que falasse sobre a influência dos furacões na vida e na música dos residentes de New Orleans. Troy Andrews tem uma música chamada Hurricane Seasons.
LJ – Gravei um CD em 2009, quatro anos após o Katrina, chamado Sweeter Than a Summer Breeze. Compus essa canção quando minha esposa e eu fomos evacuados de New Orleans e só pudemos voltar à minha casa após seis semanas. Durante o tempo em que ficamos na casa de amigos em Dallas, no Texas, escrevi uma peça instrumental chamada Katrina. É uma música bem calma, quase um lamento, expressando a minha disposição com aquela situação triste e insegura com relação ao meu retorno. Não sabia o que poderíamos salvar devido o nível em que chegou a inundação após o rompimento dos diques. E no final, quase tudo o que possuíamos foi perdido. Mas por outro lado ficamos felizes e agradecidos por estarmos vivos, considerando o fato que muitas pessoas se afogaram por não conseguirem fugir a tempo. Acho que músicos como Troy Andrews e outros acharam um jeito de expressar todos esses sentimentos e a experiência pela qual passaram.


EM – Você conseguiu salvar os seus instrumentos?
LJ – Peguei meu instrumento principal. Perdi alguns trompetes e um flugelhorn. Ainda o tenho, mas não uso para tocar, virou decoração.       

EM - New Orleans é o berço do jazz, mas também é uma cidade aberta às inovações musicais. Bons exemplos disso são a banda de Trombone Shorty e o Bonerama. Gostaria que falasse sobre isso. 
LJ – Não só eles, também me incluo nisso. Minha música é composta por canções que não necessariamente podem ser chamadas de tradicional. Claro que tenho muitas coisas que podem ser chamadas de tradicional, mas gosto de dizer que toco música tradicional com os sabores do século 21. Tem um apelo para as audiências atuais e para as audiências que ouvem a música do passado. Espero sempre que a minha música possa amealhar novos ouvintes. O que é diferente de querer fazer com que os adolescentes ouçam Louis Armstrong e os Hot Five, que foi onde a música começou. Sua fundação. Como músico, é claro que ainda ouço, mas não acredito que os jovens músicos busquem essa fonte. Mas se você considerar o fato que New Orleans e sua música vem tendo influência em diferentes culturas, podemos considerar que isso é uma espécie de DNA, um tipo sanguíneo que pode ser reconhecido. E isso é importante. Não interessa se você toca o som tradicional ou de forma exótica,  funk ou fusion, você sempre carrega o som de New Orleans. Seja os Meters, Neville Brothers, Young Tuxedo Brass Band, Eureka Brass Band, Baptist Church Brass Band, Dirty Dozen Brass Band, Rebirth Brass Band ou Leroy Jones Hurricane Brass Band. E ainda temos os grupos dos índios negros (black indians) que têm toda uma cultura, mas usam os mesmos ritmos. Tudo isso é New Orleans. Está tudo conectado. São reconhecíveis. Você citou Trombone Shorty, ele é muito influenciado pelas brass bands e jazz tradicional, mas ele também têm influências do guitarrista Lenny Kravitz. Você sabe, a música de Henrty Butler sofre influência de Professor Longhair, James Booker. Isso é New Orleans.

EM – Talvez por que haja um delay de cem anos entre os primeiros nomes do jazz de New Orleans e as novas gerações?
LJ – Bem, não sei. Quando a Fairview Band foi montada a idade de todos era abaixo dos 18 e não havia outra banda igual aquela. Agora é diferente, há muitas brass bands em New Orleans do que já houve na história. Antes de nós as brass bands eram compostas por músicos mais velhos. Então, pode ser, as brass bands datam do final do século 19 e sempre estiveram presentes e nós começamos nos anos 70. Hoje podemos dizer que há uma renascença na cidade de New Orleans.


EM - Ainda há o Peservation Hall. Qual é a importância dele hoje?
LJ – Toquei no Preservation Hall em 1994. A maioria das pessoas acham que a banda é composta pelos velhos músicos negros. Mas o Preservation existe desde 1961 e começou mesmo desse jeito, quando comecei a tocar lá a experiência de alguns músicos eram maior do que a idade dos meus pais. Depois passou receber mulheres como Janet Kimble (piano), Blanche Thomas (cantora), Sadie Goodson (piano). Naquela época poucas mulheres tocavam jazz, atualmente há mais mulheres tocando em New Orleans, a minha mulher, Katja Toivola (trombonista) tocou no Preservation e as jovens Meghan Swartz (pianista) e Amy Shaw (violinista) também. 
A coisa tornou-se mais integrada em New Orleans, não só os músicos negros, mas os brancos da cidade, europeus, da Inglaterra, Suécia, que vieram a cidade interessados em jazz. E o Preservation Hall estabeleceu-se como o lugar de guardar a tradição, mas também está aberto aos jovens músicos.       

EM – Você se considera um guardião dessa tradição?
LJ – Não me considero guardião de coisa alguma. Sou feliz com o que faço, que é tentar tocar alguma música que as pessoas gostam de escutar. Tento tocar a música em alto nível para os fãs de música. Quando as pessoas vêm para me ouvir sabem que vão ouvir alguma coisa realmente boa. E que vão ouvir alguma coisa de New Orleans. Sou um músico de New Orleans, tenho minha influência do bebop, mas tudo na música é relativo. Gosto de tocar música que as pessoas se sintam bem espiritualmente. A música tem poderes terapeúticos. Deixa você jovem.  

EM – Sempre escolho um disco para o artista comentar, de acordo com meu gosto, é claro. No seu caso, gostaria que contasse a história do magnífico Props For Pops.
LJ – Também gosto muito desse álbum. Foi o segundo que gravei pelo selo da Columbia, o primeiro foi Mo Cream From the Crop, é um tributo a Louis Armstrong que tem vários músicos convidados. Entre eles, Harry Connick Jr, que não podia usar o nome porque estava sob contrato de uma gravadora. Foi creditado como Richard Rhypps, mas é ele quem toca piano em Props For Pops e em Ain’t Misbehavin’, além das maravilhosas orquestrações que fez para What a Wonderful World e When It’s Sleepy Time Down South. Também usei músicos diferentes como Kerry Lewis e Reginald Veal que tocou com o Wynton Marsalis Septet, no baixo. Shannon Powell e Gerald French na bateria. E os caras da minha banda, o trombonista Craig Klein, o baterista Glenn Patscha, e o multi-instrumentista Thaddeus Richard. Esse é um grande álbum, mas para mim a abordagem que tenho com a música vem melhorando em cada álbum desde Props From Pops.


EM – Certo. É por isso que o seu mais recente álbum, I'm Talkin 'About New Orleans, é uma mistura de ritmos? 
LJ – Sim, com exceção de Two Five One, uma parceria com o cantor e compositor Paul Sanchez e é um álbum com composições originais com um pouco de tudo que formou a minha personalidade musical. Em New Orleans nós escutamos de tudo. 

EM – New Orleans é quase uma cidade do Caribe.
LJ – Sim, new Orleans é considerada a cidade mais ao norte do Caribe. Cresci ouvindo Bob Marley, Skatalites, funk, jazz fusion. Então esse album tem um pouco de mardi gras, calypso, suingue, ritmos importantes, que me fizeram ser o que sou hoje.

EM – Você tocou com Eddie Vinson e Della Reese. Gostaria que falasse sobre essas experiências.
LJ – Voltando aos meus vinte anos, nos anos 80, inauguraram o Inter Continental Hotel na avenida St Charles e que foi alugado para uma feira, ou exposição e eu tinha um quarteto que se tornou a banda residente. Então Della Reese foi uma das convidadas do meu quarteto por algumas noites e nunca vou esquecer do pianista que a acompanhava. Um ano depois estava no Canadá, em Vancouver, tocando com músicos locais muito bons e conheci Eddie “Cleanhead” Vinson. Ele ainda tocava um bom sax alto, mas estava cantando mais, fazendo hits do blues e jazz standards. Como um jovem de 20 anos foi experiência única. 




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