quinta-feira, 3 de junho de 2010

Adriana: a nova voz do clã Peixoto


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Camila Rodrigues

A linhagem musical começou com o velho Nonô, tio avô que, entre outros artistas, acompanhou Noel Rosa e Carmen Miranda. É filha do lendário pistonista Araken Peixoto, sobrinha do maestro Moacyr Peixoto e dos cantores Cauby e Andyara Peixoto. Prima de Ciro Monteiro e Dalmo Medeiros, do grupo MPB 4.
Adriana Peixoto não tem nenhum problema em ostentar o parentesco. Ao contrário, se isso lhe abrir portas, muito que bem.
Mas a real é que ela nem precisa. Tem talento e labuta de sobra para irradiar luz própria.
Além disso, tem bom gosto. Isso fica claro pela escolha do repertório para o show que fez no Sesc Santos, em maio, e também nas apresentações que faz no Bar Brahma, todos os sábados, em São Paulo. Uma temporada que já dura um ano.
Eliminando alguns exageros no palco e com uma boa produção artística, tem tudo para chegar ao topo, podendo se tornar uma das grandes cantoras do Brasil.
Essa entrevista exclusiva ao Mannish Blog foi concedida logo após o show, no dia 15 de maio de 2010, no Sesc Santos. A apresentação fez parte do Projeto Voz de Mulher, realizado pelo Sesc Santos, Agência Urbana e Mannish Blog. Curta Adriana.

Eugênio Martins Jr – Como foi sua infância como filha de Araken Peixoto?
Adriana Peixoto – Meu pai, um homem presente, pai único. Lutou para educar os três filhos, lutou com a música. Grande músico, tocava em quatro casas na noite e chegava em casa de manhã. Mas educou os três filhos sempre com muito amor. Mesmo cansado sempre estava disposto a conversar e dar carinho. Esse é o Araken Peixoto.

EM – E musicalmente, como ele te influenciou?
AP – Qualidade. Me ensinou aprender a ouvir Eliseth Cardoso, Ângela Maria, Clara Nunes, Gal Costa, Maria Bethânia essas grandes divas. O primeiro show da minha vida foi no antigo Palace. Gal Costa... chorei. Devia ter oito ou sete anos. Eu falava: “Quero ser ela”. Um vestido vermelho que eu nunca vou esquecer. É o show da minha vida.

EM – Qual foi o maior aprendizado que o Araken te deixou como músico.
AP – Meu pai era pistonista e ele sempre falava: “Filha, você é cantora, então vou te dar uma dica, pega o meu bocal do piston e fica soprando”. Eu tinha uns 16 anos e não sabia o objetivo daquilo, mas ele disse que era um bom exercício e eu fiz. Mais pra frente, quando sai da faculdade e fui para a noite cantar, percebi que algo era muito forte que era a extensão de voz. O que fez esse exercício, essa técnica de ar, que é do diafragma. Isso foi automático. Fiquei durante muito tempo, não treinava todo dia. Ficava no quarto, imitando músicas com o bocal. Isso vai ficar para sempre.

EM – E o titio Cauby?
AP – Ahh, titio Cauby é qualidade. Respeito também. Não que meu pai não tenha mostrado isso. Mas até hoje tio Cauby fala: “O público merece respeito. Então seja “a” artista, não seja mais uma, cantando e interpretando”. E isso é a minha lei. Respeito ao público.



EM – E qual foi a mulher que você se espelhou?
AP – Minha mãe. É a maior heroína da minha vida. Ela me fez ser mulher. Fui cantora da noite e ela me ensinou a ter respeito por mim. Ela dizia: “Olha, faça seu trabalho e volta pra casa. Descanse que manhã é outro dia”. Muita gente que canta na noite e continua. Bebe, fuma. O meu intuito na noite trabalhar.

EM – Quanto tempo você está na noite? Você ainda faz? O que a noite representa para você?
AP – Sim, estou com uma temporada no Bar Brahma, há um ano, todos os sábados. A noite para mim é uma faculdade. Você aprende muito. Olhar para o público com respeito e ele sabe. As pessoas vão para os bares para conversar e ouvir. Eles não olham, mas estão ouvindo.

EM – E esse primeiro CD, como surgiu?
AP – Cantava no Estação Brasil, em São Paulo. Teve um show com a participação de Cauby e tinha umas empresárias que pensaram: “Pô, porque essa pessoa não tem um CD?”. (risos). Pra mim, na vida tudo tem um momento. Nunca havia pensado em gravar um CD. Nas coxas, sabe? Não, tinha de ter esse momento. O tio Cauby estava na situação e eu disse a ele que teria a oportunidade de gravar um CD e ele virou e disse: “Vou gravar com você Altos e Baixos”. Mas foi assim. Estava um pouco nervosa por gravar um CD, mesmo independente. Senti que naquele momento era a hora. A primeira coisa que eu fiz quando cheguei em casa foi ouvir Altos e Baixos.

EM – Com a Elis?
AP – Sim, a única. Elis Regina. A única cantora que gravou. Eu fiquei assim na cadeira. Ele não tinha me dito que a Elis havia gravado. Só havia dito que era uma composição da Sueli Costa e do Aldir Blanc. Ela é minha diva. Aprendi a interpretar. Eu sei o que ela quer. É emocionar com a música. No dia gravei em dez minutos.

EM - No primeiro take?
AD – É, entrei no estúdio com tio Cauby, ele tirou a blusa ficou de camiseta, e disse: “Vai”. Eu entrei no aquário e em dez minutos ficou pronta.



EM – Vocês têm um bom relacionamento?
AP – Muito bom. Tio Cauby se tornou um paizão depois que meu pai faleceu. É que a vida é muito corrida. Eu trabalho muito e ele também. Vou muito ao Bar Brahma e à casa dele também, mas não diariamente. Como ele fala. “Vamos nos olhar”. (risos). E gente está sempre se olhando.

EM – O repertório do teu show é muito bom. Acredito que essa escolha faz você ganhar 50% do jogo. Como você faz essa escolha?
AP – Quando surgiu a oportunidade de gravar esse CD, entrei em contato com meu primo Dalmo e ele me disse: “Prima, seu CD já está pronto”. E começou a me mandar várias músicas em MP3. Músicas de Danilo Caymmi, Miltinho, Paulo César Pinheiro, Marcelo Guimarães. A Isolda é uma grande amiga, já havia me presenteado com a música Encontro. Uma música linda, de amor. A Sueli Costa que é uma pessoa muito especial, que fez essa poesia. Quando eu escutei Elizeth, ela me mandou um CD com ela mesma cantando e disse que era pra mim. Quando eu ouvi também achei. Liguei pra Sueli na hora e ela me contou como compôs essa canção. Ela me disse que tem um gato que fica na janela e que mora na lagoa e que a lua fica lá na janela. Muito bonito isso. Olha, foi tudo se encaixando, não foi nada marcado. O Miltinho, do MPB-4, fez uma música linda com o Paulo César Pinheiro que se chama Passagem da Ilusão e disse que era minha. Imagina a emoção. Meu intuito de trabalho é qualidade, é poesia. O público tem de entender essa poesia que é a verdadeira música brasileira. Tem duas músicas no show que foram sucessos na década de 30, que são Reza Por Nosso Amor e Pro Seu Governo. Que são de compositores que estouraram na época, Aroldo Lobo e Osvaldo Monteiro. Eles fizeram aquela música (e canta): “Tristezaaa, por favor vai emboraaaa. Essa alma que choraaaaa...”, lembra? Quem canta é o Jair Rodrigues. Novos poetas, antigos poetas. Antigos pelo tempo, mas que têm obras muito atuais.

EM – Gostaria que você falasse um pouco da Isolda, porque ela está um pouco afastada. Pra mim é uma das maiores compositoras do Brasil. Compôs Música e Letra, Um Jeito Estúpido de Te Amar, Pelo Avesso e Amigos, Amigos, todas em parceria com o irmão Milton Carlos, e tantas outras que não me lembro agora. Como é a Isolda? Ela é reclusa?
AP – A Isolda hoje é dona de uma editora. A filha dela é escritora de livros infantis e hoje ela está direcionada para isso. Fiquei super feliz quando ela me deu um CD com algumas músicas. E algumas músicas de Isolda é preocupante. Como de qualquer grande compositor, concorda?

EM – Sim. Mas me diz, ela tem um baú no fundo da garagem com várias composições inéditas? (risos).
AP – Não sei, mas ela me deu bastante. Eu Disse a ela, como eu fiz com Elizeth, da Sueli: “Isolda eu posso gravar essa e essa outra aqui eu gravo no próximo”. (risos). Ela disse para eu ficar à vontade. Esses compositores são pessoas que merecem todo o nosso respeito.

EM – Fala um pouco sobre essa banda que te acompanhou hoje.
AP – Eles são o presente e futuro da música. Hoje é a minha família. Temos um elo muito forte de criticam de carinho, estamos crescendo juntos.



EM – Quais as cantoras que você escuta hoje? Você tem o hábito de garimpar?
AP - Eu escuto tudo. Ontem, por acaso, estava escutando Alceu Valença que eu amo. Zé Ramalho. Ana Carolina, linda. Vanessa da Mata, espetacular. Maria Gadu, Bruna Caram, linda, grande compositora. Gosto muito do trabalho dela. Ana Cañas. São tantas que eu fico sem graça de falar, esquecer alguém.

EM – As estrangeiras você curte?
AP – Escuto mais MPB. Mas gosto de ouvir Nina Simone, Joss Stone. Há momentos que eu gosto de escutar, às vezes estou no computador e curto ouvir jazz. Mas não entendo muito o inglês.

EM – O Cauby canta música brasileira com conotação jazzística.
AP – No momento ele está gravando Cauby canta Sinatra. Está lindo. Não é por ser sobrinha, mas tá jogando uma bola viu. (risos).

EM – Esse foi o teu primeiro show em um teatro grande? Senti que você estava muito ansiosa e feliz.
AP – (risos) Fiz um grande show no teatro Rival Petrobás, que foi ótimo, mas eu nunca cantei no Sesc e esse teatro aqui de Santos é espetacular. Ele é enorme, mas às vezes o senti pequeno, acho que por causa da energia. Isso me deixou muito emocionada. O público fica muito perto apesar do tamanho.



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