quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Nascido no norte da França, Nicolas Krassik adota o nordeste do Brasil


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cláudio Vitor Vaz

Essa entrevista foi realizada às vésperas das Olimpíadas do Rio de Janeiro. A despeito do ufanismo que um evento desse provoca no brasileiro, a festa de abertura até que foi bacana. Em decisão acertada, as feras Fernando Meirelles, Debora Colker, Daniela Thomas e Andrucha Waddington, diretores da cerimônia de abertura, optaram por economizar na grana e mostrar ao mundo, entre tantas belezas do Brasil, sua música.
Em poucas horas, cinco bilhões de pessoas ao redor do planeta ouviram Paulinho da Viola cantando o hino, Wilson das Neves batendo na caixinha de fósforo, Jorge Benjor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elza Soares, Marcelo D2, Zeca Pagodinho e até Anita, que havia causado tanta controvérsia, se deu bem.
Nascido em Paris, que tanto nos influenciou e influencia com sua cultura, Krassik veio ao Brasil atraído pelo nosso canto das sereias. E por aqui ficou. Primeiro se estabelecendo no Rio, depois percorrendo o Nordeste atrás de seus ritmos.
E é essa música mítica que o francês busca e tenta reproduzir.
Se na fala seu sotaque pouco aparece, na música ele é evidente. Misturando a escola clássica com o jazz, Krassik entra de cabeça, e quadris, nos ritmos dançantes e históricos brasileiros.
Quem acompanha as diversas correntes da música brasileira sabe que lá fora muitos músicos são venerados. Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, João Gilberto, João Bosco, Milton Nascimento são alguns.
Mas não foi por eles que veio Krassik. Apesar de ser fã da música de João Bosco, o francês se aliou aos desconhecidos Nelson da Rabeca, Luiz Paixão, Mestrinho e outros.
Já havia gravado os CDs Na Lapa e Caçuá quando criou o grupo e gravou Cordestinos. Sua terceira incursão ao estúdio trouxe a visão sobre nossas batidas ancestrais.
Cordestinos une o violino e a rabeca ao baixo e à percussão pra soar único. Apesar de instrumento genuinamente brasileiro, a rabeca é pouco conhecida abaixo da linha do preconceito. É o que mostram os rabequeiros do centro de São Paulo e dos forrobodós espalhados no sul maravilha. Vocês sabem quem eles são? Então, que venha um francês pra reforçar o que temos de melhor.


Eugênio Martins Júnior - Estava ouvindo você dizer que hoje se considera mais brasileiro do que francês. Você está no Brasil há quinze anos, já incorporou o jeitinho brasileiro?
Nicolas Krassik – Um pouquinho. Tenho quarenta e sete anos e moro no Brasil há quinze. Estou tentando pegar o lado bom e manter o lado bom do frânces também. Fazer essa mistura que é mais interessante. Acho que hoje tenho uma naturalidade mais brasileira do que francesa. Tanto que quando estou na França me sinto às vezes turista. Me sinto diferente.

EM - Você tem formação erudita, mas se bandeou pro lado do Jazz. Como se deu isso?
NK – Comecei a tocar violino aos seis anos. Meus país tocavam, meu irmão mais velho tocava também. Então fui no caminho tradicional, violino clássico. Aprender a técnica e o repertório da música clássica. Quando tinha 15 ou 16 anos comecei a gostar de rock e da guitarra. Depois passei a me interessar por jazz e descobri um violinista, Didier Lockwood, que foi discípulo de Sthepane Grapelli, e depois Jean Luc Ponty. Tocavam um jazz bem rock and roll e era exatamente o que eu procurava.

EM – O Ponty tocou na banda do Frank Zappa, um dos maiores nomes do rock and roll.
NK – Isso. E o Didier trocou em uma banda importante chamada Magma. Era um tipo de música que eu achava incrivél fazer no violino. Pedi o conselho a um amigo baterista e ele me disse pra estudar jazz porque isso me possibilitaria tocar qualquer coisa. Entrei em uma escola e acabei gostando mais de jazz do que de rock. Toquei um bom tempo acompanhando os músicos de lá. Toquei com o Michel Petrucciani, no quarteto de cordas que o acompanhava. Toquei em uma banda com vários violinistas montada pelo Didier Lockwood. Fazia muitas coisas ligadas ao jazz quando descobri a música brasileira.

EM – No jazz você descobriu a música brasileira? 
NK – Não foi no jazz. Um Músico de jazz com quem eu tocava era apaixonado pela música brasileira. Ele era compositor e violonista e seu ídolo máximo era o João Bosco. Então comecei a escutar o João e a MPB em geral. Comecei a frequentar festas e lugares onde tocava música brasileira, onde se dançava. Então eu tocava jazz e meu lazer era curtir música brasileira. Jogava capoeira, dançava, dava canja e todo fim de semana estava lá com os brasileiros de Paris. Em um determinado momento decidi vir ao Brasil, passar umas férias. Vim na época de carnaval.

EM – Já tinha na cabeça que ia morar aqui?
NK – Não. Era impossível morar fora da França. Nunca fui de viajar muito, de ser mochileiro. Passava as férias com a minha família no sul da França, na Normandia, sair da França era totalmente surreal pra mim. Daí que um casal de amigos franco-brasileiros me chamou pra passar as férias e eu fui. Passei uns dias em Vitória, uns dias no Rio, uns dias na Bahia e adorei. Tive uma lembrança muito forte do Rio de Janeiro, querendo voltar. Mas de uma forma mais normal, não no carnaval. Não se toca a mesma música durante o ano no Rio do que na época do carnaval. Me preparei uns cinco meses pra voltar e passar mais tempo, guardar dinheiro, etc. Quando cheguei fui direto pra Lapa. Nessa época estava fervendo de novidades, movimentos musicais de choro e samba. Muita gente começando a aparecer, Yamandú, que conheci lá, Tereza Cristina, uma geração que explorava a música brasileira de uma forma que me interessava. De uma forma às vezes jazzística. Percebi que aqui tinha um material pra me desenvolver e enfim encontrar meu estilo de tocar.


EM– Nesse momento você percebeu que a música brasileira ia te dar o que precisava?
NK – Exatamente. Queria juntar a minha festa, meu lazer, ao que era o meu trabalho, um pouco mais cerebral, no jazz. Comecei a achar que não era normal escutar tanta música brasileira e não fazer aquilo. Essa foi a minha busca vindo pra cá. Encontrei músicos que faziam isso, repertório do Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Cartola. Com improviso pessoal, tocando como se fosse temas de jazz, mas misturando o jeito brasileiro. Claro, tudo é fruto de mistura.

EM – O povo brasileiro é o mais antropofágico do mundo.
NK – Sim, transforma tudo em produto nacional. (risos)
E não é fácil misturar e ficar interessante. O Brasil é um exemplo. Às vezes escuto uma música com elemento europeu, africano, daqui e no fundo dá uma música impar. É incomparável.

EM - Como é vista a música brasileira lá fora? O que aparece mais, os ritmos rebolativos da televisão ou a música instrumental brasileira, o jazz BR?
NK – Hoje não sei te dizer. Acho que melhorou em relação ao Choro. Mas vão muitas coisas que eu não curto. Refrões muito faceis de lembrar, não vou citar nomes, isso sempre chegou. Quando eu morava na França chegava muito mais a MPB. Não estou falando da música instrumental, isso era num meio muito fechado. Quem conhecia o Egberto Gismonti era o publico de jazz, que não é o maior público do mundo.

EM – A música instrumental brasileira sempre teve um presença forte na Europa. A Tânia Maria mora na França. O Raul de Souza morou lá. Os brasileiros têm sempre sua noite lotada no festival suiço de Montreux. 
NK – Sim, tem uma galera que faz sucesso com coisa boa. Mas chega a parte ruim também. Esse movimento do choro através do Hamilton de Holanda e Yamandú deu muita visibilidade à música instrumental brasileira. Eles não foram os primeiros, mas o choro teve mais repercussão lá fora.

EM– O que é mais difícil pra um gringo que chega aqui no Brasil? Digo, querendo se inserir no contexto musical?
NK – O que me ajudou muito é que havia acabado de participar em um festival na Alemanha que homenageava o Pixinguinha. Eu havia estudado algumas músicas dele e como improvisador inseria algumas coisas. Nessa parte musical, o primeiro contato foi fácil. Acho que o músico, de uma forma geral, se souber improvisar não é difícil de entrar. As pessoas são muito abertas no Brasil. Fui extremamente bem recebido. Sempre andava com meu violino e era chamado pra dar canja. Não tive dificuldade. Foi maravilhoso. O mais dificíl foi manter a comunicação, tocava muito bem, mas não sabia o que falar. A música já é uma forma de comunicação, mas o ser humano gosta de saber com quem está lidando. Se é uma pessoal legal ou não. A minha sorte foi saber falar um pouco do português. Quase não enfrentei essa barreira.


EM – Você quaae não tem sotaque.
NK – Hoje não. Naquela época conseguia falar com as pessoas, me tornar amigo e voltar. Amizade é muito importante. É claro que tive dificuldade musical. Tive de estudar muito repertório, muitas músicas, muitas notas. O difícil é pegar o sotaque da música. São referências diferentes.

EM – Acho que o brasileiro quando vai pra fora não vira gringo, mas o gringo quando vem pra cá vira brasileiro. Procede?
NK – (risos) O gringo vem porque gosta do Brasil e o contrário nem sempre é verdadeirao. A dificuldade na vida leva muitos brasileiros a sair. Não vão para um país porque adoram sua cultura. Vão pra abrir um mercado. Teve gente quase me agradecendo por estar aqui aprendendo a música brasileira. Não vim para procurar trabalho. Não era meu objetivo. Vim para aprender.

EM – A profusão de ritmos do Brasil?
NK – Minha dificuldade sempre foi essa? Pegar a ginga, a malandragem. Eu não nasci com esse ritmo. Quando você nasce tem mais facilidade.



EM – Já que você citou, o Hamilton de Holanda fundiu o choro com o jazz. Você colocou o violino no forró. Com os aparatos tecnológicos a globalização chegou na música pra ficar. O purismo morreu?
NK – Acho que não. O choro continua existindo. Quem quiser experimentar pode, mas não impede quem quer ficar no tradicional. O forró a mesma coisa. Misturar o jazz com outras coisas não mata a música original. Se der sorte vai nascer outra coisa. Acho que o buraco é mais embaixo. O que mata a cultura é o baixo nível musical. Adoro misturar tudo. Venho da música clássica e hoje nem penso no que estou tocando. Toco o que vem na minha cabeça. Mas também defendo a tradição. No meu repertório sempre tem choro, uma música do Dominguinhos, forró. Sempre toco coisas mais tradicionais, mas à minha maneira porque eu sou uma mistura. Mas o purimos não morre, não. Ele fica ali, sempre vigiando. (risos).

EM - Gostaria que você falasse sobre a rabeca, instrumento primo do violino. Pouca gente conhece esse instrumento, mesmo no Brasil. Como foi teu encontro com ela?
NK – Descobri a rabeca em um evento no Rio de Janeiro sobre a cultura alagoana. O Nelson da Rabeca era uma das atrações no Semente, um bar importantíssimo que frequentava na Lapa. Vi que ele estava tocando um instrumento pareceido com o violino, mas em outra posição. Era uma coisa muito mais rústica, menos elaborada na fabricação, mas um suingue incrível. Zabumba, triângulo, rabeca e a mulher dele cantando. Fiquei apaixonado, comprei um disco e comecei a estudar as músicas dele. Mas o contato mesmo, de pensar em montar um projeto com a rabeca foi na época do meu terceiro disco, o Caçua. Já estava quase todo gravado quando fui passar férias em Olinda. O Luiz Paixão, que é de Pernanbuco, estava hospedado na casa do amigo francês que me recebeu e a gente ficou lá tocando, ele violino e eu rabeca. Ele que é um mestre da rabeca me mostrou suas músicas, muitos rabequeiros foram influenciado por ele. Então aluguei um estúdio para gravar umas músicas dele, só para quando chegar ao Rio gravar algumas coisas em cima e tê-lo como participação no meu disco. Meu terceiro disco fecha com um popurri de rabequeiro, dele e do Nelson da Rabeca. Aí montei um grupo com violino e rabeca, contrabaixo e percussão, que é o projeto Cordestinos, inspirado no Pife Moderno do Carlos Malta. Essa coisa de juntar saxofone com flautas tradicionais, pífanos. Apesar de ser muito diferente me inspirei no trabalho dele. Falo abertamente isso. O nosso é mais forró mesmo. Vou mais no baião e no xote. Também comprei uma rabeca e tive a sorte de ser chamado pra gravar com o Gil, foi onde toquei mais essa rabeca.
No meu grupo não toco. É um instrumento que tem afinaçõs diferentes, fica no braço em vez de ficar no ombro, e apesar de eu tocar na posição do violino. É um som que parece que com apenas uma nota te leva direto para o Nordeste.

EM – É impossível ignorar o momento político traumático pelo qual a França está passando? Gostaria que comentasse.
NK – Não só a França, o mundo está uma bomba relógio. A França é mais visada porque tem um passado muito pesado. Não sou bom pra falar de política nem de história, mas a colonização, a imigração e o fato de os imigrantes não serem bem tratados, onde tem muita segregação, muito gueto aumenta isso. Estudei em um suburbio de Paris e lá tem uma concentração muito forte de africanos, árabes, onde há muita miséria. Não se compara à miséria de um subúrbio do Rio, mas convivi com isso e era bem pesado. Os filhos e netos de imigrantes não têm muito acesso às coisas, são isolados, são rejeitados, ficam entediados. Penso que essa revolta que eles nutrem contra o país o qual nasceram pode colocá-los como um alvo fácil para uma lavagem cerebral, alguém jogar veneno. Acho que lá existe um monte de soldados prontos para atacar. Outros países talvez tenham menos do que lá. E uma coisa vai piorando a outra. Isso está gerando o racismo, mais segregação, alimentando a raiva deles, que são franceses e não são reconhecidos como tal. Veja quantos jogadores do time que a França ganhou a copa eram franceses.

EM – Zinedine Zidane, o líder deles era argelino, onde a França tem uma história pesada.
NK – Exatamente. Então, eles são franceses. Acho que o inimigo número um do Estado Islâmico são os Estados Unidos, mas o segundo é a França. É dramático. É assustador.

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