quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Gaitista brasileiro Alex Rossi lança na Europa CD com músicas de Tom Jobim

Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Divulgação e internet

A probabilidade de uma pessoa crescer ao lado de uma fábrica de instrumentos musicais é pequena. A probabilidade de crescer ao lado de uma fábrica de instrumentos musicais e poder atravessar suas dependências todos os dias é remota. Agora, a probabilidade de crescer ao lado de uma fábrica de instrumentos musicais e poder atravessar todos os dias as instalações, ouvindo a afinação dos instrumentos e ser adotado pelas pessoas que trabalham lá é quase impossível.
Alex Rossi é um dos sujeitos mais sortudos da música brasileira. Nasceu em Blumenau, ao lado da Hering Harmônicas, a única fábrica de gaitas do Brasil e uma das poucas do mundo. Cresceu aprendendo tudo sobre gaita com os caras que construíam e afinavam os instrumentos.
Ele mesmo se considera um chato. Diz que ficava enchendo os funcionários da fábrica sugando tudo o que é informação.
O processo deu resultado. Atualmente morando na Europa, baseado na Bélgica, é músico versátil e sem preconceito, pois transita no blues e na música brasileira.
Acaba de lançar com seu quarteto – Thomas Nobels (piano), Breno Virícimo (baixo), e Luis Matus (bateria) – um CD com músicas de Tom Jobim. São dez temas com participação de Maurício Einhorn e Ludovic Beier.



Eugênio Martins Júnior – Você começou na harmônica porque tinha uma fábrica de instrumento bem no meio do caminho?
Alex Rossi –
Acho que sou um dos poucos que teve contato com um instrumento desde pequeno. Em Blumenau tem um rio no meio da cidade que enche de vez em quando e eu morava em um lado do rio e minha escola e a casa da minha avó ficavam do outro lado. A ponte que unia os dois lados era dentro da fábrica Hering. A gente saia da ponte e dava de cara com uma parede onde estava escrito “Fábrica de instrumentos e brinquedos musicais Hering”. Para chegar a escola eu passava pelo meio da fábrica e ouvia os caras afinando algum instrumento, talvez harmônica ou acordeom. Então desde guri passei a frequentar a fábrica, chato pra caramba. Ia lá e pedia aos caras pra ficar apertando os parafusos, não pedi emprego, só pra ficar por lá olhando e eles deixaram. Só falaram pra eu não atrapalhar. Às vezes ia às cinco da manhã, quando a fábrica abria, às vezes ia mais tarde.

EM – E você ia entrando sem ser barrado?
AR –
Entrava e o dono nem via. Fui conhecê-lo anos depois. Eu sentava do lado do velhinho que afinava e ele me ensinava:”Ó tá mais baixo”. Aí aprendi sobre afinação. Um dia sentava do lado do outro cara que fazia as cromáticas, aprendi a limpar as gaitas. Fiz um estágio não autorizado, ia por que os caras me conheciam. Pô, eles trabalhavam lá desde os 13 anos de idade e já estavam com quase 80. Eu podia estar jogando bola, mas acho que os velhinhos se sentiam honrados de ter um jovem ali. Aprendi como se constrói gaita, como se conserta, afina. O curioso é que ninguém sabia tocar, imagina, o cara via gaita o dia inteiro e nem queria saber quando saia dali. Eu não consegui ninguém pra me ensinar, mas tinha uns livros lá e eu já aprendia saxofone na prefeitura, então juntei tudo.  Mas sempre estive envolvido com música, tocava na fanfarra da escola, minha bisavó e meu tio tocavam acordeom. Às vezes pegava o violão de um primo e arranhava umas coisas, sabe? E depois descobri que a minha avó trabalhou na Hering. Ela colava as válvulas das cromáticas. Estudei na mesma escola toda a minha infância e passava na fábrica todos os dias. Depois de anos fui conhecer o dono. Antes disso os caras já me davam umas gaitas. O fato é que eu era um cara muito chato. Aí conheci um cara que se chama Mario Guise, que era engenheiro e sacava de música, fui na casa dele que era longe, mas ele não me atendeu. O filho dele que ficou com pena de mim me atendeu e me ajudou muito. Ele também trabalhou na Hering e fez um estágio na Hohner, em 1974. Ele era músico, um ouvido perfeito, era engenheiro e sabia muito de gaita. Ele me mostrou uns parâmetros de afinação. Aprendi afinar com os velhinhos, mas o porquê da coisa, a matemática, a física do instrumento aprendi com o Rubens Guise.

EM – Como foi a passagem dessa primeira fase para a próxima, começar a tocar?
AR –
Tinha uns 12 anos. Comecei com a diatônica e depois passei pra cromática, mas não levava a sério. A cromática é mais difícil. Tocava saxofone lá em Blumenau, na Oktober Fest e tal e comecei a juntar as notas do sax com aquelas do livrinho de gaita e fui vendo como esse negócio funciona, sou autodidata. Então, começaram me chamar pra tocar aqui e ali e eu grudei na gaita e não parei. Conheci o Maurício Einhorn em um festival de jazz que tinha umas palestras, não conhecia ninguém e não sabia nada. O Maurício me deu o telefone do Flávio Guimarães e coitado dele. Esse cara sofreu porque eu era um pentelho profissional. Mas estava a fim de aprender e naquela época ninguém tinha discos de blues. Ainda mais lá em Blumenau. No Rio Grande do Sul era diferente, porque tinha contato com Buenos Aires, cujos músicos sempre tiveram contato com os Estados Unidos e Europa. Então alguém me deu uma fita com um som que eu tentava reproduzir, mas tocava aquele negócio errado. E falaram pra mim que era a gaita errada aí eu fui ver como era. Logo conheci o Benevides (Benê Chireia), o Ronald (da Gaita), o Ulisses (Cazallas), cada um mostrando uma coisa, pegava uns exercícios, nunca tive uma aula. Lembro uma vez que encontrei o Benê e ele me mostrou a escala de blues e eu fiquei tocando esse treco milhões de anos. Comecei a tocar com uns caras e quando vi estava abrindo um show do Hermeto Pascoal. E eu nem sabia quem era o Hermeto. Aconteceram várias dessas, se eu soubesse quem era não tinha rolado. Foi meio cair de para quedas. Fui a Secretaria de Cultura perguntar como poderia participar em um festival que ia acontecer e me mandaram levar uma demo. Aí a gente arrumou um estúdio e gravamos um negócio ao vivo e os caras da prefeitura nos contrataram. Eu disse que a gente ia abrir para o Hermeto Pascoal e o guitarrista: “O queeee?!”. Outro dia encontrei o Hermeto e contei essa história pra ele. Nesse festival fiz um monte de contatos, o Luiz Bueno, do Duofel, e foi legal porque foi em um teatro e éramos a banda local. 



EM – Você foi parar lá no Texas e chegou a tocar com Smokin’ Joe Kubek, Curly “Barefoot” Miller, Hubert Sumlin, Magic Slim, Joshua Redman, Susan Tedeschi, David “Honeyboy” Edwards, Phil Guy. Como isso aconteceu?
AR –
Conheci um cara que me ajuda muito, o Richard Chalk, que é o boss da Top Cat Records. Nessa época morava em Rio Grande do Sul e tocava todos os dias em Porto Alegre. Aí o Solon (Fishbone) que me chamava pra tocar direto, conheceu o Richard que veio ao Brasil e eu disse que ia aos Estados Unidos, mas ia para Chicago. Então o Richard disse pra eu passar n o Texas. Dois dias antes de ir, liguei e ele que confirmou o convite. Acabei ficando por um ano.


EM – Espera aí. Você ficou um ano na casa dele?! O que você ficou fazendo lá?
AR –
Eu tocava e entregava pizza. Em 1998 Dallas era melhor que Austin e eu tocava todos os dias em jam sessions ou nas gigs. Eu mal falava inglês, o cara falava shuffle in D, eu sabia que era shuffle em RÉ, mas o Richard falava espanhol. Eu entendia que era slow, que era shuffle e os tons das músicas. Nessa de tocar e ver o negrões tocar todos os dias comecei a ficar amigo deles. Você tem de cavar, os caras estavam tocando sozinhos eu aparecia e eles me chamavam. O lance com a Susan Tedeschi foi por acaso, fui tocar em um teatro e tinha uma mina tocando e eu não sabia quem era e a minha sorte é que o cara do som era mexicano. Liguei a gaita, passei o som e estava tudo bem e a mina veio falar comigo que havia gostado. Fiquei por ali até a hora do show sem ensaio nem nada. Na hora do show ela olhava pra mim com cara de quem estava curtindo. Quando voltei pra casa o Richard me perguntou como havia sido e eu falei que havia tocado com a namorada do Shawn Pittman, um guitarrista fodão lá do Texas, e ele disse que eu havia tocado com a Susan Tedeschi. Excursionei com os caras, gravei discos, Dallas fez a diferença.

EM – Quanto tempo você ficou por lá?
AR –
Fiquei um ano. O Richard tinha uma casa grande eu não tinha muita grana. Eu comecei a dar uma organizada na garagem, no quintal, a casa tinha uma piscina grande que estava verde, cheia de sujeira. Ele teve de viajar, um mês pra gravar, sei lá, e quando ele voltou a casa estava um luxo. Aí o cara se empolgou e colocou um filtro novo na piscina. Mas eu estava sem grana e havia um batera que tinha uma loja de carros usados na esquina onde o T Bone Walker morava e também perto de onde morava o cara que matou o Kennedy (Lee Harvey Osvald) e também era o mesmo bairro que o Stevie Ray Vaughan nasceu, a mãe dele ainda mora lá. E todos os dias tinham coisa pra fazer. Domingo ia a uma jam de blues onde pintavam o Smokin’ Joe Kubek, Sam Myers, uns caras fortes. Era assim, os mais ruinzinhos tocavam no começo e os melhores tocavam no final pra segurar a galera. Chegou uma época que eu estava tocando no final com todos esses caras que você citou aí.

EM - Você morou nos Estados Unidos e veio ao Brasil visitar sua família e depois foi barrado quando quis voltar? É isso?
AR –
Sim, não me deixaram entrar. Naquele tempo eram só três meses de visto. Eu fui para os Estados Unidos com trezentos dólares, sendo que duzentos não eram meus. Eram das pessoas que me pediam pra comprar umas gaitas, microfones (risos). E outra, a passagem também não paguei, fui tocar no Chile e conheci uma mina que trabalhava na American Airlines e ela me descolou uma passagem. Começaram a rolar umas gigs bacanas lá nos Estados Unidos e eu não queria ficar ilegal, então pensei em voltar ao Brasil e pra dar um tempo e depois voltar. Eu voltei e chegando lá não me deixaram entrar, me mandaram de volta. E minha vida já estava estabelecida lá, estava trabalhando direto. Toquei com os irmãos Moeller (Jay e Johnny, Fabulous Thunderbirds), Kim Wilson, Gary Primich.

EM - Depois disso, de toda essa trajetória no blues, tocando gaita diatônica, passou para a cromática? Quando decidiu fazer a mudança e porque? Pra abrir mais portas nos EUA?
AR –
Sempre toquei gaita cromática e saxofone que é um instrumento cromático. Meu pai ouvia muito chorinho, músicas de filmes, música clássica e minha mãe Elvis Presley e Beatles. O que aconteceu é que a diatônica começou a pagar as minhas contas, tinha mais entrada nas bandas de rock, country. Mas sempre estudei a cromática. O Ronald Silva pra mim é um dos melhores do mundo. A cromática não é fácil, tem de praticar todos os dias. Mas você está certo. Não gosto muito desse negócio no Brasil de “circuito blues”. O que eu toco melhor na harmônica é o blues, mas antes de tudo eu sou músico. Agora mesmo quando você me ligou estava tocando para uma cantora holandesa que está gravando na Bélgica. Estava em dúvida em usar a diatônica ou cromática, mas acabei usando a diatônica porque estava mais no clima do som. A gente tem de fazer o que a música pede.


EM – É que tem uns caras aqui no Brasil que ficam nessa: “Meu som é de Chicago”, e criticam os outros músicos que não fazem o mesmo som. Isso é uma tremenda besteira.
AR –
Cara, eu também acho isso chato. Morei nos Estados Unidos, toquei com os negrões lá. Fiz turnê com John Primer e com outros caras. O que eu sei tocar bem é Chicago Blues, mas não sou um cara lento. Sou músico, tenho de pagar as minhas contas.

EM - Como Nasceu a ideia de gravar essa homenagem ao Tom? E como foi a escolha do repertório?
AR –
Antes de te responder, você conhece o disco que eu gravei com o Greg Wilson? É um trabalho que eu acho bem bacana e pouca gente conhece. Vou te mandar. Bom, em 2007 fui morar em Buenos Aires, mas um pouco antes estudei a harmonia da cromática. E Tom Jobim é difícil pra caramba. Estou contente com o resultado. Não sou jazzista, mas gosto de música boa. Tentei fazer um trabalho que tem uma proposta, um projeto novo. Mas também não vejo como uma homenagem, um tributo. Li várias entrevistas, livros, tentei entender o jeito que ele pensava. Acabei descobrindo que ele tocava cromática. Ele tinha um grupinho de cromática quando era guri. Não foi uma decisão da noite pro dia.

EM - Como foi a participação do Maurício Einhorn?
AR –
O Oscar Castro Neves e o Ludovic Beier também participaram. O Maurício gravou um solo em Wave. Conheci o Maurício quando tinha dezesseis anos ou um pouquinho menos. Ele sempre foi legal comigo, ligava pra minha família perguntando como eu estava ou pra dar um alô. Às vezes pra saber o que eu estava fazendo. Ano passado arrumei de gravar a trilha sonora de um filme aqui com a Isabela Rosselini, legal o tema principal na gaita, ficou bem bacana. Ele é um grande fã dela e da mãe dela...

EM – Mas quem não é?
AR –
Pois é, gravei um disco em estúdio, mas algumas gaitas botei depois, entendeu? Pensei em convidar o Maurício, mas sei que ele é um cara de personalidade, sei lá, não custava tentar.  Perguntei quanto é que ele cobrava pra gravar e tal. E foi super legal, gravou de primeira. Isso foi inacreditável, porque ele não faz isso por qualquer um. Vou te contar uma história. Eu trabalhava em uma fábrica e em um dia que saí pra tocar, ganhei mais do que ganhava em um mês inteiro. Quando conheci o Maurício ele me disse um negócio forte: “Cara, vai estudar pra ser médico. Vai tocar gaita, mas como hobby. Se você ama esse negócio faça bem feito”.



EM – Como foi a história com o Toots Thielemans?
AR –
Estava na Argentina quando lancei o primeiro disco pela Top Cat e apareceu a oportunidade de ir para a Polônia. Me trataram super bem lá e enchi o bolso de dinheiro. Aí vim parar na Bélgica. Vim pra cá em 2008, duas semanas de sair da Polônia. Cara eu cheguei aqui e lembrei que o Toots Thielemans é belga. Mas pensei que ele estava nos Estados Unidos faz tempo, mas de repente estava em turnê por ali. Não é que em 20 dias tinha um show dele e que já estava morando na Bélgica de novo...

EM – Mas tem que ter sorte também, hein?
AR –
A Bélgica não estava nos meus planos, depois da Polônia ia para Amsterdã, Paris, mas o que eu queria mesmo era ir para o sul da França. Eu sabia que tinha um festival lá. Mas o cara da gravadora falou pra eu ir para a Antuérpia e que lá tem um bar onde todos os caras de Dallas haviam tocado. Fiquei num hostel e o dono ligou pra o empresário do Toots e marcou um encontro, mas nesse dia ele estava mal no hospital e não virou. Mas ele tinha shows marcados e não cancelou e eu fui em um  e fiquei na porta do camarim. Acabei que consegui entrar e tirar umas fotos com o velho. Foi emocionante. De lá pra cá assisti uns trinta shows dele. Fiquei tão conhecido do Toots e do manager que nem pagava mais ingresso. Nessa época já estava estudando mais a cromática e ver seu show era a melhor aula que alguém poderia ter.

EM – A Harmônica é um instrumento que tem crescido e aparecido no Brasil. Você acompanha esse cenário?
AR –
Não muito, ouço o que as pessoas me falam. Acho que é muito fácil o cara soprar uma gaitinha e fazer uma gig. O cara traz um músico estrangeiro e ele toca, né? Tem de viver, tem de pagar as contas, então ele faz. Acho que precisa respeitar um pouco mais. Mas têm uns caras que eu respeito pra cacete, o Gabriel Grossi é um dos maiores gaitistas do mundo. Acho que o Ivan Márcio tem um som bom. O Flávio não tenho nem comentários.

EM – Volta para o Brasil?
AR –
Acho que vou ficar por aqui. Quero ir ao Brasil tocar. Tenho um disco com o Greg Wilson que foi gravado ao vivo e ficou com um som muito bom. Estou a fim de trabalhar ele no Brasil.




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