sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Francisco Mela apresenta seus afro ritmos em FE

The Crash Trio

Texto e foto: Eugênio Martins Júnior

É muito bom ter uma boa configuração em um aparelho de som para tocar aquele CD de jazz e poder ouvir todos os detalhes da música. Mas, convenhamos, nada supera uma performance ao vivo.
E quando você espera o show durante dias, às vezes meses, e na noite especial fica a menos de cinco metros da música real? Vendo e ouvindo os instrumentos sendo manipulados com maestria pelos seus gênios musicais? 
Assisti o The Crash Trio, de Francisco Mela (bateria), com Santiago Leibson (piano) e Sean Conly (baixo), no dia 29 de agosto, no Bourbon Street Music Club, em sampa. Uma noite memorável de straight ahead jazz. 
Nascido em 1968, em Bayamo, Cuba, Francisco Mela começou a tocar bateria tardiamente, aos 18 anos de idade. Desenvolveu seu estilo com um pé em seu país natal e outro no jazz norte americano. Uma avalanche de ritmos desabando sobre o kit. 
Foi para os Estados Unidos em 2000 para, literalmente, tocar a vida. Lá se enturmou com um pessoal da pesada que inclui Kenny Barron, Joe Lovano, John Scofield, Gary Bartz e nada menos do que o lendário McCoy Tyner.  
Desde então vem desenvolvendo uma carreira que inclui quatro discos solo – Melao (2006), Cirio: Live at the Blue Note (2008), Tree of Life (2011) e FE (2016) - e participações em trabalhos de outros artistas.
Na gig em São Paulo Mela apresentou FE quase na íntegra, e temas cantados de outros discos, ou melhor, recitados, por ele próprio.
Na ocasião da gravação do álbum de 2016, o Crash Trio contava com Leo Genovese (piano) e Gerald Cannon (baixo) e  John Scofield (guitarra) como convidado. FE é um retrato colorido do que é o jazz contemporâneo, traz Mela e banda esbanjando criatividade e, acima de tudo, ousadia. Como o jazz tem de ser.
Subi a montanha entre Santos e sampa de moto numa noite de fim de inverno. O frio e o vento entram em todas as frestas da roupa e, já que a noite no Bourbon Street era de música “meio” cubana, ao chegar ousei esquentar o esqueleto com um bom rum. Como eu disse antes, nada como ouvir  música ao vivo, sempre vale a pena o esforço.


Eugênio Martins Júnior – Como a música apareceu na tua infância em Cuba?
Francisco Mela – Cuba é igual ao Brasil, existe música em todas as esquinas. As pessoas respiram música. Cresci em um ambiente musical, me pai costumava cantar um pouquinho, mas não me tornei músico antes dos 18 anos de idade. Estudava artes plásticas na escola de arte, mas percebi que não seria um bom pintor então acabei saindo. Meu pai disse que eu tinha de decidir o que fazer da vida, poderia ir para escola de dança, pois não tocava nenhum instrumento. Decidi ir cantar em um coro e o tempo foi passando até um amigo do departamento de percussão me mostrar o instrumento. Na hora percebi o que tinha de fazer. Tracei um plano para virar músico. 

EM - Os ritmos cubanos soaram alto na tua alma naquele momento?
FM – Eles disseram que eu tinha ritmo. Posso dizer que era um bom dançarino, sentia o ritmo da música, então marquei uma audição no departamento de percussão e passei. 

EM – Hoje você faz um jazz forte e moderno. Gostaria que falasse sobre isso em ralação à tradição do jazz cubano, um dos melhores do mundo.
FM – Sim, sim. Em Cuba tocamos o Latin Jazz, que é muito famoso. É basicamente a combinação da música cubana com o jazz americano. A soma do trio de jazz com as congas cubanas formam um verdadeiro quarteto de Latin Jazz. Pode-se tocar standards cubanos ou standards americanos. 

EM – Você chegou a tocar clubes noturnos de Cuba?
FM – Toquei muito pouco nas noites de Cuba. Tive a oportunidade de tocar com um grupo que me contratou para ir ao México. Lá comecei a tocar mais jazz.


EM - Você foi para Boston estudar em uma escola famosa. Sentiu muita diferença do que havia aprendido em Cuba?
FM – Foi no México que ouvi falar da Berklee College. Então entrei em contato e eles me convidaram para uma audição e me deram a oporunidade de estudar, mas não fui. Fiquei na área de Boston tocando com os músicos e a Berklee acabou me convidando para dar aulas (risos). Conheci Joe Lovano, John Patitucci e comecei a tocar com eles.   

EM - Gostaria que falasse sobre o magnífico McCoy Tyner. 
FM – Sim, McCoy tem sido um fonte de inspiração desde que comecei a tocar com ele. É uma universidade, como se fosse meu pai, meu mentor em tudo. Defino minha vida hoje pelo que venho aprendendo com McCoy. Toquei com Lovano antes de tocar com McCoy e isso me preparou para tocar com ele. McCoy toca straight ahead, um mais tradicional e eu não tocava isso. 

EM – Então McCoy te roubou da banda de Lovano?
FM – Acho que sim. Deixei de tocar com Lovano e fui para a banda de McCoy. No começo Joe Lovano era convidado frequentemente por McCoy para tocar em sua banda e havia noites que tocava com os dois juntos.  

EM - Hoje você toca com Tyner, Lovano e tem seu próprio trabalho para gerenciar. Como faz isso?
FM – Sim e já que estamos falando disso, também toquei com Kenny Barron. Tudo ao mesmo tempo. Foi incrível. Isso tem ajudado na minha carreira musical. Estou feliz em ter tido essas oportunidades.


EM – Você conhece os ritmos brasileiros?
FM – Um pouco. Samba, bossa, maracatu.   

EM – Pode apontar as diferenças e similaridades entre os ritmos cubanos e os brasileiros?
FM – Temos muitas semelhanças porque celebramos o mesmo carnaval. Em Cuba o carnaval é tão grande como o daqui. E apesar de os ritmos dos dois países virem da África, a música cubana é mais sincopada (Mela passa a solfFrancsico Mela ejar um ritmo cubano e depois um brasileiro, completamente distintos, que mostram claramente a diferença entre eles).   

EM – Ambas têm a mesma raiz. Bom, você sabe que a nossa música também é feita com muitos instrumentos de percussão. Gostaria que falasse sobre isso.
FM – Talvez não tenhamos tantos instrumentos como vocês no Brasil, mas temos alguns em Cuba. Nesse caso o Brasil é mais sofisticado. Talvez pelo tipo de música que vocês tocam com cuíca, agogo, tamborim. Nós não temos isso em Cuba.   

EM - Você fala sobre política? Como está a situação de Cuba hoje pelo teu ponto de vista? 
FM – Não falo sobre política. Não tenho nenhum interesse. Eu deixei Cuba há vinte anos e não sei como está hoje. 

EM – Essa é sua última apresentação no Brasil. Gostou do país?
FM – Amei  e já quero voltar. 



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