terça-feira, 16 de outubro de 2012

New York State of Blues tem em Michael Hill um de seus principais representantes


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Uma das minhas passagens mais engraçadas no mundo da música envolve o guitarrista de New York, Michael Hill.
Em 2007 ele fez parte do cast do Rio das Ostras Jazz e Blues e em uma de suas apresentações no palco principal, montado na praia de Costazul, os jornalistas que cobriam o evento estavam todos aglomerados nas laterais para ver o show que prometia ser um dos melhores do festival.
Malaco nesse tipo de cobertura, procurei ficar o mais perto do artista possível. E nessa noite Hill estava melhor do que nunca. Grande banda.
E eu ali do lado falando sobre isso com o Gustavo Victorino, colunista da revista Backstage e parceiro de cobertura. Como sou meio surdo de um ouvido, estava falando muito alto, mas sem perceber. Antes de começar a terceira música, Michael Hill olha na minha direção, caminha até onde eu estou e manda essa: ”Você está me atrapalhando, poderia falar mais baixo”.
Congela. Sacou a dimensão disso? O cara me mandando calar a boca na frente de dez mil pessoas? Claro, não deu pra todo mundo ouvir, ele não falou no microfone. Quem estava ali do lado até ficou na dúvida e veio depois me perguntar.
Não é preciso dizer que virei a piada daquela edição do festival entre a reportalhada com piadas do quilate: “Eae Eugênio, ontem o Michael não riu, hein?” – sacou o trocadilho infame?
Em 2012, no mesmo festival, em nosso segundo encontro, a péssima impressão entre ambos se dissipou numa jam session no corredor do hotel, onde participaram sua banda inteira, o gaitista Jefferson Gonçalves e a cantora Lica Cecato. Eu perguntei se ele lembrava dessa história e dessa vez o “Michael riu” e perguntou: “Foi você?” e caiu na gargalhada.
Mal entendido resolvido, a entrevista abaixo foi marcada para o dia seguinte do seu primeiro show, 07 de junho, décima edição do Rio das Ostras Jazz e Blues. Só publico agora por causa da velha desculpa, faltou tempo.
O cara é um dos principais nomes da cena blues da cidade berço do be bop. Sua guitarra vigorosa e a banda fizeram os seus shows um dos mais eletrizantes e concorridos do festival. O baterista Bill McClellan solta o braço com tanta vontade que chega a quebrar quatro pares de baquetas por show. É blues elétrico sem frescuras.
Tudo isso realça as suas letras de protesto contra a guerra, as injustiças sociais e a política de seu país. Um dos raros remanescentes dessa arte nesses dias de perda de valores.




Eugênio Martins Júnior – O blues era uma espécie de jornalismo do gueto negro. Nos anos 30 e 40 as músicas falavam sobre uma epidemia de tuberculose, sobre as enchentes do rio Mississippi e até sobre a Guerra do Vietnan nos anos 60. 
Michael Hill – Para mim o blues é uma contação de história. Fala sobre a vida das pessoas e o que acontece em volta delas. Um de seus propósitos é dar força às pessoas. Ou apenas diversão... e também ajuda a compreender as suas vidas. O que eu faço é honrar essa tradição. Chegamos a um ponto, em termos comerciais, de venda de discos, em que o foco está apenas na celebração. Tudo bem, há espaço para isso também. Mas para mim, qualquer arte, literatura, teatro, poesia, o que seja, fala sobre as coisas da vida. Isso inclui não apenas romance, mas também justiça, paz e é isso que é importante para a Michael Hill’s Blues Mob.

EM – Atualmente essa mensagem é passada pelos artistas do rap de uma forma mais contundente, você não acha?
MH – Pra mim é uma honra fazer uma música que faça as pessoas se sentirem bem. As pessoas querem viver as suas vidas e elas precisam da música todos os dias, todos os minutos, que ajuda atravessar as suas dificuldades. A música consegue fazer isso pelas pessoas. A música pode tocá-las no coração, na mente, na alma ou algum lugar mais profundo. Essa música veio da escravidão, na África e na América. É uma honra pra mim fazer isso,  contar histórias de pessoas que não tem voz.

EM – Você sabia que o Brasil foi um dos últimos países a acabar com o tráfico de escravos e com a escravidão?
MH – Sim, é impressionante. O Brasil e os Estados Unidos têm isso em comum. São lugares diferentes, com línguas diferentes, mas com algumas coisas em comum. Uma delas é a beleza de espírito das pessoas por causa da mistura de raças. E passando pelo mesmo problema as pessoas adquiriram diferentes níveis de consciência. Isso é uma das coisas mais bonitas entre os dois países.

EM – Essa mistura de raças foi muito importante para o desenvolvimento de ambas as culturas. 
MH – Absolutamente. As culturas não são as mesmas, mas complementam-se como dois lados da mesma moeda.


EM – Uma coisa que está acontecendo por aqui é a mistura dos tambores da música brasileira com a guitarra e os instrumentos do blues americano. 
MH – E todos nós temos histórias pra contar que podem não existir até que estejamos juntos. É impressionante. Acredito que em todas as áreas da vida nós podemos acentuar positividade ou acentuar a negatividade. Você pode viver de maneira negativa, mas quando você reconhece a beleza, você pode ver melhora as coisas, crescer.

EM – New York é conhecida como a Meca do Jazz. Um lugar mítico para os amantes do gênero. Como está a cena de blues atual? Você pode citar alguns nomes?
MH – Não temos muitos clubes como costumávamos ter quando assinei com a Alligator e comecei a tocar. Havia o B.L.U.E.S. e o Buck National Axe. Hoje os músicos tocam no B.B. King’s que recebe todos os tipos de música. Mas há um clube chamado Terra Blues, na Bleecker Street, onde comecei a tocar em 1990. Nunca pensei que ele ia durar muito, mas existe até hoje. É muito bacana e toca blues sete dias por semana. Eles começam às 19 horas com blues acústico e às 22h30 começa a T. Blues Band que recebe muitos músicos. Eu já toquei com eles algumas vezes. Eles têm baixista e baterista e sempre convidam dois frontmen, depois com bandas durante a noite. SaRon Crenshaw, Jr Mack, Slam Allen, Bill Sims, Bobby Bryan, todos esses grandes cantores e músicos tocam lá. Todas as noites em New York City você tem o Terra Blues e todos esses músicos. Fica no Grenwich Village, onde fica outro clube famoso chamado Bitter End. Curtis Mayfield já tocou lá. Isley Brothers, Bill Cosby, Bob Dylan também. O Terra Blues é vizinho, então há muita história lá.

EM – Você conheceu o Satan, da dupla Satan e Adam da cena de New York?
MH – Conheço o Adam, é um grande amigo. Ele mudou para o Mississippi. Grande cara, grande gaitista. Só vi o Satan tocando nas ruas e em clubes.    

EM – Havia um tempo em que o blues era música de protesto. Um bom exemplo disso foi J.B. Lenoir com as letras contra a guerra no Vietnam e a situação política dos Estados Unidos. E atualmente, ainda há músicas de protesto nos Estados Unidos?
MH – Bem, sempre haverá. Em todos os lugares onde vamos existem os lutadores pela liberdade, incluindo nos Estados Unidos. Mas também temos problemas ao redor do mundo e sempre haverá os artistas que serão contra a opressão e falarão em justiça e paz. É isso que eu faço no blues.


EM – Pergunto isso porque os Estados Unidos hoje sustentam guerras em três países, Líbia, Afeganistão e Iraque. O presidente Barack Obama diz que vai deixar esses países, mas nada acontece.
MH – É uma coisa interessante. O presidente dos Estados Unidos tem limitações porque tem de trabalhar dentro de um sistema. Eu estava dizendo ontem que “a melhor coisa que você pode fazer, é não fazer a pior coisa que você pode fazer” (risos). Barak Obama geralmente não faz a pior coisa. Diferente de George Bush que sempre optava pelo pior: mais guerra, mais repressão. Obama está se movendo na direção certa de acabar com isso. É claro que as pessoas querem que ele se mova mais rápido e seja mais forte. Mas é um grande alívio o fim dos oito anos de Bush.

EM – Você tem uma música chamada Black Gold que é uma maravilha e que fala contra a especulação do petróleo.
MH – Sim, a música fala sobre libertar as pessoas, nos Estados Unidos ou fora dele. Libertarem dos seus carros, do óleo, da ganância pelo dinheiro. E as pessoas que tem dinheiro cobram as que não têm e isso causa medo. A mensagem é bem clara. Essa música é do álbum Goddesses and Gold Redux, cujas músicas são dedicadas ao espírito da paz e justiça. É um relançamento de um CD de 2005 com três músicas novas. Uma delas é U.S. Blues Again e fala sobre a eleição de Barack Obama e sobre o racismo e a ignorância. Coloca o blues ao seu lado. Se você é pobre, se você é mulher lutando pela sua liberdade, se você é gay, se você é imigrante. O Blues está do seu lado.

EM – Essa semana Barack Obama foi muito corajoso ao se posicionar a favor da união de pessoas do mesmo sexo, você não acha? 
MH – Sim, significa que ele teve seu tempo para isso. Pra mim seria ótimo se ele tivesse dito quatro anos atrás. Mas ele é político. Eu fiquei feliz de ele ter dito isso agora. Porque ele está certo, tem de fazer isso mesmo. Al Sharpton é cristão, assim como Obama, e em um debate há oito anos perguntaram a todos os candidatos o que achavam sobre a união dos gays e sobre os seus direitos. Al Sharpton foi o único que disse que era a favor.




EM – Não é certo misturar religião com política.
MH – É loucura, uma diz pra você fazer isso e a outra diz que as pessoas têm de ser livres.

EM – Vocês estão às vésperas de uma eleição presidencial. O que você acha de Mitt Romney?
MH – Ele tinha uma companhia que comprava outras companhias para despedir as pessoas. Fazia Muito dinheiro com isso. Eu não odeio ninguém... mas as ações das pessoas falam mais do que as palavras. E sua história conta muito sobre ele. É uma pessoa que não tem interesse nas outras pessoas. Tudo gira em torno de dinheiro. Ele serve o dinheiro como se fosse o seu mestre. Ele vê o lucro acima das pessoas.  

EM – Voltando à música. Eu tenho uma teoria. A Soul Music veio do blues, mas com o passar dos anos, com artistas como Marvin Gaye, Curtis Mayfied e outros, a soul music acabou influenciando os artistas de blues. Você é um dos músicos que carregam essa influência. Gostaria que falasse sobre isso.
MH – Não há separação pra mim. soul, funk, jazz, R&B, rap vêm da mesma fonte, o blues e os spirituals. Porém, a música também vem do coração e da alma. Ela dá voz às pessoas mostrando o que acontece em suas vidas. E todas essas músicas não são diferentes nisso. Se você toca blues a sua alma estará nele. Se você toca rock é a mesma coisa. Você falou em Marvin Gaye e Curtis Mayfield, mas você pode escutar canções de protesto com Jefferson Airplane, The Doors, Country Joe e The Fish, Bob Dylan. Todos os que falam sobre justiça social. Pra mim há blues e soul em tudo isso.

EM – O Bruce Springsteen um dos artistas mais engajados dos Estados Unidos. O que você acha dele?
MH – Adoro o Bruce, acho um grande artista. Ele é um lutador pela liberdade e justiça. É um ótimo letrista, que conta histórias sintomáticas cheias de consciência.

EM – Você conhece os ritmos brasileiros?
MH – Conheço o samba e a bossa nova. Já vi alguns filmes com ritmos brasileiros em uma televisão pública nos Estados Unidos. Eram impressionante, com um monte de coisas. Há mais música aqui do que vocês podem ouvir (risos). Os músicos daqui são incríveis. Eu adoro Romero Lubambo. Ele é um ótimo guitarrista e uma ótima pessoa. Só de ficar perto de Romero você se sente bem com relação à música e à vida. É inspirador.

EM – Você sabia que o Romero mora perto de você, em New Jersey.
MH – Sim, é uma benção para New Jersey (risos).

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