segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Tambores de Arcoverde (11/02/2006)

Essa entrevista faz parte de uma série que fiz para um jornal de Santos onde trabalhei. Resgatei cinco delas nos meus arquivos e resolvi reproduzir aqui no Mannish Blog. O título e a data acima são de quando a entrevista foi publicada, portanto, é um retrato da época. Ambos são original do jornal.


Entrevista: Eugênio Martins Júnior

Foi Arcoverde que produziu o Cordel do Fogo Encantado, o conjunto mais original saído de Pernambuco na esteira do movimento mangue beat, que teve os grupos Mundo Livre SA e Chico Science e Nação Zumbi como precursores.
Arcoverde é uma cidade, tem só 61 mil habitantes e fica no sertão, a 252 quilometros de Recife. Além de produzir, batata, milho, goiaba, mandioca, feijão e banana, Arcoverde também é muito rica em artesanato e folclore.
Todos os anos, sempre em agosto, acontece o Festival Lula Calixto, em comemoração ao aniversário do samba de coco Raízes de Arcoverde. 
O festival reúne diversas atrações como o Boi da Macuca de Garanhuns, banda de Pífanos Santa Luzia e o Reizado de Caraíbas de Arcoverde, a Orquestra Popular do Recife, Zabumba de Mestre Chimba do cabo, Aurinha do Coco de Olinda, Samba do Leitão da Carapuça de Afogados da Ingazeiras, e os grupos de coco de Arcoverde, Irmãs Lopes e Raízes Verdes.
O Cordel preservou as raízes de Arcoverde, com poesia calcada no cotidiano do homem sertanejo. Formam a banda, Clayton Barros (violão e voz), Emerson Calado (percussão), Lirinha (letras e voz), Nego Henrique (percussão e voz) e Rafa Almeida (percussão e voz).
O percussionista Emerson Calado reservou um tempo entre as gravações do novo CD do grupo para essa entrevista. 

Eugênio Martins Júnior – Vocês já estão no estúdio gravando o terceiro CD, dá pra adiantar alguma coisa?
Emerson Calado – Já iniciamos a gravação e a previsão de lançamento é para o meio do ano. O carnaval vai tirar a gente um pouco de São Paulo, mas as percussões já estão prontas. Falta colocar os violões e todas as letras que serão compostas pelo Lirinha. Talvez role uma parceria com o B Negão, mas ainda não temos um nome para o CD.

EM – Os dois discos anteriores são bem crus. Buscam essa sonoridade? 
EC - O disco é o próprio registro do espetáculo, com todas as deficiências e não ao contrário. 

EM – No primeiro disco a produção foi do Naná Vasconcelos, o segundo do próprio Cordel e o próximo?
EC – É do Carlos Eduardo Miranda. (jornalista, produtor e diretor artístico da Banguela Records e responsável pelos CDs Samba Esquema Noise, e Guentando o Oia, do Mundo Livre SA de Recife.

EM - Então o Cordel continua um grupo independente?
EC – Sim, preferimos continuar independentes para não sofrer nenhuma interferência ou imposição em nosso som. No nosso caso é independência ou morte.

EM – Tem gente que prefere ter uma grande gravadora dando suporte.
EC – Acredito que no Brasil já não exista mais o receio de ser independente, porque com a chegada da internet e dos novos equipamentos a gravação de um CD ficou muito mais fácil. Veja, somos independentes e o nosso primeiro DVD vendeu 15 mil cópias em apenas três meses. O que aconselho aos outros grupos é que tenham um bom projeto.

EM - Como vai ser o show em Santos?
EC – É o mesmo show que foi gravado pela MTV e eleito pela revista Bravo como o terceiro melhor de 2005. Ele é relativamente novo e ainda tem muito a mostrar. Também vamos incluir novas composições.

EM – Os grupos de Pernambuco possuem influências muito fortes da cultura de rua, só que o Cordel incorpora ainda poesia e elementos teatrais e isso diferencia o grupo de bandas como Mundo Livre e Nação Zumbi, não é verdade?
EC – Exato, o Cordel é uma junção de elementos da música mundial. As letras sempre foram focadas em nosso cotidiano, dá para perceber bem uma mudança nos dois primeiros discos, a visão de quem saiu do interior do Nordeste e veio para a metrópole. Todas as viagens nos influenciam. 

EM – No som de vocês também não tem muito espaço para instrumenrtos eletrônicos, como guitarra e baixo.
EC – E nem teclado. A instrumentação é restrita aos violões e à percussão que dão suporte às letras de Lirinha.

EM – Nas composições de vocês não há muito espaço para frazes como: “eu te amo, baby”. O que rola mesmo é fogo, tempestade. É um lance bem carregado para esse lado.
EC – No primeiro disco nós nos inspiramos nos poetas locais, já no segundo incorporamos alguns poetas urbanos como João Cabral de Melo Neto, por exemplo. A chuva e a tempestade provocam mudanças na vida do sertanejo e ao mesmo tempo são de grande beleza. A tempestade é também uma metáfora sobre a vida, um pouco a tragédia do amor que fere e cansa.   

EM – Temos grandes percussionistas no Brasil e a música que vocês fazem representa bem essa característica. A produção do Naná Vasconcelos não foi por acaso?
EC – O que diferencia a percussão do Brasil para de outros países como Cuba e os africanos é que aui a renovação é muito grande, a fusão ritmica. Veja o exemplo do Naná Vasconcelos que pegou o berimbau, um instrumento de capoeira e o transformou em um instrumento universal, e a mesma coisa o Marco Suzano com o pandeiro que é um instrumento que vem do samba.

EM – Há um senso comum de que a MPB não produz mais poetas como Caetano, Gil, Chico, Djavan, e tantos outros. Talvez isso pode até acontecer no que diz respeito ao formato canção, mas ao mesmo tempo a música brasileira é muito rica em outros formatos. Você não acha que essa afirmação restringe o alcance da música brasileira que tem tantos ritmos diferentes?
EC – Talvez isso aconteça mesmo com o formato canção, mas como falei anteriormente, a música brasileira tem um poder muito forte de renovação e as pessoas sempre acabam abrindo os ouvidos para novas coisas, o brasileiro é um povo muito musical. A percussão sempre foi uma coisa de guetos, mas agora está em alta e ganha cada vez mais espaços. Tem muita gente tocando em pequenos clubes, mas não tem visibilidade.



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