segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Romero Lubambo vai do aço ao nylon com a mesma desenvoltura


Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Cesar Fernandes e Eugênio

A música brasileira tem muitas caras. Ritmos que nasceram aqui e ritmos que nasceram lá e nós transformamos em outra coisa. Bendita antropofagia, característica de um povo sem pudor.
Das tradições musicais daqui, uma das mais fortes é a do violão de nylon. Junte-se a isso, o batuque do nosso glorioso samba misturado com a improvisação do jazz de lá. Fez-se a batida do samba-jazz. Ou jazz bossa?
Nossos violonistas de nylon são os melhores do mundo meu chapa. Basta listá-los: Baden Powell, Luiz Bonfá, Marco Pereira, João Bosco, Toquinho, Oscar Castro Neves, Rafael Rabello, Canhoto, Dori Caymmi, Egberto Gismonti, Guinga e mais.
Claro que cometi alguma omissão. Com tantos gênios, acontece. Incluo Romero Lubambo nessa lista.
Mas espera aí, o Romero não mora nos Estados Unidos há 27 anos? Sim mora, mas o lobo temporal não deixa esquecer. Ainda mais o som do nylon.
O violonista/guitarrista vem fazendo história. Solo ou acompanhado, são dezenas de gravações com os maiores artistas do mundo. A lista nacional e internacional é infindável: Herbie Mann, Art Farmer, Dizzy Gillespie, Paquito D’Rivera, Larry Coryell, Glover Washington Jr, Lee Konitz, Astrud Gilberto, Dianne Reeves, Diana Krall, Kenny Barron, Cesar Camargo Mariano, Leny Andrade, Luciana Souza, Rildo Hora, Marisa Monte e... devo ter omitido alguém de novo.
Com Duduka da Fonseca e Nilson Matta fundou o Trio da Paz. Capítulo à parte. Entra a quebradeira brasileira a qual me refiro. No popular, aí é nóis no samba, na bossa, no jazz. Trio com baixo violão e batera que rendeu Brasil From the Inside (1992), Black Orpheus (1995), Partido Out (1998), Café (2002), Somewhere (2005), Live at JazzBaltica (2008). Genialidade e inventividade mostrando a verdadeira cara da nossa música na gringolândia. Ouça Bachião, Partido Out, Jobimiana, For Flávio, Trio da Paz e me diz se não tenho razão.



Eugênio Martins Júnior - Músico que quer ser respeitado no mundo do jazz tem de ir morar nos Estados Unidos? Não dá pra fazer como o Neymar que está fazendo o nome no mundo inteiro sem sair do Santos?
Romero Lubambo –
Não precisa morar nos Estados Unidos. O meu caminho foi ir para os Estados Unidos, para Nova Iorque, em 1985. Naquela época eu morava no Rio de Janeiro e já havia feito muita coisa. Aí eu pensei: “Pô, vou dar um pulinho em Nova Iorque e ver o que acontece por lá”. Não só para fazer a carreira, mas para aprender também. Quando você vai para outro país absorve a cultura musical, então fui com essas várias frentes. Mas estava em aberto, ficar ou voltar pra cá. Funcionou mais ficar, porque aconteceram os convites pra tocar mais, fiz shows internacionais com a Astrud Gilberto que foram bons pra mim. Depois Herbie Mann e aí pronto, comecei a conhecer todo mundo. Pra mim funcionou ficar, mas não é necessário ir pra fora do país pra ser músico de jazz.

EM – Foi com a cara e a coragem ou já havia recebido algum convite?
RL –
Não tinha contato nenhum. Na época fui pra ver o que acontecia, mas fui com um amigo, o Nilson Matta, baixista, a gente alugou um apartamentinho lá para ver o que dava. Na semana seguinte já encontramos o Duduka da Fonseca, grande batera que morava lá há algum tempo...

EM – Estava formado o Trio da Paz?
RL –
Exatamente, o Trio da Paz. Aí o Duduka começou a convidar pra tocar: “Vamos participar do grupo tal, eu toco no grupo tal, no New York Samba Band”. E eu fui ficando e foi ficando bom também, né? O dia a dia nos Estados Unidos é interessante, comecei a gostar do modo de vida deles. Agora estou completamente acostumado.

EM – Vocês está lá há 27 anos. Como divide o tempo entre Estados Unidos e Brasil?
RL –
Fico muito lá. Não só nos Estados Unidos, mas também Europa e Japão, fazendo as minhas gigs por lá. Ao Brasil eu venho umas três ou quatro vezes por ano. Estou querendo vir mais, todas as vezes que eu venho é muito rápido, uma semana ou duas. Pra mim agora quanto mais, melhor. Sinto saudade do meu país, da minha gente. Estou tentando vir mais e acho que está acontecendo.

EM – Conheço artistas que moraram muitos anos no exterior e tem uma carreira sólida por lá, como o guitarrista de jazz Cláudio Celso que voltou ao Brasil para surfar como principal motivo, mas está louco pra tocar e ficar mais conhecido. Já a Rosa Passos voltou ao Brasil com o objetivo de também ser reconhecida. Quando o músico atinge os objetivos artísticos que ele se propôs, bate essa vontade de voltar ao Brasil?
RL –
É claro. Mas o grande lance que aconteceu pra mim foi que em 1990, comecei a voltar a fazer shows por aqui. Montei um quarteto com o Nico Assumpção, Carlos Bala e Victor Santiago e vinha tocar com sempre, no Rio e em São Paulo. Depois comecei a fazer muitos shows trazendo convidados especiais, como Dave Weckl, Diane Reeves e outros artistas para fazer shows meus. Fiz um disco muito legal com o Rildo Hora, em 1990, de música brasileira. Quando tinha o Mistura Fina, no Rio de Janeiro, fui muitas vezes tocar lá. Fiz dois discos em duo com a Leny Andrade, fiz um disco em duo com o Cesar Camargo Mariano, inclusive o DVD foi filmado em São Paulo. Ou Seja, estava lá, mas nunca deixei de ter o pé no Brasil. Acho muito importante tocar para o nosso povo. E tenho muitos amigos que gostam do que eu faço.

EM – O Brasil tem uma forte tradição no violão de corda de nylon. Talvez seja o país mais importante nesse instrumento no mundo. A gente pode ficar horas falando em Toquinho, João Bosco, o próprio Hélio Delmiro. Gostaria que você falasse como essa nossa tradição é vista nos Estados Unidos que também tem uma forte tradição no violão, só que com cordas de aço. Acho que você é a pessoa certa pra falar sobre isso, essas duas escolas.
RL –
É interessante, porque o nosso som, a nossa técnica, é diferente. Os americanos vão à escola estudar a guitarra elétrica, a parte de melodias, usam muito a palheta, pra fazer melodias e fazer solos e todo mundo faz isso muito bem lá. Quando eu cheguei lá tocava guitarra elétrica o tempo todo. O Herbie Mann que me pediu depois de alguns anos para levar o violão acústico pra tocar no show dele. Aí eu levei o violão de nylon e comecei a tocar o mesmo jazz que eu tinha que tocar, mas com a técnica brasileira e o pessoal começou a achar incrível e perguntar como eu fazia aquilo. Eles adoram e não conseguem fazer o que a gente faz e estou sempre sendo abordado por alguém perguntando como faço alguma coisa, como é esse fraseado, como é que você usa a mão direita. A mão direita é bem diferente de como eles fazem lá.



EM – Eles usam mais a palheta.
RL –
É, e pra eles a nossa técnica é um mistério, mas uma coisa que eles adoram e querem aprender, pedem aula o tempo todo.

EM – E na contra mão dessa história, você indo pra lá o que aprendeu?
RL –
Claro, mas eu aprendo com todo mundo aqui e lá. Se você está com o coração aberto e a cabeça aberta, ouvindo o que a pessoa está fazendo perto de você acaba aprendendo. Lá eles são muito preparados, freqüentam a escola. Eu fui à escola de engenharia aqui no Brasil (risos) e eles vão à escola pra aprender música. É interessante ver esses caras bem preparados. E a linguagem do jazz, a linguagem da improvisação que eles têm é uma coisa diferente. Então, assim como eu aprendi a falar o inglês deles, foi interessante aprender a linguagem da improvisação nos clubes e shows de jazz. Aprendi muito como eles usam as escalas, os espaços, tudo.

EM – Outra coisa que o Cláudio Celso me disse na entrevista dele é que a malandragem de rua conta muito. Às vezes os músicos anônimos são ídolos dos caras que são famosos.
RL –
Se os caras não eram conhecidos acabam ficando (risos). Tem o pessoal do Subway (Metrô), ou caras que estão pela rua mesmo, caras incríveis, como o Stanley Jordan, por exemplo. Tocava na rua e de repente vira o Stanley Jordan porque alguém o descobriu. É como eu disse, se você tem a cabeça aberta...

EM – Uma coisa que os músicos de jazz sempre me falam é que em algum momento de suas vidas tocaram em bandas de baile. E nesses lugares acabam tocando de tudo e isso fornece um repertório muito vasto.
RL –
Isso é importantíssimo. Comecei a fazer isso com 14 anos. Tenho um tio que tem dez anos a mais do que eu e que tinha um grupo de baile. Era novo, mas como estava com meu tio podia ir e tocar guitarra no grupo. A gente tocava de tudo, música pop, música brasileira, música pra dançar, pra namorar, e você aprende muito com isso. E eu aprendia com aqueles caras ali, eles já eram mais velhos. E depois aqui no Brasil ainda comecei a tocar com a Rio Jazz Orquestra, com Marcos Szpilman, que era jazz e outros grupos. Trabalhei dez anos em um clube de jazz no Rio de Janeiro que era o Ouviram do Ipiranga e trabalhava sete dias por semana. Era um trio e toda a semana a gente convidava um artista. Helio Delmiro foi nosso convidado, Mauro Senise foi muitas vezes, Wagner Tiso, Robertinho Silva. Todo Mundo. Tocar jazz todo dia em público é um aprendizado maravilhoso, de palco e saber tocar mesmo, saber mandar uma energia para o público.


EM – A bossa nova foi criada na beira da praia e o samba urbano nos morros do Rio de Janeiro. Da praia do Rio para os edifícios de Nova Iorque, como essa mudança de ares influenciou na sua música?
RL –
Influencia muito, claro. Sempre digo que tudo o que você vê e escuta influencia a sua música. Você sai do Rio de Janeiro com aquele clima mais calmo: “Olha, mais tarde a gente vai. Olha, vamos fazer isso amanhã”. E vai para Nova Iorque que tem de fazer isso pra ontem. Até a energia quando você está no palco é outra. Não sei se é melhor ou pior, mas é diferente. Mas depois de doze anos morando em Nova Iorque eu mudei pra Nova Jersey. Minha esposa gosta muito de lugar mais calmo e pra criar as minhas filhas também é melhor. É um lugar lindo, a gente mora na beira de um lago. A minha vida já é mais calma. Quando estou em casa, estou no meio de milhões de árvores, flores e tudo. Então já outra energia também. Mas estou sempre indo, moro a uma hora de Nova Iorque. Quando estou muito calmo vou até lá pra dar aquela carregada e volto (risos).

EM - O John Pizzarelli é de lá também.
RL –
Gente boa, conheço o Johnny há muitos anos. Conheço antes de ser famoso, ele agora é muito famoso lá. Ele é maravilhoso, como cantor, como pessoa, como guitarrista. O pai dele é fantástico. Morava muito perto da casa do Bucky, onde ele criou os filhos e de vez em quando ele passava lá em casa pra levar um litro de uísque pra mim ou pra dar um oi. Às vezes a gente se juntava pra tocar com o Johnny. Adoro o Bucky.

EM – Como nasceu o Trio da Paz?
RL –
Como eu disse antes, cheguei em Nova Iorque com o Nilson e começamos a tocar com o Duduka e como não tínhamos muito o que fazer em termos de trabalho, tínhamos tempos pra nos juntar. O Duduka morava no Village e nós íamos para o porão da casa e ficávamos tocando à tarde só pra curtir. E começaram a falar que a nós tínhamos uma paz muito grande quando estávamos juntos.  Tocávamos o que queríamos e sempre saia um som muito bom e assim surgiu o Trio da Paz. Não foi uma ideia que a gente teve, foi uma coisa que foi acontecendo. E o Duduka estava escrevendo um livro e pediu para a gente gravar umas coisas em um CD pra exemplificar os ritmos brasileiros. Esse livro vende até hoje. E ele oficialmente colocou o nome de Trio da Paz, nem falou nada foi botando o nome e aí ficou (risos).

EM – Você tocou com a Luciana Souza aqui no festival em 2007 e eu estava do lado do palco e vi os detalhes daquele show. Parceria perfeita. Vocês haviam acabado de gravar um disco. Como começou essa parceria? Ela também mora nos Estados Unidos, né?
RL -
Sim, acho que também foi em 1985, mas ela foi para Boston, estudar na Berkley e depois virou professora. Eu encontrei a Luciana lá, fui lançar um disco meu ou do Trio da Paz, não me lembro. Era um show em uma loja de discos e a Luciana foi ver o meu show e chegou pra mim no fim do show e disse que gostava de me ouvir tocando e perguntou se eu topava fazer alguma coisa com ela e eu disse é claro. Eu não a conhecia, mas me pareceu fantástica e fizemos muitas coisas juntos e até hoje.



EM – Não acredito, você nunca tinha ouvido a Luciana cantar?
RL –
Não, nunca e já topei. Ela mandou umas coisas pra mim e adorei o que ela faz. Ela é musicista e super cantora. Gravamos em seguida um CD que ela fez só com violão e voz. Eram três violonistas, eu o Marco Pereira e o pai dela. Agora a gente acabou de fazer o terceiro desses discos dela que se chama Brazilian Blues. A Luciana virou a minha irmã, parte da família. Também tem uma família maravilhosa. Ela é super séria, foi um grande encontro na minha vida musical. Ela agora mora em Los Angeles e está com um filhinho pequeno.

EM – Aproveitando a pergunta anterior, entre a Leny Andrade e a Luciana Souza há um hiato de trinta anos. O Brasil tem poucas cantoras de jazz ou elas não aparecem?
RL –
Estou longe e não sei o que está acontecendo, mas não conheço muitas cantoras de jazz. Quando eu estava aqui ouvia cantoras boas, mas de música popular brasileira ou bossa nova. Mas cantora de jazz como a Leny que faz improvisação... Luciana também é cantora de jazz, mas é outra história. Ela foi estudar improvisação, arranjo, na Berkley. Foi como um instrumentista iria. Ela fez com a voz. Acaba sendo uma cantora de jazz, mas bem diferente da Leny. Olha, pode ser que tenha aqui, mas não conheço.

EM – Romero, vou te fazer uma provocação. Se dependesse da mídia brasileira pra sobreviver o jazz brasileiro, ou o samba jazz, ou a música instrumental brasileira, ou seja qual for a sua denominação, estaria morta em enterrada?
RL –
Acho que a música instrumental brasileira merece muito mais atenção, não só da mídia. Parece que ela é sempre posta em um nível muito abaixo do que deveria ser. Acho que tem de ter um espaço maior, porque tem tanto músico brasileiro bom. Músicos que vão lá pra fora e o pessoal fica louco. Olha, eu não vivo aqui, sei que em São Paulo está acontecendo muita coisa boa de música instrumental. Não sou uma sumidade, mas acho que a música instrumental brasileira é uma das grandes coisas da nossa cultura que podemos exportar, mas não fazemos por falta de apoio. Acho que deveria ter mais espaço, não só na mídia, mas nos clubes. No Rio de Janeiro, por exemplo, não vejo mais espaço pra música instrumental. Agora tem a Lapa que é mais o choro. Tinha o Mistura Fina que era a única casa que eu conhecia que fazia shows internacionais e nacionais, mas agora fechou. É uma tristeza saber disso, porque tudo é importante. Você estuda Debussy, Bach, Beethoven e Mozart e era tudo instrumental e foi tudo muito importante.

EM – E outra coisa. A gente tem uma identidade. A gente mistura jazz com samba, criamos uma coisa que não existe em nenhum lugar do mundo. Essa batida do violão e a levada bossa e outras coisas.
RL –
Exatamente, é diferente, ninguém tem. Baião, maracatu, afoxé com jazz. É isso o que eu faço a vida inteira lá e o pessoal fica louco. Começo a fazer um ritmo e o pessoal me diz:”Pô isso não é samba?”. Eu respondo que não é samba, isso aqui é maracatu. Estive agora em abril no International Jazz Day, em Nova Iorque. Toquei com Stevie Wonder, George Duke, Esperanza Spalding, uma coisa importantíssima, uns cem músicos que tinha lá e só tinha eu de brasileiro. Porque? Fiz milhões de entrevistas e falei que estava muito feliz de estar representando o Brasil, mas que também estava triste de não ter um espaço maior para a música brasileira. Até o que eu fiz com o Stevie Wonder não caracteriza a música brasileira. Pedi três minutos pra fazer um solo de violão brasileiro e não tive esse tempo. Mas isso também por falta da gente, o Brasil não dá o valor que deveria dar.

EM – Como nasceu essa parceria com o Mike Stern para o festival?
RL –
(risos) Sempre gostei muito do Mike e ele de mim. Ele toca em um clube há trinta anos chamado o Fifty Five sempre que está lá em Nova Iorque. É um lugar que ele vai testar novas ideias, experimentar coisas e o pessoal adora o Mike. O (produtor) Júnior Aguiar teve essa ideia e nós adoramos e topamos. Há uns quatro anos viemos e fizemos no Rio e em São Paulo. Agora apareceu a oportunidade de vir aqui em rio das Ostras e fazer de novo e eu achei ótimo. Na semana passada eu fui convidado por ele ao Fifty Five para tocar e aproveitar e dar uma ensaiada. Quebramos o pau lá, bom pra caramba. Ele aprende comigo e eu com ele. É assim que se cresce, é assim que a gente faz a nossa música interessante, aprendendo coisas novas todos os dias. Como não tivemos tempo de muita coisa, me adaptei ao repertório do Mike. Ele já toca com essa banda há muito tempo. Então coloquei alguma coisa minha, tem um baião meu lá, mas basicamente vamos tocar o repertório dele. Escolhemos umas coisas que funcionam para duas guitarras, como ele toca muito com saxofone vou fazer essa parte. Só que com duas guitarras soa muito interessante. As partes melódicas fazemos em duas vozes, mas a parte de improvisação ele faz de um jeito e eu de outro, o resultado fica muito rico.

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