terça-feira, 2 de abril de 2013

Nos anos 90 Vasti Jackson era apontado como o futuro do blues. O futuro chegou.


Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

A primeira vez que vi o nome Vasti Jackson (pronuncia-se Vasti Eye) foi em uma matéria na edição comemorativa de 25 anos da revista Living Blues de 1995, a bíblia do blues nos Estados Unidos. Guardo essa edição da revista como relíquia desde a época que ainda sonhava em trabalhar com o blues.
A matéria também apontava Michael Hill, Corey Harris, Little Jimmy King, Larry McCray e Shirley King – filha de B.B. King – como o futuro do blues.
Depois, tive contato com o quase todos pessoalmente. Entrevistei Michael Hill, o guitarrista de New York, na décima edição do festival em Rio das Ostras em 2012. Assisti e conversei com Larry McCray em dois shows que fez no Brasil, mas não tive a oportunidade de entrevistá-lo. Já Shirley, não só entrevistei como virei seu empresário no Brasil. Corey Harris também foi entrevistado em 2011, não pessoalmente, via e-mail. Little Jimmy King morreu em 2002 e nunca o vi, mas produzi um show de seu irmão caçula, o também guitarrista, Eric Gales. Coincidências que a música proporciona.
A entrevista com Vasti Jackson aconteceu no Bourbon Street Fest, também em 2012, quando se apresentou com o lendário pianista de New Orleans Henry Butler, que também foi entrevistado na mesma ocasião.
Além de cantor, produtor, compositor e exímio guitarrista, Jackson é conhecedor da tradição do blues e de outros gêneros dentro da música norte-americana. Temas da soul music viram blues em suas mãos e por ser um guitarrista daqueles que não se acham todos os dias por aí, transforma qualquer solo de guitarra em catarse. Sem exagero.
Natural de McComb, uma das cidades chaves para o som do Mississippi, não escapou dessa influência mesmo crescendo dentro do gospel nas igrejas locais.
Seus três discos No Borders to The Blues, Live in Nashville e Mississppi Burner mostram o vigor desse artista que pode ser considerado um dos grandes inovadores do blues a partir da década de 90.

Henry Butler
http://mannishblog.blogspot.com.br/2013/01/atualmente-henry-butler-e-o-maior.html

Michael Hill
http://mannishblog.blogspot.com.br/2012/10/new-york-state-of-blues-tem-em-michael.html

Shirley King
http://mannishblog.blogspot.com.br/2011/08/shirley-king-filha-do-blues-pela.html

Corey Harris
http://mannishblog.blogspot.com.br/2011/04/texto-eugenio-martins-junior-foto-john.html





Eugênio Martins Júnior – Sr. Jackson, o blues não tem fronteiras? Acha estar aqui hoje é a prova disso?
Vasti Jackson –
Absolutamente. Na música norte-americana, ritmos como o jazz, R&B, hip hop e rock emergiram dos africanos, dos gritos dos escravos, das lutas que carregavam o sentimento do blues. Com os shuffle e as blue notes, as micro-tonalidades da África fundiram toda a música norte-americana especialmente a de New Orleans.

EM – Você se lembra quando e como foi a primeira vez que ouviu o blues?
VJ –
Meu avô era guitarrista, gaitista e cantor, Samuel Jackson, e quando eu era jovem ouvia blues e gospel o dia inteiro. 

EM – Como você faz para incorporar a tradição da guitarra acústica do Mississippi para seu som eletrificado?
VJ –
Trago o mesmo som que Robert Johnson fazia e que foi modificado por Muddy Waters. E claro, nesse caminho temos de passar por Albert King, B.B. King, Jimi Hendrix, Eric Clapton. Faço a mesma coisa, toco guitarra elétrica, mas às vezes volto à acústica fazendo duetos.


EM – Como começou essa parceria com Henry Butler? Foi nas gravações do álbum Homeland?
VJ –
Sim, nos conhecemos no Chicago Blues Festival e depois nos encontramos em New Orleans. Ele conheceu o meu trabalho e me pediu para produzir Homeland pela a Basin Street Records. Um trabalho que mostra Henry como o maestro e virtuoso não apenas no piano, mas como cantor e arranjador. É sempre interessante e excitante trabalhar com ele. Eu trago o blues e o gospel e ele vem com a tradição de New Orleans e o jazz, os estilistas do piano, você sabe, Jelly Roll Morton, James Booker, Professor Longhair. Ele próprio é uma das lendas vivas do piano de New Orleans.

EM – Você trabalha com gospel e blues. O sagrado e o profano. Considera esses ritmos os dois lados da mesma moeda?
VJ –
(risos) Sim, são dois lados da mesma moeda. O gospel trata da espiritualidade e o blues é sobre a vida comum. O blues conta as coisas da nossa vida diária, porém, os sentimentos de ambos são muito semelhantes.

EM – Você foi convidado para participar das comemorações do centenário de Robert Johnson. Qual é a importância de sua música para a cultura norte-americana?
VJ –
Ele é fundamental. Robert Johnson é pai do blues urbano. E hoje o blues de Chicago é uma das músicas mais tocadas no mundo. Dust My Broom, Love in Vain vêm sendo tocadas por todos, Led Zeppelin, Eric Clapton, Rolling Stones, Marron 5, Red Hot Chili Peppers. Tinha um pé no jazz, They’re Red Hot é um ragtime. Suas harmonias eram sofisticadas e os ritmos complexos. Ele podia tocar as raízes do blues porque cresceu no Mississippi, mas não do delta. Ele representa o elo com a música moderna.



EM – Seu primeiro contato com uma banda de jazz foi na escola onde aprendeu ler música. Antes disso você não sabia o que era jazz? 
VJ –
Eu sabia o que era, mas não ouvia. Aprendi a tocar guitarra de ouvido por causa dos músicos da minha família. Meu pai me deu um disco do Wes Montgomery quando eu tinha dezesseis anos e na minha comunidade havia montes de músicos de jazz. Um deles disse que eu tinha de aprender a ler música e me convidou pra entrar na banda da escola. Ele me ensinou a ler e meu primeiro instrumento foi uma bateria.

EM – Você já chegou a dizer que um garoto não precisa tocar nota por nota de B.B. King ou Muddy Waters para ser um bluesman. O que um músico precisa pra ser um?
VJ –
Falar a verdade sobre a sua vida. E respeitar a tradição em primeiro lugar, porque existe um vocabulário. E também o músico tem de ser ele mesmo e não um imitador desses artistas que eu citei. Construir seu som baseado na tradição, situar-se onde quer chegar, mas não limitar-se apenas à tradição, tem de usá-la como seu combustível.


EM – Ainda podemos sentir a força do blues naquelas cidadezinhas do Mississippi como antes?
VJ –
Muito. Em Jackson, Hattiesburg, Hazlehurst, McComb, Magnolia, Laurel. Você não lê sobre essas pessoas nas revistas por causa da mídia que não dá espaço. Você não fica sabendo quando esses músicos morrem porque são músicos de cidades pequenas, mas estiveram sempre lá. As jukejoints sempre estiveram lá. A tradição vem sendo passada através das gerações. Não estamos em 1937, estamos em 2012 e as experiências são diferentes, porém, as pessoas continuam se apaixonando, continuam sendo mandadas embora de seus empregos, ficam felizes e celebram ouvindo o blues. Blues não é apenas música triste, é música de triunfo, de superação. No Brasil seria assim, quando um time de futebol perde iriam tocar blues, mas o time que ganhou também iria tocar blues pra comemorar. Sempre o blues.





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