sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O blues contemporâneo de Joe Louis "great guitar" Walker


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Divulgação

Em um intervalo de um mês assisti a um show de Joe Louis Walker, onde consegui essa entrevista, e produzi três de Larry McCray. Dois dos maiores representantes do blues contemporâneo. Dois caras cheios de soul. Peguei Joe Louis numa noite inspirada, de bom humor e com a guitarra afiada. Grande show no Bourbon Street, em sampa.
Conheci-o no álbum de BB King de 1993, Blues Summit. Mas seu som bateu forte com o Great Guitars (1997), uma paulada na moleira que, fazendo jus ao nome, tem Otis Rush, Ike Turner, Taj Mahal e outros como convidados. Às vezes duelando entre si.
Ele nasceu e cresceu na San Francisco dos anos 60, o olho do furacão da contracultura. Reinou por lá ao lado de Santana, Mike Bloomfield, Country Joe e Jerry Garcia. 
Mas afastou-se da turma devido aos excessos e bandeou-se para o lado da gospel music, se formou na faculdade e se aprumou na vida, se é que você me entende.
Em 1986 o blues reclamou sua alma e Joe Louis lançou Cold is The Night, um dos melhores discos do ano. Desde então, o guitarrista da dourada e enfumaçada costa oeste americana vem lançando vários discos básicos em qualquer coleção: The Gift (1988), Blue Soul (1989), Live at Slim’s Vol.1 e Vol.2, Preacher and the President (1998), In The Morning (2002), Hellfire (2012) e Everybody Wants a Piece (2015).
Ao lado de Larry McCray e mais meia dúzia de caras inovadores e cheios de alma tornou-se um dos grandes representates do blues atual. Os inovadores do passado, Robert Johnson, Muddy Waters e o velho Jimi devem estar rindo de satisfação lá no céu dos guitarristas.
Podem acreditar, coisas estranhas acontecem mesmo. Larry McCray me ligou no meio da entrevista para acertar uns detalhes de sua miniturnê em julho no Brasil. Quando Louis percebeu com quem eu estava falando pediu o telefone e levou o maior lero com Larry. Fiquei a escutando as paradas musicais que eles falavam. Classe A.


Eugênio Martins Júnior - Você começou a tocar guitarra na infância já influenciado pelo blues?
Joe Louis Walker – Fui influenciado pelo blues desde bebê porque era o que meu pai e minha mãe ouviam. Eles sempre tocavam discos de blues. Eles me sentavam à mesa para escutar o que estava tocando na vitrola.

EM – Então você já cresceu em um ambiente musical? Quais artistas você ouvia?
JLW – Sim. Ouvia Howlin’ Wolf, Meade Lux Lewis, Pete Johnson, Muddy Waters. Minha mãe tocava BB King, BB King, BB King, BB King (risos). Éramos em cinco irmãos que cresceram ouvindo essas músicas.

EM – Crescer nos anos 60 em San Francisco influenciou você de que forma?
JLW – Bem, ia ao Fillmore antes de os hippies chegarem. Meus primos tinham uma banda quando eu tinha uns 12 anos. E um deles se tornou profissional e depois fiquei em seu lugar. Tocávamos por toda a Califórnia. Minha família incentivou porque nos queria longe de problemas. Não praticávamos esportes, a única coisa que fazíamos era música. Todos os dias.

EM - É impressionante a lista de pessoas com quem você tocou naquela época, John Lee Hooker, Otis Rush, Thelonious Monk, Willie Dixon, Earl Hooker, Muddy Waters e Jimi Hendrix. Pode-se dizer que você estava no lugar certo, na hora certa?
JLW – Abri shows para Thelonious Monk. Mas aprendi muito assistindo e falando com ele. Ouvindo ele tocar, era como se estivesse em uma escola.


EM – Qual foi a lição mais importante que teve tocando com todos esses artistas?
JLW – Alguns me disseram a mesma coisa: faça sempre a sua música. Não tente ser como eu. Não tente ser como BB King. Acho que foi o melhor conselho que tive. E não foi difícil, porque já tocava por um tempo. Mas todos esses músicos tiveram sua influência sobre mim. Blues, soul music, os caras do blues, Lowell Fulson, Jimmy McCracklin, os hippies, Jefferson Airplane, Jerry Garcia, Bob Weir. Faço um mix de tudo isso. 

EM – Você chegou a tocar com o Jimi Hendrix, como foi?
JLW – Foi uma jam session. Em um lugar onde as bandas ensaiavam. Eu era jovem, lá conheci Mike Bloomfield que tocava no Electric Flag, cujo baterista era Buddy Miles e nos tornamos grandes amigos. Através dele conheci Jimi, pois Buddy sempre falava dele antes de ser famoso. Fazíamos jams e íamos a festas. Posso dizer que já era um jovem criativo. Se houvesse quatro guitarristas, eles tocariam uma música igual, mas se ele ouvisse os quatro tocando, faria diferente de todos.  

EM – Tinha sua própria voz, como BB e Carlos Santana.
JLW – Sim, Jimi sempre trabalhou nisso. Conheci Santana na mesma época e ele também fez isso. Sabia que o primeiro nome da banda de Santana tinha o “blues band”? Então Carlos começou a escutar Tito Puente, Eddie Palmieri, Mongo Santamaria. Oye Como Va, uma canção tradicional, e Black Magic Woman, não foram escritas por ele. O que ele fez foi trazê-las para a sua cultura. Muitas pessoas esperavam por esse som, em Honduras, Nicarágua, México. Ritmos como salsa já existiam, mas de forma tradicional, não com a guitarra no topo. Ele colocou e funcionou. Misturou com as coisas que estavam acontecendo na época, com as músicas dos hippies e o blues. 

EM – No Brasil os músicos fazem isso o tempo todo.
JLW – Eu sei, mas Carlos estava no lugar certo na hora certa. Antes de Woodstock meu primo Robert Willians tocou com Chapito Arias e Michael Carabello e todos conheciam e tocavam juntos com seu irmão, Jorge Santana. Bem, Jorge tinha uma voz ótima, emplacou um grande hit (nesse momento Joe começa a cantar Suavecito mi linda...), um super hit. Era muito mais melódico do que Carlos. Mas Carlos passa a tocar toda semana no Fillmore. Não sei se foi por causas empresariais, mas muitas coisas acontecem por acidente. Veja, tivemos Woodstock que fez a diferença para muitas bandas. Santana e Sly Stone foram duas delas. Eles ganharam o mundo depois de tocar lá.

EM – Fale sobre a sua amizade com Mike Bloomfield.
JLW – Um amigo em comum nos apresentou. Eu e Johnny vivíamos juntos e quando fui para o Canadá, Mike foi morar na casa. Era um ponto de encontro de músicos. Às vezes tínhamos vinte pessoas à mesa. Country Joe, a banda do Muddy, todos.

EM - Depois disso você ficou um tempo fora do blues. Porquê tomou essa decisão?
JLW – Fiquei chateado. Todos estavam fazendo muito dinheiro. Era uma vida de excessos. Passei a tocar gospel. Queria terminar meus estudos. Estava tentando ser eu mesmo.


EM – Conheci a tua música com o grande álbum Great Guitars, que tem Bonnie Raitt, Buddy Guy, Matt Guitar Murphy, Robert Lockwood. Gostaria que falasse sobre esse álbum em especial e como foi realizado.
JLW – Sou sortudo em poder trabalhar com todos os meus heróis (risos). Gigantes, únicos. Fiquei amigo de Gatemouth Brown, Scott Moore, Robert Jr Lockwood. Aprendi muito sobre guitarra e acabei viajando com eles. Steve Crooper foi o co-produtor. Não é só música, eles inventaram algo. Tentei chamar Johnny Guitar Watson, Johnny Winter e John Lee Hooker, mas eles andavam com problemas de saúde na época. Gravar esse disco foi a realização de um sonho. E não só meu, Little Charlie tocava coisas de Scott Moore, mas não o conhecia e coloquei os dois juntos. Ao final das sessões Robert Jr disse que queria gravar um disco comigo. Foi uma grande experiência.

EM - O blues existe há mais de cem anos, o que ele ainda pode dar para a cultura americana? 
JLW – Coloque assim. O blues nunca foi inventado. O que os Ten Years After, os Rolling Stones e os Beatles tocavam? Se Chuck Berry não tivesse inventado o rock and roll e os outros caras não tivessem tocado blues, o que eles seriam? Frank Sinatra? Não, eles queriam sem Howlin’ Wolf.

EM – Como os ritmos brasileiros, o blues vem dos ancestrais. 
JLW – Sim. Como Cuba, que é semelhante ao Brasil. Começa com a batida dos tambores. Na Europa é diferente, quando tocam tambores fazem assim... (imita a batida de bandas marciais). Mas se fechar os olhos, o som da Jamaica, África, samba, têm o mesmo ritmo.


EM – Você pode misturar tudo que funciona.
JLW – Sim, está provado que funciona. Mas como o Muddy dizia, você não pode nascer com um milhão de dólares e cantar sobre ser pobre. Mas se você for pobre e ganhar um milhão de dólares, vocâ ainda pode cantar sobre ser pobre. Tem o sentimento. Você não pode sair por aí cantando: “A vida é tão boa, meu carro é novo, como é bom ser um milionário” (risos). O indicativo de o blues ser nossa música é esse tipo de sofrimento. Na economia musical, os ricos mandam e ganham dinheiro com a música dos outros. Ravi Shankar, Bob Marley, Marvin Gaye, todos pobres. Os Beatles eram pobres em Liverpool. A música do Brasil, de Cuba. Essa é história que precisa ser contada.

EM – Já que estamos mais ou menos nesse asssunto, gostaria que comentasse essa afirmação: “"Não tenha medo de acrescentar outras culturas em seu som."
JLW – Sempre tento incorporar novos elementos na minha música. Mas tento procurar as pessoas certas. Se eu for tocar samba, vou procurar músicos brasileiros e ver o que acontece. Mas sem querer me apropriar da música dos outros para ficar famoso. Não sou Paul Simon, não sou David Byrne, não sou Peter Gabriel. No fim do dia a questão é: Onde está sua música?”. Todos os músicos que tocaram em Graceland já eram famosos antes de tocar com Paul Simon. Todos os músicos que tocaram com Peter Gabriel também. Youssou N’Dour era muito famoso. Sem desrespeito ao sucesso desses músicos, mas isso soa como merda na minha opinião. Me desculpe.

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