terça-feira, 30 de novembro de 2010

Bob Corritone lança CD com "quem é quem" do blues


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Arquivo pessoal Bob Corritone

Acordei ao meio dia da terça-feira, dia 23, e meio sonado li a mensagem: “Vem pra cá que o Ivan Márcio e o Bob Corritone estão descendo a Serra”. O Rodrigo Morenno da Harmonica Master armou uma visita e um almoço com o gaitista de Chicago em Santos.
Havia motivo para ter acordado tarde. Fui ao show do Paul McCartney no dia anterior. O show acabou às 00h30 e até chegar a Santos, tomar banho, comer e deixar a adrenalina baixar fui dormir lá pelas quatro da matina.
Mas a vida é assim e eu não desperdicei a chance de trocar umas ideias com ambos. Fui correndo ao encontro. Acabei, entre um filé de peixe com molho de camarão e banana à milanesa, saboreados com volúpia por Bob,  fazendo a entrevista abaixo. De quebra, vi o arquivo particular de fotos que Bob tem em sua máquina digital, uma verdadeira enciclopédia do blues.
Ivan Márcio, ex Prado Blues Band, agora em carreira solo, acabou de lançar um bom CD gravado na “wind city”: Chicago Blues Session Vol-1. Bob Corritone  lança pela Delta Groove, Harmonica Blues, disco com a nata do blues de lá. Entre os convidados: Little Milton, Koko Taylor, Dave Riley, Nappy Brown, Chief Schabuttie Gilliame, Bob Margolin, Chris James, Brian Fahey, Johnny Rapp, Buddy Reed e Eddie Taylor, Jr.
Ao final da turnê que fez por aqui, com o parceiro Dave Riley na guitarra, Bob aproveitou para um passeio antes de embarcar de volta para os Estados Unidos. Visitou afábrica de gaitas Bends e a mais completa loja especializada em gaitas do Brasil, a Harmonica Master.
Bob, que é endorser Hohner, babou nas gaitas da loja de Santos e aproveitou para uma jam inusitada com Ivan Márcio no violão e Serginho no baixolão. Tocaram três temas instrumentais até o Rodrigo entrar na roda e estragar tudo. Rê rê... brincadeira!

Eugênio Martins Júnior – O Rod Piazza me disse que o blues é música do banco de trás. Eu perguntei ao Lynwood Slim se ele concordava com essa afirmação e agora pegunto para você. Oque acha?
Bob Corritone – Não posso dizer que concordo plenamente. Acho que o o blues está muito vivo com relação a um grupo de pessoas que pode ser reconhecida como uma família. Conheço pessoas para quem o blues é tudo, como você, por exemplo. Você ama o blues. O Ivan Márcio vive para o blues. Muitas pessoas vivem para blues, mas ao mesmo tempo é uma música popular que não representa o “mainstream”. Então, a resposta a sua pergunta é sim e não. Se você for ao Buddy Guy Legends, Blues Music Awards, King Biscuit Blues verá que o blues está bem vivo.

EM – Essa é outra pergunta que eu faço a todos os blueseiros que passam por aqui. Quando foi a primeira vez que ouviu o blues?
BC – Ouvi Muddy Waters no rádio quando tinha 12 ou 13 anos. Ele mudou a minha vida. Naquele momento soube exatamente o que queria para o resto da vida. Ouvi elementos do blues e de rock naquela música nos anos 60 que representou tudo para mim. Era tudo o que eu queria. E daquele ponto em diante minha vida foi na direção do blues. Muddy Waters mudou tudo.

EM – Você nasceu e cresceu em Chicago. Ouviu e conviveu com muitas lendas do blues?
BC – Nasci em 1956, então cresci vendo muita gente. Nunca assisti Otis Spann, Elmore James, mas assisti Muddy Waters, Big Walter Horton, Howlin' Wolf. Alguns conheci pessoalmente, como Louis Myers, membro da banda do Howlin' Wolf; Lunnyland Slim, costumava ir a sua casa; Johnny Littlejohn e Lonnie Brooks e todos viraram grandes amigos. Conheci Little Mack Simmons, Carey Bell, Junior Wells  e todos esses caras que as pessoas amam.

EM – Você convivia com todos esses artistas?
BC – Sim, via-os regularmente. Era muito jovem nessa época, era um estudante e colhia todas as informações possíveis. Para um jovem músico, esse aprendizado foi preciosos para pegar noção sobre aquela música.

EM – Todos eles influenciaram sua maneira de tocar?
BC – Uma das minhas principais influencias foi ouvir a música de Little Walter, mas não o conheci pessoalmente, óbvio. Mas ouvi e vi Big Walter Horton centenas de vezes. Willie Myers era um grande gaitista e um grande guitarrista também. Good Rockin' Charles, Lester Davemport, são pessoas que eu admiro muito, mas que não são muito conhecidos. Caras que me mostraram o “tongue blocking”, outras técnicas e coisas maravilhosas. Coisas que tento fazer quando toco minha harmônica, manter viva a tradição, o som que eu ouvi em Chicago. Alguns desses caras já se foram, mas eu tento manter o som deles vivo de alguma forma.


EM – Esse seu novo álbum tem muitos convidados. Fale um pouco sobre isso.
BC – Você está falando do Harmonica Blues, que gravei pelo selo Delta Groove. São algumas de minhas gravações nos últimos 20 anos, de 1999 a 2009, que resolvi colocar em disco. E é, de certa forma, minha evolução como gaitista. Hoje tenho 54 anos e comecei a tocar harmônica aos 14. Uma das coisas que tentei fazer para estar perto do blues foi ser dono de um casa noturna, onde os músicos iam fazer grandes shows, meus artistas favoritos iam lá. Eu consegui colecionar grandes gravações.

EM – São gravações ao vivo no estúdio?
BC – Sim, ao vivo no estúdio. Tenho uma grande coleção de coisas antigas e resolvi escolher as melhores e juntá-las em um disco e chamá-lo de Harmonica Blues. Randy  Chortkoff, da Delta Groove, é um querido amigo por mais de 25 anos. Disse a ele que estava reunindo as músicas e ele imediatamente me chamou para fazer o CD. O álbum está recebendo uma boa recepção. Está no segundo lugar na parada da Living Blues Magazine e vendendo bem ao redor do mundo. Me parece que as pessoas estão gostando do álbum. Estou satisfeito, porque ele reúne algumas das minhas melhores parcerias durante anos. Pessoas as quais adorei tocar junto. Alguns dos maiores nomes do instrumento. Não tentei subjugar ninguém, ao contrario, tive muito respeito, porque são grandes artistas. Nomes como Koko Taylor, Little Milton, Robert Lockwood, HoneyBoy Edwards, Pinetop Perkins, Henry Gray, Willie “Big Eyes” Smith, Tomcat Coutney, Louisiana Red, Big Pete Pearson, Eddy Clearwater, Carol Fram, e muitos outros.

EM – Um verdadeiro quem é quem do blues?
BC – Sim, são artistas tradicionais que sempre admirei e a partir de certo ponto passei a ter algum tipo de relacionamento, tocamos em diferentes ocasiões, em diferentes épocas. Toquei muito tempo com Henrry Gray e sempre adorei estar ali.

EM – Você é músico, produtor dono de casa noturna, como faz para conciliar todas essas coisas?
BC – Sempre fui muito disciplinado. Parei de beber faz 25 anos. Achei que seria minha saída do mundo do blues (risos). Sempre tive de correr atrás da minha carreira, então passei a criar situações para tocar minha harmônica. Comecei a produzir discos aos 22 anos. Mudei para Phoenix em 1981 e comecei um programa de rádio em 1984. Continuei produzindo discos nesse período. Para fazer todas essas coisas você tem de manter o foco. Vivo a vida diariamente envolvido com essas coisas desde a hora que eu acordo até a hora de ir para a cama.

EM – É a sua primeira vez no Brasil. Você gostou?
BC Sim. Adorei o Brasil. Adorei a comida, fiz bons shows. Conheci pessoas maravilhosas como vocês. Conheci uma linda loja especializada em gaitas hoje. Fui recebido pelos meus amigos Igor (Prado) e Ivan (Márcio), que me mostraram muitas coisas. Estou muito feliz por estar aqui, adorei viajar pela América do Sul e em particular pelo Brasil. É uma honra pra mim estar aqui e compartilhar dessa grande cultura.

EM – Você conhece a cena de blues brasileira?
BC – Sim, Ivan, Igor Prado, Adrian Flores e um número de outras pessoas. Conheço muito a cena blueseira brasileira através do meu My Space que é muito popular por aqui. Faço muitos amigos músicos, foi como conheci Ivan. Sei que há grandes fábricas de harmônica no Brasil. Pessoas que ensinam a tocar, muitos festivais de blues. Conheço a força da música por aqui.

EM – Você que atua em tantas áreas ligadas à cultura, qual a importância do blues para os Estados Unidos?
BC – Acho que as pessoas ainda não sacaram o que significa a influência do blues na cultura americana, porque estão tão envolvidas pela música comercial. Nas lojas a seção de blues é sempre a menor. Nos anos sessenta e setenta você via Albert King tocando na TV. Tina Turner levava elementos do blues ao mainstream. Mesmo em  Chicago é difícil ouvir programas de blues no rádio. Eu podia ver inúmeros artistas tocando perto da minha casa. Acho que o blues não é amplamente divulgado. Parece que o blues não faz parte da música pop americana, quando ela tem muito de blues. Faz parte da fundação de muitas formas de música. Me sinto muito orgulhoso de fazer parte dessa cultura. O blues é muito maior do que qualquer moda ou pessoa e eu tento fazer a minha parte. Também tenho orgulho do reconhecimento que as pessoas dão ao meu trabalho, minha música. Amo o blues e todos os caras. Também agradeço por você estar aqui fazendo a entrevista, mantendo o interesse na música.

EM – Como você consegue o seu timbre? O que um músico iniciante precisa buscar para ter um timbre legal?
BC – Obviamente um bom professor que mostre os caminhos. Mas para pegar técnicas como o tongue blocking podemos ouvir os mestres como Walter Horton, Little Walter, ambos Sonny Boy Willianson, James Cotton. Ouça-os e eles vão te ensinar os segredos de obter um bom timbre. E todos tocam harmônica de forma diferente. Podemos tocar o mesmo instrumento, mas a biologia é pródiga e nossos pulmões, laringe e até a abordagem nos fazem diferentes na forma de tocar harmônica. Claro que se você quiser soar como Lazy Lester vai soar como Lazy Lester. Quer soar como James Cotton, vai soar como James Cotton. Quer soar como Ivan Márcio, vai soar como ele. A beleza de tocar harmônica é que cada um pode ser diferente. Mesmo assim, você querendo soar como alguém, terá seu próprio som.

EM – Qual equipamento você usa no palco? Sei que você é endorser da Hohner.
BC – Uso o microfone JT 30 (Astatic) com elemento de cristal. Uso as Marine Bands da Hohner e algumas harmônicas Joe Jelisco em ocasiões especiais. Uso também um a Hohner cromática 64. Quando estou na estrada uso os amplificadores disponíveis no momento, mas quando estou estou em casa ou no estúdio uso um Bassman 1958 ou um outro amplificador, também dos anos 50, um dos preferidos da minha coleção.

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