segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mulher, musicista e mãe, os talentos de Badi Assad não têm limites



Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Lucas Santos


É incontestável. Badi Assad é a melhor violonista brasileira da atualidade. Não bastasse, canta muito. Grava regularmente e viaja o mundo inteiro divulgando a música brasileira.
Não aquela das FMs. Falo da música brasileira verdadeira. Feita por artistas que, permanentemente, mantém um compromisso com sua arte e com seu público, diferente dos ícones de plástico fabricados pelas grandes gravadoras, programas dominicais de TV e produtores endinheirados.
Por esses motivos, Badi não está na mídia grande. E pra falar a verdade, nem precisa, sua música transcende as leis de mercado.
Mesmo tendo passado por momentos difíceis, como uma doença que paralisou suas atividades de instrumentista (distonia focal) e os problemas na gravidez que resultaram na perda de uma filha, Badi nunca perdeu o fio da meada.
O mais recente trabalho, e aí já vão três anos do lançamento do CD Wonderland, mostra que a perda familiar afetou em cheio sua arte fazendo com que o disco tratasse de temas pesados como o alcoolismo, estupro e outros.
Mas, como diz o ditado: “não há mal que perdure”. Badi tornou-se mãe de Sofia, sua mais nova fonte de inspiração e, mais uma vez, está com vários projetos em andamento.
Em passagem por Santos, no dia 7 de março de 2009, em show que abriu a série Mulheres Ao Vivo, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, realizado pelo Projeto Jazz, Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e Sesc Santos, Badi concedeu essa entrevista exclusiva ao Mannish Blog falando sobre sua carreira e seus novos projetos.

Eugênio Martins Jr: Faz quase três anos do lançamento de Wonderland, está vindo coisa nova por aí?
Badi Assad:
Sim, um DVD comemorativo, vinte anos de carreira. É engraçado, a gente fala comemorativo, mas quando é que começa a carreira? Meus próximos trabalhos são um CD duplo infantil inspirado na minha filha Sofia, mas ainda não tem data pra acontecer. Ainda estou procurando o patrocinador, porque será um trabalho independente. No meio desse processo tenho outro trabalho quase pronto de músicas autorais que em algum momento desse ano vou começar a gravar. Ainda tenho um projeto com o Carlinhos Antunes e um pessoal do teatro de bonecos. Um trabalho dedicado às crianças da América Latina. Um trabalho que vai sair do Brasil.

EM: Você usou como marco o primeiro disco solo, o Dança dos Tons, de 1989?
BA:
Exatamente. Para o DVD foram selecionadas 15 músicas de tudo que eu já gravei. O diretor é o meu sobrinho, o Rodrigo Assad, filho do Sérgio. É um DVD conceitual, a gente não tem papel, é uma coisa muito interessante.

EM: Já que a gente citou o Dança dos Tons, gostaria que você falasse um pouco sobre esse começo, esse seu primeiro trabalho solo.
BA:
Foi relançado recentemente como Dança das Ondas, porque eu gravei Waves. Retiramos algumas faixas e colocamos outras quatro faixas bônus. O dança dos Tons foi, obviamente, um marco, uma transição, porque antes desse trabalho ser gravado eu era uma violonista erudita e ponto. Participei de vários concursos. O começo de carreira do violonista erudito são os concursos, mas esse negócio de competição não é comigo. Você não tem muita liberdade de expressão. Tem de ser muito fiel àquilo que o compositor imaginou. Às emoções do cara. Tem de ser muito fiel à partitura. De repente você sente diferente do que ele sentiu, mas você não pode sair. Eu pensei: “Gente, não é isso. Eu tenho mais do que isso”. E aí eu comecei, ainda dentro da música instrumental, um repertório de compositores eruditos que escreveram músicas mais populares, como é o caso do francês Roland Dyens, que adora o Brasil, o cubano Leo Brower, que tem umas músicas bem mais populares. Também há as parcerias. Eu compus duas músicas com o meu irmão Sérgio. Foi um pé na música instrumental embasado na técnica e o outro na música popular.

EM: Quando e como foi que você percebeu que poderia cantar. Houve algum momento decisivo para que isso acontecesse?
BA:
No começo a voz ainda era muito tímida. Ela foi entrando aos poucos. Tanto que se você me perguntasse o que eu era naquela época, no início, eu falava que era violonista e cantora por conseqüência. Agora, o reflexo é falar que sou cantora. Mas foi uma história bem bacana. Tem um marco, um momento que isso aconteceu. Foi na primeira viagem internacional que eu fiz. Meu primeiro trabalho foi uma turnê com a esposa do meu irmão Odair. Hoje eles estão casados há vinte e tantos anos, mas na época eles eram namorados. Ela tinha um duo e tocava músicas do período romântico. Ela veio ao Brasil numa época em que sua parceira havia saído do duo e ela estava procurando uma violonista mulher e aí o Odair me indicou. Ela morava e mora ainda em Bruxelas, então me mandou as partituras para o violão normal. Quando cheguei lá tive de adaptar tudo para o violão menor, com aquelas cravelhas antigas. Tive de aprender a afinar aquilo. Fizemos uma excursão a Israel abrindo para os meus irmãos. Foi o primeiro lugar que eu toquei fora do Brasil.
Aí, no meio da turnê, teve uma festa, mas estava uma coisa muito chata. Sabe aquela festa que não rolou? Então! Quando a gente estava quase indo embora apareceu um violão na mão do Sérgio. Aí ele disse: “eu vou tocar rápido para a gente poder fugir”. Mas ele estava tão desconfortável por ter aquela obrigação de tocar. Aí eu me ofereci pra cantar. Ele, com aquela cara, me perguntou se eu sabia cantar. “O que você sabe!?” Eu sempre havia cantado em casa, com a minha mãe. Acabou que ficamos mais de uma hora na festa, eu cantando e ele tocando.

EM: Salvaram a festa?
BA:
(risos) É, mas foi uma descoberta mutua. Na volta pro hotel ele disse: “Badi você tem essa voz, nesse mundo da música instrumental isso é muito difícil. Use sua voz, ela é linda”. Não que o estilo musical que eu faço seja fácil, né? Eu tinha 19 pra 20 anos. Lembro que no momento que ele falou isso eu olhei para o céu e vi uma estrela cadente. Uau! Era um sinal! Voltei ao Brasil e fui ter aulas de canto, voltei a fazer aulas de teatro e dança.

EM: No teu show do Wonderland tem um pouco de tudo isso não é?
BA:
Sim, mas quando comecei a tocar com meu pai eu fazia tudo isso lá no interior, em São João da Boa Vista. Mas quando me decidi pelo violão parei com tudo.

EM: Em um país como Brasil, com tantos violonistas bons. Parece até que os instrumentistas brasileiros roubaram o violão do resto do mundo. Quais foram as suas principais influências?
BA:
Interessante que no mundo inteiro são poucos países que tem violão. O Brasil, a Espanha, mas lá há só um estilo musical que é o flamenco. Aí você tem “pinceladas” de violonistas, um aqui, outro lá. Nos Estados Unidos tem muito guitarrista e violão de corda de aço. Mas violão com corda de náilon o Brasil dá com pau de gente boa.

EM: Não vale citar como influências o Odair e o Sérgio.
BA:
(risos) Ahh, mas tenho de citar, porque eles são os primeiros. Mas aí tem o Marco Pereira, um cara fantástico. Ulisses Rocha, Egberto Gismonti, com aquele violão de dez cordas dele que é incrível. O Baden, o Rafael Rabello, André Geraissati, esses são os tops.

EM: E dos novos?
BA:
Tem gente boa pra caramba. O Yamndú que é um fenômeno em todos os sentidos. O Alessandro Penezi. Nossa eu me ajoelho aos pés do Alessandro, que é um cara com o coração gigantesco, uma pessoa linda. O Chico Saraiva. Tem o Quarteto Mahogany com um trabalho maravilhoso.

EM: Você já tocou com tanta gente importante como Pat Matheny, Hermeto Pascoal, Toquinho. Qual foi o momento que você acha que inesquecível. Se é que existe isso?
BA:
(pausa) Rolou isso quando eu toquei com o Larry (Coriell) e com o John (Abercrombie), porque a gente gravou junto, viajamos muito.

EM: Como foi viajar e gravar o Three Guitars com eles?
BA:
Foi muito interessante, porque eles são bem mais velhos que eu. Quando me convidaram para fazer um trio eu disse: “Olha, posso fazer tudo o que eu quiser? Porque eu não sou só violonista. Só tocar violão eu não topo”. É que foi bem na época que eu voltei a tocar violão, depois de ter me recuperado da distonia focal e estava muito insegura. Aí eles disseram que era isso mesmo que eles queriam. Foi muito engraçado, porque eles moram em Nova York e eu estava morando aqui. Troquei idéia com o Larry, que eu já conhecia, o John eu nunca tinha visto pessoalmente, nem conhecia muito o trabalho dele, só conheci depois. Aí o Larry ficou responsável de mandar umas músicas e uns arranjos pra eu estudar. Eu não sou improvisadora. Posso fazer misérias com a minha voz, mas com o violão não é a minha escola. Foi quatro meses antes da gravação. Deu três, dois, um mês e o Larry não mandou porra nenhuma (risos). Mandou só uma partitura. Um arranjo pra três violões que eu estudei. Aí eu compus, mas nem eram músicas prontas, eram idéias musicais. Fiz a minha parte e deixei espaço para eles improvisarem e fui. A gente ensaiou um dia, entramos em estúdio e todas as minhas músicas entraram no disco por conta de eles nem terem repertório (risos). Foi uma experiência fascinante, porque os caras estavam tocando as minhas músicas e acrescentando.

EM: Ambos têm uma história no jazz, como foi a convivência com essas duas feras?
BA:
Eles me tratavam com muita delicadeza, nunca em posição de inferioridade. Eles são gente boa pra caramba. O John é um cara que tem um humor fantástico. Aí foi o seguinte, o que aconteceu? Quando eu comecei a viajar com eles, o papo era só memória do que eles viveram com “aqueles caras”. Eu só escutava: “Lembra aquela vez com o Miles (Davis)”. Aí contavam os bastidores daquilo. E eu fiquei três anos escutando as histórias.

EM: Como se deu a ida para a Chesky Records. Seu álbum de estréia, o Solo, seguido por Rhythms (1995) e Echoes of Brazil (1997) lhe deram bastante projeção não é verdade?
BA:
O que me deu mais projeção foi o Chameleon, que foi o disco depois do Echoes. A distribuição da Chesky é muito específica. Eles têm uma distribuição em algumas partes do mundo, mas, por exemplo, não chega no Brasil, no Japão, na América do Sul, em alguns países na Europa. Então foi um trabalho que as pessoas no mundo do violão conheciam, mas fora desse universo, não. Quando gravei o Chameleon abriu, porque eles me levaram para trabalhar o disco na Europa, coisa que eu nunca tinha feito. A turnê de divulgação levou um mês em várias partes do mundo.



EM: Eu gosto de citar os discos, porque há alguns trabalhos que refletem exatamente o momento pelo qual o artista está passando. O Verde e o Wonderland mostram seu lado pop, mas não esse pop fácil que toca nas FMs, porque são discos com temas pesados. Neles você canta mais, não faz tanta experimentação, há a intenção de atingir um maior número de pessoas?
BA:
A temática do Wonderland é assim intencionalmente. Quando eu gravei o Chameleon, tive aquele problema na mão (a distonia focal), então fiquei dois anos afastada de tudo. Obviamente, a cantora em mim floresceu demais. Eu até gravei um disco com meu ex-parceiro americano, o Jeff Young, mas eu não tocava. Ele tocava violão, porque eu estava impossibilitada. Gravamos de maneira independente e só saiu duas mil cópias e quem tem, tem. Nós morávamos juntos e depois nos separamos e o disco ficou meio que “nowhere”, que era o título dele mesmo (risos).
Mas voltando, com o Chameleon foi assim, assinei um contrato com a Polygram que dizia que eu tinha de compor nove músicas. Eu topei o desafio e aí eu acabei me descobrindo também compositora e nunca mais parei. Mas ali, como ele era meu parceiro, foi um disco cantado. Então pensei: “Como é esse negócio aqui?” O experimentalismo deixou de ter a importância que tinha no meu trabalho. Antes a voz entrava como alegoria do que eu estava fazendo.
Outra coisa é que na minha estada nos Estados Unidos eu me envolvi muito com o universo popular de lá e fiquei encantada com as experiências que tive. Toquei na TV, toquei em um festival onde tive a oportunidade de me apresentar para 30 mil pessoas, uma coisa que me marcou muito.

EM: Você abriu o leque de possibilidades dentro da sua arte.
BA:
É e agora estou escolhendo essas facetas mais populares dentro do meu trabalho e que não deixa de ser bem elaborado.

EM: Nessa temporada nos Estados Unidos, o que você mais gostou e o que você mais odiou naquele país?
BA:
Nos Estados Unidos você tem oportunidade de trabalho. Em toda a cidade tem seu teatro, seu clube e tem público para todos os estilos musicais. As pessoas são entusiasmadas. Quem tem talento, tem espaço e isso aqui no Brasil não acontece. Aqui, talento não é sinônimo de carreira. Aqui, oportunidade é sinônimo de carreira. Agora, o que pior me aconteceu é que foi lá que eu tive o problema na minha mão. Um dos momentos mais delicados da minha vida foi quando eu morei lá, então é difícil dissociar, mas eu gosto daquele país. Sei lá, o frio é ruim. Taí uma coisa que eu não gostei (risos).

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