sábado, 27 de outubro de 2012

A tradição de Robert Johnson, Bukka White e Son House recebe "upgrade" com Roy Rogers


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Bandas de metal farofa aposentem o circo com pilhas de Marshalls e toneladas de equipamentos, porque o som de vocês não é páreo para o dos três coroas da banda do Roy Rogers, os Rhythm Kings. Eles é que sabem fazer barulho de verdade.
Sim, o som de Rogers ainda remete à slide que vem lá dos primórdios do blues. Robert Johnson e Bukka White ainda ecoam em sua música, mas o que se ouve é o upgrade. Feeling e técnica levados às últimas conseqüências.
Após cinco shows de Roy Rogers, esse guitarrista ainda me surpreende. Assisti o primeiro show acústico aqui em Santos, nos anos 90. Outros dois em 2007, no festival de Rio das Ostras. As apresentações no festival foram tão importantes para o evento que a direção resolveu chamá-lo de volta em 2012.
Decisão certa. Desta vez Rogers levantou dez mil pessoas que já o conheciam e estavam esperando por ele em baixo de chuva. Shows como aquele não se vê todos os dias.
Nascido em Redding, na Califórnia, Rogers pode ser considerado um dos mais importantes representantes da slide guitar da atualidade.
Em sua extensa carreira de músico e produtor, atuou com nomes tão importantes quanto diferentes da música norte americana. Entre eles, Linda Ronstadt, Sammy Hagar, Bonnie Raitt, Ramblin’ Jack Elliot, Elvin Bishop, Carlos Santana e Stevie Miller.
Acompanhou John Lee Hooker, tocando e produzindo os seus discos até poder gozar ele próprio o status de grande nome do blues. Com Steve Ehrmann e Billy Lee Lewis, completa os Rhythm Kings, power trio dedicado ao mais áspero e barulhento som do mundo.
Em 2011 gravou o CD Translucent Blues com o cãozinho dos teclados da Califórnia, Ray Manzarek. Uma mistura de blues, rock e música de puteiro.
Após tudo isso, uma coisa pode-se afirmar: Se há slide guitar nos anos dois mil, sem dúvida e com certeza, ela se chama Roy Rogers.



Eugênio Martins Júnior – Quando a slide entrou na sua vida?
Roy Rogers – Foi com as gravações de Robert Johnson. Eu devia ter 14 ou 15 anos, lá pelos idos de 54 ou 55, já tocava guitarra. Então meu irmão mais velho trouxe pra casa um disco do Robert Johnson, da Columbia Records, chamado King of the Delta Blues. Esse disco passou a fazer parte do meu dia a dia. “O que é isso que ele está fazendo?”, “Que som é esse?”. Eu já tinha uma banda nessa época, mas tocávamos rhythm and blues.

EM – Apesar de ser um trio, sua banda faz um som poderoso, uma mistura entre música country com o blues moderno por assim dizer, e a técnica lembra muito os pioneiros do Mississippi. Gostaria que falasse um pouco sobre isso.  
RR - Aprendi a tocar com a afinação aberta como Son House, Bukka White e Mississippi Fred McDowell, mas o Robert Johnson foi o primeiro.
Não, talvez a primeira vez que ouvi a técnica de slide foi uma lap steel em uma música de Chuck Berry, provavelmente em Maybellene ou Deep Fellin’. Mas eu não toco lap steel.
Minha música é baseada na tradição, mas não é tradicional. Não quero ser tradicional. Minha música é sobre quebrar a tradição, ampliar e desenvolver os limites. Minhas influências vêm de muitos lugares, escuto todo tipo de música, por isso que o nosso ritmo é forte. É uma síntese. Veja, eu gosto do blues tradicional, especialmente a técnica. Acho que o que venho fazendo através dos anos é o desenvolvimento de um estilo. Não que eu fique pensando nisso, simplesmente exploro coisas novas. Não me considero tradicional no sentido comum do termo. Quero soar forte, alto, com energia. Isso é importante.

EM – Um de meus primeiros discos de blues foi The Hot Spot, trilha sonora do filme homônimo com você e John Lee Hooker. Como era o homem John Lee Hooker?
RR – Era um homem maravilhoso. Era bondoso, gentil e um cavalheiro. Se preocupava com a família e com as pessoas e suas vidas. Podemos dizer que a música era a sua vida e ele era apaixonado por ela. Ele era da tradição musical do Delta do Mississippi e mudou-se para Detroit e apesar de fazer parte dessa tradição ele desenvolveu algo diferente. Ele mudou com a eletrificação Boogie Chillum foi gravada em 1948 e era uma canção maravilhosa. Definia o que ele era. Tinha um estilo único. Só há um John Lee Hooker. Como homem ele ajudava as pessoas e viveu a vida igual à sua música, de uma maneira muito profunda. Muito filosófica. Você não poderia viver mais profundamente do que aquilo. Seja o que for que você toque, jazz, blues, samba brasileiro, não há a possibilidade de ir mais fundo do que aquilo. É isso que temos de perseguir em qualquer gênero que tocamos. Aquela profundidade.


EM – Você falou da mudança de John Lee pra Detroit e a mudança na sua música. Acho que a agitação das cidades grandes, o barulho, tudo isso influenciou a música. Muddy Waters passou pelo mesmo processo. 
RR – A amplificação apareceu. A guitarra passou a ser plugada em grandes amplificadores. Apareceram novas tecnologias, Les Paul, e os amplificadores eram usados em laps steel e nas velhas National Steel, esse tipo de coisa. As harmônicas também foram amplificadas. Então a tecnologia mudou muito mais do que hoje. Os caras vinham do meio rural onde não havia a amplificação e começaram a mudança explorando todas essas tecnologias. Juntou-se a isso a vida industrial das cidades grandes. Essa mudança ocorreu no fim dos anos 40. Os caras eram uma banda individual, podiam tocar alto. Inventaram o rythmn blues, o rock and roll, o rockabilly. Esse foi o começo, quando os caras plugaram os instrumentos.

EM – Lugar certo, tempo certo?
RR – É disso que se trata. John era como alguns daqueles caras de Chicago, só que ele passou um bom tempo em Detroit. Mas ele foi um dos caras que definiu um estilo. Quando John contava as suas histórias, ninguém podia imitá-lo. Naquela época a concorrência sempre arrumava um jeito de imitar outro artista que fazia sucesso, mas ninguém podia imitar John Lee Hooker.

EM – Na verdade não dá pra definir o som da trilha sonora de The Hor Spot. Foi uma impressionante reunião com você, John Lee Hooker, Taj Mahal e Miles Davis. Vocês chegaram a gravar juntos no estúdio?
RR – E ainda havia o Earl Palmer na bateria, Tim Drummond no baixo. Todos nós gravamos no estúdio, mas no trompete de Miles Davis fizemos overdubs. Ele ouvia o que nós gravávamos e respondia em cima.



EM – Fale sobre a parceria com Ray Manzarek pra gravar Translucent Blues.
RR – Tocamos juntos há uns seis ou sete anos atrás em uma jam e eu disse para Ray que aquilo poderia se tornar um duo. E ele disse que estava soando realmente bem. Tocamos e nos tornamos bons amigos. Estava criado o duo (risos). Ele continua tocando as coisas do The Doors com Robbie Krieger, mas nosso lance era outra coisa. Foi divertido e não desenvolvemos isso como uma banda. É uma colaboração em dueto. Então aconteceu o Translucent Blues e nós estamos felizes com o resultado. Fizemos um som novo juntos. O cara é um ícone do rock. Procurei sintetizar uma coisa nova na slide e Ray também fez coisas diferentes. Ele fez o que nunca havia feito com Robbie Krieger e eu o que nunca havia feito com minha banda. A resposta das pessoas tem sido boa porque elas não sabem o que esperar. Foi uma colaboração interessante. Elas pensam: “O que esses caras estão fazendo juntos?” Mas a música funcionou e você tem de explorá-la. Quando não rola cada um toma seu caminho. Gosto de fazer novas parcerias porque conheço novos sons. Podemos desenvolver coisas novas. Sou mais blueseiro do que o Ray, mas isso não quer dizer que tenho de tocar blues o tempo inteiro. Você tem de ouvir. Vou te dar o CD. Acabamos de gravar outro álbum juntos. Não temos um nome ainda, mas nós mixamos antes de eu vir ao Brasil.

EM – Recentemente você perdeu o amigo e parceiro Norton Buffalo. Gostaria que também falasse sobre essa parceria. 
RR – Fiquei muito triste quando soube que ele morreu tão jovem. Tinha apenas cinqüenta e oito anos. Fizemos boa música juntos. Gravamos três discos. Nosso dueto foi único em alguns sentidos. Na minha opinião ele era um dos maiores gaitistas do mundo. Outra coisa era a nossa empatia musical. Creio que há certas pessoas que você conhece na vida que combinam com você. Tínhamos a mesma opinião sobre muitas coisas e a música era só uma delas. Éramos amigos, viajamos à China, e ao redor do mundo em muitos, muitos e muitos festivais. Podíamos improvisar juntos baseados na música tradicional, mas saíamos disso. Ele tocava uma grande harmonica cromática. Era um grande músico. Você precisava ver pra acreditar.

EM – Sua esposa tem uma ótima memória. Eu perguntei se ela se lembrava do show que você fez na minha cidade nos anos noventa e ela disse na hora que sim. Foi a primeira vez que eu ouvi uma slide ao vivo. Você se lembra daquele show?
RR – De Santos, claro. Òtimo hotel, perto da praia. Foi um show acústico, mas não me pergunte o que eu toquei. Foi há muito tempo (risos).

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