domingo, 5 de setembro de 2010

Lynwood Slim desce a lenha em Bush e Obama, mas também fala sobre música


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Ségio Cladera

Numa quinta-feira, 29 de julho de 2010, Lynwood Slim e a Igor Prado Band vieram a Santos para fazer o lançamento de um CD gravado poucos meses antes.
O show foi no Studio Rock Café, um bar novo sugerido pelo amigo e grande guitarrista Milton Medusa. O local caiu como uma luva. Os caras tocaram em uma espécie de aquário, na verdade, um estúdio que se incorpora ao bar e deixa os artistas muito próximos do público. (veja fotos abaixo). A abertura ficou por conta da banda de blues santista Garagem Blueseira.
Segundo Lynwood, ele nunca havia tocado num lugar assim. No começo estranhou um pouco, por quê quem está dentro do aquário não ouve a vibração da audiência. Há mesmo uma falta de feedback que precisa ser solucionada, mas no geral, foi tudo muito bom, tocaram umas duas horas. Quase todas as do novo disco: Bloodshot Eyes, Maybe Someday, I Sat and Cried e tal.
Já foi dito aqui que a Igor Prado Band é uma das bandas de blues que mais produzem no Brasil. E não é que os caras estão lançando mais um disco com inéditas. Watch Me Move! É um CD de covers dos anos 50 e 60, gravado no estúdio caseiro da rapaziada e que traz Stevie Wonder (Signed, Sealed, Delivered), Ray Charles (Mess Around), Eddie Floyd e Steve Crooper (Knock On Wood) e muito mais. Todas para dançar.
Muito bem humorado, Lynwood Slim concedeu uma entrevista exclusiva ao Mannish Blog minutos antes do show. Estava tudo correndo bem até o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, aparecer na televisão e mudar o rumo da conversa.
A produção do show foi do Mannish Blog e Agência Urbana, com apoios da Calango Music, Harmonica Master e Studio Rock Café. A entrevista contou com as participações de Igor Prado e Marcos Rodrigues.


Eugênio Martins Júnior - Essa pergunta eu faço a todos. Quando foi a primeira vez que você ouviu o blues?
Lynwood Slim – Não sei, deve ter sido quando tinha 10 ou 11 anos. Costumava ouvir Jimmy Reed, guitarrista e gaitista. Nos anos 60 ele estava no rádio o tempo todo em um programa chamado The Top 40, que tocava música popular contemporânea e Jimmy Reed era um dos chefões daquela época. Honest I Do, Take Out Some Insurance, Going To New York, amo todas essas músicas.

EM – Como você vê o blues hoje nos Estados Unidos e qual a importância dele para a cultura do país?
LS – Acho que atualmente está se tornando menos popular. Cada vez menos pessoas estão curtindo. Pra mim o blues tradicional e o blues de Chicago estão ficando igual o jazz dixieland, que é muito legal, mas está sendo tocado por poucas pessoas e apreciado pelo mesmo tanto. Blues não faz mais parte da corrente principal (mainstream), não existem mais “blues heroes”. B.B. King é último cara, digo, o último dos caras das antigas que estão por aí.

EM – O Rod Piazza me disse que o blues é a música do banco de trás, você concorda?
LS – Está correto. Os jovens de hoje não têm idéia do que é boa música. Eles curtem American Idol, Housemusic, música eletrônica de merda (electronic dance shit). As pessoas que gostam de blues têm a minha idade, que nasceram nos anos 40, porque na nossa juventude costumávamos escutar os caras e ver muita música ao vivo. Você pode ouvir e ver as pessoas de perto. Assisti os grandes do jazz quando era jovem, eles estavam por aí.


EM – Você trabalhou com os lendários Walter Horton e Leonard “Baby Doo” Caston, parceiro de Willie Dixon nos grupos Four Jumps of Jive e Big Three Trio, fale um pouco sobre isso.
LS – Sim, Walter era um dos grandes, muito cool. Tive muita sorte porque eu nunca havia falado com ele. Peguei-o no aeroporto e ele passou três ou quatro dias na minha casa e nós nem chegamos a conversar muito, eu estava com 27 ou 28 anos e ficava sentado ouvindo-o tocar a harmônica. Não podia acreditar. Baby Doo era um verdadeiro personagem, um cara muito legal, um cara enorme, as mãos eram gigantes, quando ele tocava piano seus joelhos encostavam nas teclas, era um piano enorme e ele podia movê-lo com as mãos. (risos). É sério. Fizemos muitos duetos juntos. Principalmente nos circuitos universitários, um monte de shows no meio-oeste, provavelmente em 1980, 81 talvez. Era um cara muito legal, assim como Walter. Nenhum dos dois era racista. Não eram como Junior Wells e Little Walter que não gostavam de brancos e ponto. Baby Doo e outros caras não tinham problemas com músicos brancos. Lazy Bill Lucas, um pianista da velha guarda era um deles, ele também não era racista.

EM – Você tocou e gravou com o Junior Watson e Kid Ramos e agora está tocando, gravando e em turnê com uma jovem e talentosa banda de blues brasileira que tem você como influência e até como uma espécie de professor, como vê isso?
LS – O Igor é um grande amigo e sua família também. E os caras da banda, somos muito chegados. Igor me ligou há alguns anos e me perguntou se estaria interessado em gravar alguma coisa com ele, eu tenho tido a sorte de viajar pelo mundo, mas admiro a música do Brasil e a música desses caras, então eu vim e gravamos juntos. Desde então tocamos em alguns lugares na Califórnia, nos Estados Unidos, vamos a Europa, em todo o Brasil. Estive tocando com esses músicos nos últimos três anos. É uma das bandas que eu mais gosto de ouvir.

EM – Fale um pouco sobre o Junior Watson e Kid Ramos.
LS – Junior tem a sua própria banda na Califórnia e viaja pela Europa com ela regularmente. Kid Ramos é um grande músico, tem um banda mexicana chamada Norteño. Ele toca uma espécie de música mexicana com um instrumento chamado “Bajo Sexto”, uma guitarra gigante. É um cara muito esperto, um dos meus melhores amigos, assim como Junior.


EM – Você conhece a cena blueseira brasileira?
LS – Conheci só os caras com quem estive envolvido no Rio e em São Paulo. Também conheci algumas pessoas em Blumenau. Conheci uma menina muito bonita que toca harmônica.

Igor Prado – Ele conheceu o pessoal do Headcutters e a Tiffany Harp.
LS – Sim, conheci a Tiffany e acho que ela toca melhor do muitos caras que eu conheço. Você a conhece? Cara ela toca muito. Quando começou a tocar eu ... (faz cara de surpreso e cai na gargalhada). Ela tem um bom timbre, um bom tempo. Amei tocar com ela.

EM – Você conhece os ritmos brasileiros como o samba, por exemplo?
LS – Oh shit, yes! Sim conheço o samba. As mulheres brasileiras vão me matar. As mulheres são muito bonitas por aqui. Já viajei pelo mundo inteiro e vi muitas mulheres bonitas na Noruega e Escandinávia, no Mediterrâneo, na Itália, Espanha, mas quando vim aqui achei as brasileiras muito bonitas. Aliás, não só as mulheres, mas todos me trataram muito bem aqui. Sempre muito amigáveis, sei que existem muita violência e crime, mas ninguém sequer foi mal educado comigo, muito diferente na Alemanha. (faz cara e pose de macho e cai na gargalhada).

EM – Qual o equipamento que você usa no palco? Estou vendo que não usa muitas harmônicas.
LS – As harmônicas são muito caras, eu uso harmônicas em apenas três tons, Lá, Dó e Si Bemol. Minha primeira harmônica, uma Hohnner, custou 90 cents, mais ou menos “um rial”. Minha primeira cromática, uma grande 64 (64 vozes), custou 20 dólares, “forty rials”. Agora você gasta duzentos dólares, ou four hundred rials, é muita grana e elas não duram tanto tempo. Costumo usar uma harmônica por 20, 25 horas, talvez, e tenho de arrumar outra.


Igor Prado – Você não costuma mandar as harmônicas para a revisão?
LS – Não, acho perda de tempo. Uso até acabar e jogo fora. Costumo guardá-las em um lugar próprio e limpá-las com álcool e dar pra molecada da vizinhança. (risos). Às vezes eu toco para as crianças em hospitais, crianças com câncer, fiz isso uma vez e agora acho que tenho de fazer sempre. Às vezes dou a eles minhas harmônicas e as enfermeiras ficam putas. (ele toca algumas notas desordenadas imitando as crianças e cai na gargalhada).

EM – O que um aprendiz de harmônica tem de fazer para adquirir um bom timbre? Praticar, praticar, praticar ou investir em um bom equipamento?
LS – Praticar. Qualquer instrumento musical você tem de adquirir intimidade, dar duro. Tem de ter a mesma abordagem de um piano. Ou seja, há diversas formas de tocar a harmônica, um instrumento versátil. Felizmente eu saquei isso quando era adolescente. Aprendi a tocar um furo de cada vez (pega uma gaita e demonstra). Tinha tempo, trabalhava no posto de gasolina do meu pai e o trabalho era devagar (risos). Mas tinha de trabalhar lá senão ele chutava meu traseiro. Não era nem pago. (risos). Foi lá que comecei a ouvir Little Walter e todos os fodões de Chicago. Um dia estava de graça e ouvi um deles cantando e pensei: “Uau, o que é isso?!”. Não conseguia o mesmo timbre. Comprei uma nova harmônica e abri o papel que vinha junto e era um diagrama que ensinava a tocar. Foi assim. Mostrava a técnica “tongue blocking”. “Bum, era isso que tinha de fazer”. Sabia que tinha de trabalhar nisso e continuo até hoje. (risos).

EM – Você usa a harmônica cromática para tocar blues, quando a maioria usa a diatônica. Gostaria que você pontuasse a diferença entre os dois estilos.
LS – Não há muita diferença pra mim. È a mesma técnica.

EM – Mas o gaitistas do Delta e de Chicago não usam cromática.
LS – O gaitistas de Chicago usam, mas os caras do Delta não, é muito complicado. Pra você tocar corretamente, você tem de ser um gênio, por que a harmônica em Dó é semelhante ao piano. Teórica e tecnicamente você pode tocar em qualquer tom, mas é não é tão fácil quanto parece e eu conheço apenas alguns poucos caras na história da harmônica que podem fazer isso e todos estão mortos. (risos).

EM – E o Toots (Thielemans)? Ele ainda está vivo.
LS – Sim, ele é um deles. Conheço alguns caras das antigas que tocam as Hohners com 20 furos em todos os tons. Então se a banda toca em Dó eles tocam em Si Bemol cromático e funciona. Se a banda toca em Ré, ele pode tocar em Dó cromático e funciona. Você não precisa ficar procurando, está tudo lá.

Igor Prado – Mas você pode tocar uma crossharp.
LS – Isso quer dizer que todos eles tocam em uma posição e há quatro posições na Marine Band (diatônica). Primeira, segunda, terceira e quarta que é especial. A única pessoa que eu ouvi tocar como ninguém foi Charlie Musselwhite. (risos).

EM – Assisti um show com o Charlie Musselwhite no Bourbon Street, a casa de shows que você tocou ontem. Há pouco tempo o Rod Piazza se apresentou lá também. Cara, eles arrasam, você os conhece?
LS – Rod é cara legal e também muito engraçado. Os dois são grandes amigos. Charlie é mais chegado, mas conheço ambos mais ou menos uns trinta anos. É muito tempo, estou com mais de sessenta. (risos).

EM – Você sempre está acompanhado por grandes guitarristas, entre eles, Junior Watson, Kid Ramos e agora o Igor, queria que falasse um pouco sobre isso.
LS – A verdade é que eles é que me encontram (risos). São as circunstâncias...


Nesse momento o Hugo Chavez aparece na televisão e o Lynwood faz uma cara de desdém e um som de galhofa e cai na gargalhada. “Ele tem de sair”, diz. Aí a conversa envereda pelo campo político.

EM – Eu sou socialista.
LS – (risos) Não, você não é!

EM – Sou.
LS – É verdade?! Por quê?

EM – Porque o Brasil é um país muito injusto.
LS – Mas o mundo é injusto.

EM – Concordo, mas em alguns países essa injustiça é muito menor, como na Europa, por exemplo.
LS – O socialismo na teoria é uma grande idéia. É uma idéia maravilhosa, mas não funciona.

EM – Assim como o capitalismo, ele também não funciona (gargalhadas geral).
LS – Pelo simples fato de que o ser humano sempre quer mais. Ele sempre quer mais e não está ligando pra porra nenhuma. Se você ver, Karl Marx e Josef Stalin tinham grandes casas em Moscou, eles viviam confortavelmente.

EM – Mas Karl Marx nunca viveu em Moscou. Na verdade é que o comunismo ou socialismo, o que seja, é um conceito de igualdade, diferente dessa forma de consumo exagerado. Não tem nada a ver com Hugo Chavez.
LS – Sim, é preciso, mas você não consegue por causa daquilo que eu disse: o ser humano precisa sempre de mais. Por outros lado, se eu vivesse em um país comunista não poderia fazer o que faço, teria de trabalhar para o Estado. Mas enfim, o que você acha que manda no mundo? Dinheiro, comida, sexo. Você pode ir a qualquer lugar do mundo e as necessidades são as mesmas.


EM – Ok, eu também acho que não existe sistema perfeito. Bom, vamos mudar de assunto... (gargalhadas geral). Vou fazer uma última pergunta sobre política, o que você acha de Barack Obama?
LS – Tive esperanças com ele no começo, mas ele acabou se tornando mais uma porra de um político de Washington. Muitas pessoas tiveram esperanças, mas ele acabou se tornando mais uma marionete dos grandes negócios e do capitalismo selvagem. (risos).

Eugênio Martins – Me parece que na época de Bill Clinton os americanos eram mais felizes.
LS – A vida na administração Bill Clinton era melhor. Existia mais emprego. George Bussh foi um idiota fodido. O problema é que esses caras prometem coisas que não podem entregar. Na Califórnia nós temos Arnold Schwarzenegger, “The Terminator” (risos), como o governador da Califórnia. Pessoalmente penso que ele está fazendo um bom trabalho, pelo menos ele tenta. Ele vive se confrontando com os políticos locais, mas com uma postura de enfrentamento no sentido de fazer o quem te fazer para salvar o estado. No meu país sempre que se corta verba é da cultura. No Brasil não é assim, a cultura está sempre na frente.

EM – Opa, não é bem assim.
LS – Pelo menos é o que parece. Eu costumo dar aulas de harmônica para algumas dezenas de jovens, mas já foram centenas! E o governo costumava pagar por isso. Para eu mostrar o que eu sei sobre esse tipo de música. Blues, jazz e artes indígenas norte-americanas, são as formas de artes mais autênticas da cultura americana. Filmes e esportes também têm muita força nos Estados Unidos.

EM – Sim, a primeira vez que ouvi o termo blues foi em um filme chamado A Rosa, que tinha a Bette Midler e o Kris Kristofferson como atores principais.
LS – Sim, supostamente sobre a vida de Janis Joplin. A maioria dos músicos que conheço, mesmo o roqueiros de outros países, tem influência do blues ou jazz. Assisti uma entrevista com Elton John, pra quem eu não ligo a mínima, Rocket Man e toda aquela merda não me dizem nada, dizendo que não lia música, o que me deixou muito surpreso. Ele disse que ouvia muito Gordon Jenkins e Nelson Riddle. Fiquei realmente surpreso. Ele realmente sabia quem eles eram, arranjadores de orquestra que tocavam swuing nos anos 40.

EM – Nelson Riddle, inclusive, foi responsável por uma grande fase de Frank Sinatra, após sua separação com a Ava Gardner.
LS – Sim, ele fez coisas lindas com Frank Sinatra, Nat Cole, June Christy, July London e eu posso continuar falando. (Lynwood vira para o Igor e diz, “Esse cara está abrindo minha memória perdida”).

Confira também outras duas entrevistas exclusivas de Igor Prado para o Mannish Blog:

http://mannishblog.blogspot.com/2009/11/entre-temas-e-timbres-classicos-igor.html
http://mannishblog.blogspot.com/2010/03/2010-vai-ser-um-ano-do-caralho-diz-igor.html

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